Temos cada vez menos tempo. Entre o trabalho, as obrigações familiares, a atenção que devemos dar aos companheiros e aos amigos, parece que não há tempo para respirar, para fazer o que realmente desejamos ou sequer para parar e descansar.

Seria de esperar que com tantos afazeres e um ritmo de vida acelerado, aprendêssemos a filtrar o que realmente importa e saber recusar o que não queremos fazer. Mas nem sempre é assim.

O medo da rejeição e do conflito

“Já perdi a conta das festas de aniversário de crianças a que fui, sendo que não tenho filhos. Entre amigos e colegas de trabalho, sinto que a única coisa que fiz durante meses ao fim de semana era frequentar festas temáticas da Patrulha Pata e do Frozen”, conta à MAGG Joana Cerqueira, de 34 anos, organizadora de eventos, que assume que apesar destes eventos sociais serem a última coisa que desejava fazer no seu tempo livre, não conseguia recusar.

“Não sei porque é que não conseguia dizer que não, acho que tinha medo que ficassem aborrecidos comigo”, explica Joana, numa reação que os especialistas concordam ser bastante normal.

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Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e coach profissional, salienta que uma das maiores necessidades do ser humano é a pertença e a sensação de ligação, e é natural que tenhamos a ideia que o “não” possa ameaçar as relações e a qualidade dos laços estabelecidos.

A informação negativa produz um surto maior e mais rápido de atividade elétrica no córtex cerebral do que a informação positiva."

“O medo da rejeição e do conflito são dois dos principais obstáculos a dizermos não, quando o queremos dizer. Receamos que o outro altere a sua perspetiva de nós mesmos, por lhe causarmos mal-estar com uma resposta negativa”, afirma a especialista, que também avança que esses receios não são infundados.

Filipa Jardim da Silva refere que a neurociência tem demonstrado que os nossos cérebros apresentam uma reação mais intensa ao negativo do que ao positivo. “A informação negativa produz um surto maior e mais rápido de atividade elétrica no córtex cerebral do que a informação positiva. De igual forma, as memórias negativas são mais fortes do que as memórias positivas. E todos estes processos de funcionamento tendem a proteger-nos, de forma a evitarmos algo que nos magoa no futuro.”

Dizer não aos 18 não é o mesmo que aos 30

Sandra Barata, de 30 anos, jornalista, assume que a idade foi um fator determinante nas suas escolhas. “Aos 18 anos dizemos que sim a tudo. Ainda não temos a nossa personalidade completamente formada e queremos, acima de tudo, pertencer a um grupo e ser aceites. Queremos que gostem de nós e, por essa razão, dizemos que sim a todos os convites, às vezes até mudamos de opinião para concordar com o resto do grupo e não ser a ovelha negra.”

Quem realmente gosta de mim vai continuar a gostar, mesmo que eu não possa ir jantar fora a uma terça à noite porque estou cansada."

Com a idade, Sandra admite que, actualmente, já consegue dizer não com mais facilidade.

“As experiências que a vida me trouxe fizeram com que pensasse mais em mim. Com a maturidade aprendi a dizer que não, a dar a minha opinião e cheguei à conclusão que não tenho de aceitar tudo para gostarem de mim. Quem realmente gosta de mim vai continuar a gostar, mesmo que eu não possa ir jantar fora a uma terça à noite porque estou cansada.”

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Margarida Alegria, psicóloga clínica, concorda que a idade e a maturidade são fatores que levam a dizer não mais vezes. “A idade traz-nos mais auto-confiança. Quando somos pessoas realizadas, assumimos que não temos de agradar a tudo e a todos e conseguimos dizer não mais facilmente.”

À medida que crescemos, explica Filipa Jardim da Silva, ganhamos recursos cognitivos e emocionais que permitem uma maior diferenciação e maturidade emocional. “Se fizermos o nosso trabalho pessoal num sentido de reforçar a nossa identidade e o respeito por nós mesmos, então será natural termos mais capacidade de dizer não, desdramatizando o seu significado e receando menos a rejeição e conflitos inerentes”, salienta a especialista.

As circunstâncias de vida podem potenciar os nãos

Um filho, um emprego e mesmo a perda de um ente querido podem redefinir prioridades e fazer com que façamos escolhas diferentes.

Deixei de fazer fretes e entendi que tenho direito a dizer não."

“Lembro-me de um período bastante complicado a nível familiar, em que vi pessoas muito próximas passar por problemas graves de saúde e acabei mesmo por perder um familiar. É inegável que estes acontecimentos me fizeram perceber ainda mais o valor da vida, que isto passa num instante e que não posso passar o tempo todo a fazer as vontades dos outros e a deixar as minhas para trás. Deixei de fazer fretes e entendi que tenho direito a dizer não”, conta Sandra Barata.

Momentos mais desafiantes como os citados por Sandra ajudam-nos a colocar em perspetiva quais os valores mais prioritários para nós. “Dessa reflexão, por vezes, surgem alterações do nosso comportamento e mindset que nos ajudam a priorizar o que é realmente importante”, afirma Filipa Jardim da Silva.

Margarida Alegria acrescenta que, mesmo em contexto profissional, há que perceber que o não pode ser uma ferramenta útil e dá o seu próprio exemplo. “Desde que fui mãe, acabo por colocar travões e não aceito tanto trabalho. Antes de ser mãe era capaz de trabalhar noite adentro”, conta a psicóloga, que acredita que um não pode ser libertador.

“Existe muito stresse e ansiedade envolvida num não. E quando finalmente o conseguimos dizer e marcar uma posição, é como se sentíssemos um alívio enorme”, afirma a especialista.

O direito a ser egoísta

Sofia Matos, de 31 anos, professora do ensino básico, conta à MAGG que as diversas atividades do seu grupo de amigos começaram a prejudicar o seu relacionamento. “Chegou a um ponto em que tinhamos jantares e atividades em grupo em todos os dias de lazer, desde sexta à noite até domingo. Quando percebi, não ia jantar fora com o meu namorado sozinha há mais de um ano, não passávamos férias sem ser em grupo. O tempo em que estávamos só os dois resumia-se às noite de segunda a quinta, em que devido ao cansaço do trabalho não fazíamos nenhum programa a dois.”

Sofia tinha receio que o grupo os excluísse e até de parecer egoísta, mas percebeu que a sua necessidade de passar tempo de qualidade com o namorado tinha de falar mais alto.

“Como fazíamos muitas atividades, desde jogos de paintball a fins de semanas em casas alugadas, também sabia que a nossa ausência desses programas os podiam tornar mais pesados financeiramente e sentia-me mal por isso, achei que era egoísmo da nossa parte e que parecia que os estávamos a privar. Mas cheguei a um ponto em que tive mesmo de fazer um corte.”

Egoísmo saudável — este é um conceito que deve conhecer e que cada vez mais deve ser inserido nas nossas vidas. “A capacidade de cuidarmos de nós, de assegurarmos a satisfação das nossas necessidades físicas e psicológicas essenciais e de estarmos alinhados com os nossos valores é muito importante para termos relações mais saudáveis e de maior qualidade”, garante Filipa Jardim da Silva.