Não é difícil de prever que as relações familiares estão a passar por um momento difícil, inédito, que estão a levar os casais por caminhos onde nunca andaram, e que não se sabe muito bem aonde vão dar. Passou ainda pouco tempo desde que o País iniciou uma fase de quarentena, mas seguramente que em muitas casas já se sentem os reflexos desta nova realidade, que força a que as famílias convivam durante todo o dia num espaço geográfico limitado, muitas vezes pequeno, o que inevitavelmente gera stresse, tensões, conflitos, não só entre casais, como entre pais e filhos. Será que esta situação terá um impacto decisivo nas relações íntimas e familiares a longo prazo? Será que a taxa de divórcio, que de acordo com os últimos dados da Pordata está nos 58,7%, vai disparar? Ou, pelo contrário, será que vai mesmo acontecer um babyboom daqui a nove meses? E, quem sabe, será esta uma oportunidade para os pais aprenderem a passar tempo, sem pressas, com os filhos? Um terapeuta familiar e uma sexóloga respondem a todas as questões.
"As pessoas estão fechadas no mesmo espaço e isso pode proporcionar mais fricção "
Primeiro que tudo, há uma questão a esclarecer que pode até já ter surgido na mente das pessoas, mas não foi esclarecida: será seguro os casais manterem a sua intimidade em tempo de pandemia? "Desde que as pessoas não estejam infetadas, não há problema nenhum, até pelo contrário. As pessoas aliviam o stresse e libertam endorfinas", esclarece a sexóloga Ana Tapadinhas.
Contudo, num momento de tensão mundial, se já existia tensão na relação, o cenário pode não ser o melhor: "Se não há estabilidade na relação conjugal, é um momento em que as pessoas estão fechadas no mesmo espaço e isso pode proporcionar mais fricção em relação às coisas que já estão disfuncionais no casal", acrescenta a especialista.
Da mesma opinião é o terapeuta familiar Manuel Peixoto que fala ainda sobre o facto de a tensão que se vive lá fora acabar por influenciar também a vida do casal, sem que isso implique que haja uma posterior separação. O especialista aponta então para dois tipos comportamentos: uma convivência mais tensa ou enfrentar o momento como uma oportunidade de gerar bem-estar na relação.
"Pode ser um momento para os casais se redescobrirem e descobrirem novas dinâmicas. Muitas vezes o excesso de trabalho e a correria do dia a dia pode não ser suficiente e agora é o momento do reencontro", adianta a especialista Ana Tapadinhas.
Vamos mesmo assistir a um babyboom?
"O babyboom vai acontecer. Vamos ver isso daqui a 9 meses. Nunca vi nenhum estudo suficientemente sério para poder confirmar a 100%, mas uma coisa é certa: quando há apagões em que as pessoas não sabem o que fazer, fazem amor", diz à MAGG o especialista Manuel Peixoto.
Significa isto que tal como é típico que 9 meses depois dos apagões nasçam mais crianças do que noutras circunstancias, depois desta pandemia pode também haver um aumento da natalidade.
Com filhos em casa 24 horas por dia, onde fica a intimidade?
Pensemos na quarentena como umas férias (neste caso mais prolongadas). Os casais também levam os filhos e adotam diferentes estratégias para simultaneamente conseguirem passar algum tempo juntos. A quarentena não tem de ser diferente, até porque como a sexóloga Ana Tapadinhas diz "há momentos em que os miúdos têm de estar ocupados com alguma coisa e os pais podem estar à vontade".
Tudo isto depende das regras familiares. Há pais que estipulam uma determinada hora para as crianças irem para a cama e quando isso acontece é proporcionado um momento de intimidade. Contudo, a especialista refere que "hoje em dia há um bocadinho o jogo do 'sem regras' e 'sem horas' de ir para a cama" e neste caso os casais têm de arranjar outras estratégias e aproveitar outros momentos.
Além disso, o facto de estarmos mais inativos, pode gerar stresse e diminuir o desejo sexual, mas todos estes fatores vão depender das pessoas e da estabilidade da relação.
Gerir o tempo para evitar conflitos
Neste momento, pelo menos uma das figuras parentais está em casa com os filhos, quer porque a empresa declarou quarentena, quer porque foram forçados a uma quarentena a partir do momento em que o primeiro-ministro, António Costa, anunciou a suspensão de toda a atividade escolar letiva. Depois de muitos pais levantarem a questão "com quem ficam as crianças", surgiu outra logo de seguida: "E agora?".
"Eu tenho sugerido que retomem as atividades que só fazem em momentos de lazer. Brinquem, façam jogos adequados para as idades dessas crianças e aproveitem este momento para retomar as relações com os filhos porque sabemos que na sociedade de hoje em dia os pais não têm tempo para os filhos", refere o terapeuta familiar.
Ainda que estejam em teletrabalho, estas dicas podem ser adotadas para ocupar as crianças de forma a que não sejam uma espécie de "bomba relógio" pronta a explodir sempre que não têm atenção ou algo que os entretenha. No fim do trabalho, pode então dedicar-se com mais atenção às crianças, fazendo parte destes momentos lúdicos.
"Que se volte a brincar em família, que parece que é uma coisa esquecida. Já ouvi pessoas a dizer: 'Pensava que isto ia ser muito tenso, mas finalmente arranjei uma série de jogos com os meus filhos. Estamos a aproveitar", conta o terapeuta familiar Manuel Peixoto.
No fim da tempestade, como preservar as boas mudanças?
Sabemos que a normalidade pode demorar algum tempo a voltar, mas mantemos a esperança de que o mais depressa possível podemos voltar a levar os miúdos à escola, sentar à frente do computador no escritório e beber um copo na sexta-feira à noite.
Quando esse dia chegar, muita coisa mudou nas relações sociais e no que diz respeito às familiares é preciso aprender a preservar o tempo de qualidade que fomos adquirindo durante a quarentena. Contudo, a resposta não é tão simples como gostaríamos: "Vai haver dificuldades porque as pessoas vão ganhar o gosto de ter uma proximidade diferente, vão integrar isso e daqui a dois meses vão estar num ritmo que finalmente está a saber bem", diz o terapeuta familiar.
Ainda assim, o especialista nota que podemos tirar proveito deste momento para questionar o ritmo alucinante com que vivemos até agora. Em vez de passar o dia a correr, sem tempo para conversar com o parceiro ou brincar com os filhos, pode tirar proveito da quarentena e pensar em novas estratégias para que esse tempo seja proporcionado quando o isolamento acabar.
Já a sexóloga Ana Tapadinhas volta a fazer um paralelo com umas férias normais em que temos de fazer pequenos ajustes na dinâmica diária. "Depende muita da forma como encaramos o acontecimento atual. Isto não é mais do que a confusão das férias, só que temos de evitar o contacto social".