2.215. Este é o número de denúncias de violência no namoro em Portugal, apenas em 2021. Os dados divulgados pela direção nacional da PSP num comunicado enviado à agência Lusa, citado pelo "Diário de Notícias", esta segunda-feira, 14 de fevereiro — ironicamente, dia dos Namorados e uma data associada ao amor — chegam numa época em que o tema da violência, seja esta de que tipo for, nas relações está na ordem do dia.

Porque a violência não é só física, não existe apenas quando as marcas negras pelo corpo e os inchaços nos rostos falam mais alto. Antes disso, o padrão dita que começam por palavras, insultos, manipulações. E mesmo que a mesma violência nunca evolua para agressões físicas, mantendo-se no contexto emocional, isso não quer dizer que não exista ou que seja menos grave.

Mais de 2 mil denúncias de violência no namoro em 2021. Autoridades sensibilizam mais jovens
Mais de 2 mil denúncias de violência no namoro em 2021. Autoridades sensibilizam mais jovens
Ver artigo

A informação está cada vez mais difundida (e ainda bem), cada vez somos — ou deveríamos ser — mais conscientes para os danos da violência emocional nos relacionamentos amorosos. Mas a dura e vergonhosa verdade (e os números aí estão para o confirmar), é que muitas mulheres, porque estas continuam a ser a maioria, são vítimas diariamente de relações abusivas e tóxicas, onde são humilhadas, controladas, agredidas frequentemente. O pior? São, muitas vezes, estas mulheres a negarem a violência de que são vitimas, seja para si mesmas e para o mundo exterior.

Mas há sinais de alarme, bandeiras vermelhas — as tais red flags. Para que possa estar atento a tudo isso, pedimos a Catarina Graça, psicóloga clínica, ajuda para identificar cinco comportamentos padrão que possam evidenciar que está a ser vítima de violência emocional/psicológica numa relação.

catarina graça
Catarina Graça é psicóloga clínica

1) Depois do elogio? Vem sempre a humilhação

A especialista refere que os agressores têm por hábito confundir a vítima e opinião dela sobre as suas próprias conquistas, personalidade, comportamentos, o que for. "É um jogo de destruição e elogios. Se, por um lado, elogia algo sobre a vítima, o passo seguinte é destruir tudo de bom, algo como 'uma no cravo, outra na ferradura', como se costuma dizer", explica Catarina Graça.

"O agressor manipula a opinião da vítima sobre ela mesma, acabando por a convencer que as coisas boas não existem. É quase como lhe dizer que é maravilhosa, mas no momento imediatamente a seguir criticá-la por tudo e por nada e denegrir ao máximo a imagem que esta tem de si própria", descreve a psicóloga clínica.

2) Modo negação

Numa relação de violência emocional, Catarina Graça explica que o agressor assume um modo constante de negação da verdade. "Este nega qualquer tipo de observação sobre o seu comportamento e, mesmo quando a vítima consegue verbalizar e dar exemplos de situações em que se sentiu agredida, o agressor nunca o admite e tenta manipular a situação."

Após um exemplo concreto por parte da vítima, frases como "isso são coisas da tua cabeça", "não estou a perceber, isso não aconteceu", são claros exemplos de tentativas de manipulação para impedir a companheira de continuar a verbalizar o seu desagrado com comportamentos agressivos.

Muitas vezes, a vítima é a primeira a desculpar o agressor

Infelizmente, seja por medo, vergonha ou apenas negação e dificuldade em admitir que estão envolvidas em relações abusivas, as vítimas desculpam constantemente os comportamentos agressivos dos parceiros. "Se o agressor já nega os seus comportamentos, e a vítima os desculpabiliza, a partir daí abre-se um precedente difícil de quebrar e gera-se um efeito bola de neve. Ou seja, como se desculpou ou desvalorizou o primeiro comportamento errático, seja na relação ou perante os outros, é difícil quebrar o padrão e podem não conseguir voltar a impor-se", explica Catarina Graça, psicóloga clínica.

"É claro que tudo depende da postura da vítima, mas ou o primeiro comportamento agressivo é apontado imediatamente e a partir daí fica estanque e não se repete, ou é muito complicado quebrar um padrão de desculpabilização", conclui a especialista.

3) É afastada de todos os apoios

Outro dos grandes sinais de alarme é a necessidade de um dos elementos da relação afastar o outro de amigos, família, colegas, qualquer laço que seja um sistema de apoio.

"Os agressores têm tendência a manipular a vítima, a tentar convencê-la que só este a entende, a conhece verdadeiramente, a pode ajudar. Frases como 'só eu te percebo', 'eu é que sou certo e com quem podes contar' são claros exemplos de manipulação e de uma tentativa de provocar o isolamento de família e amigos", salienta a especialista.

4) As coisas que o seu namorado lhe diz são diferentes das atitudes que toma

Para Catarina Graça, este é um dos sinais mais flagrantes de que um dos elementos do casal pode estar a ter comportamentos emocionalmente agressivos. "As incongruências em relação ao que diz e às ações que toma são um sinal claro, até porque as atitudes valem mais do que as palavras. Falo de quando estas mesmas atitudes são completamente opostas com o que acabou de verbalizar", salienta a especialista.

Também já me apertaram o pescoço. E eu também já achei que era amor
Também já me apertaram o pescoço. E eu também já achei que era amor
Ver artigo

Exemplos claros podem ser rasgados elogios a como a vítima está bonita com uma determinada peça de roupa ou corte de cabelo à frente de terceiros, para depois, num ambiente privado, exigir que esta deite o vestido fora ou dizer que está horrível com o penteado, mostrando desagrado. "Quando estamos perante um embate verbalização vs. atitude, poderá ser um alerta", diz a psicóloga clínica.

5) Há um padrão do agressor

A psicóloga clínica reconhece que, nos casos de violência nas relações, é frequente existir um padrão de personalidade do agressor. "São, normalmente, pessoas mais possessivas, ciumentas, chegam a ser obsessivas. Uma pessoa que, por si só, já tem comportamentos e características manipuladoras, que tenta a todo o custo sobrepor as suas ideias, que tem pouca margem de flexibilidade e muita dificuldade em aceitar opiniões contrárias à sua."