O João tem 18 anos, é estudante universitário e, se não fosse a detenção atempada da Polícia Judiciária, esta sexta-feira, 11 de fevereiro, poderia teria matado vários colegas de faculdade, através de um atentado meticulosamente planeado, que deixou anotado num diário, apreendido pela Polícia Judiciária.
O ataque à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa foi intercetado a tempo e o jovem detido em flagrante delito, mas o pânico instalou-se. A comunidade escolar mostrou-se instável e receosa e a temática da saúde mental voltou inevitavelmente à tona. No entanto, não só na iminência de uma tragédia surgem pedidos de ajuda.
E os números não mentem: em todo o mundo, um em cada quatro jovens tem sintomas de depressão. E em comparação com as estimativas pré-pandemia, sem surpresa, a procura de apoio psicológico por parte dos jovens aumentou no último ano e meio.
Há procura. É certo. Mas até que ponto é que uma consulta de psicologia é acessível a todos? Encontrar acompanhamento clínico adequado e a preços acessíveis pode revelar-se um autêntico quebra-cabeças: o Serviço Nacional de Saúde está saturado, as associações do Estado contam com (longas) listas de espera e uma sessão no privado custa, em média, 55 euros, variando entre os 30 e os 100 euros.
Ainda assim, teoricamente, restam-nos as faculdades e instituições de ensino superior – que, de norte a sul do País, contam com Gabinetes de Apoio Psicológico, com uma equipa de psicólogos alegadamente acessível a todos os alunos interessados. A questão que se coloca é: serão suficientes? São mesmo gratuitos? Têm em conta as necessidades da comunidade educativa? A MAGG foi à procura de respostas.
"[A equipa] não chega a dez pessoas"
A faculdade que seria alvo do atentado desta sexta-feira, 11, anunciou que "haverá apoio psicológico gratuito para os alunos que assim desejarem", mas, em resposta, os estudantes lembram que o GAPsi, Gabinete de Apoio Psicopedagógico, tem uma lista de espera de meses.
O diretor da faculdade diz que os serviços de apoio psicológico estão a ser temporariamente reforçados pela Faculdade de Psicologia e pelo Centro Médico da Universidade de Lisboa, mas o presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências, Luís Miguel Borges, garante que mais psicólogos na faculdade é uma exigência antiga dos universitários, ampliada durante a pandemia de COVID-19.
Apesar de frisar que o Gabinete de Apoio Psicológico funciona bem, dentro do possível, ainda que com alguns atrasos, Luís Miguel Borges garante que conta com poucos psicólogos face à dimensão da comunidade estudantil. "[A equipa] não chega a dez pessoas, isto no gabinete inteiro. E, atenção: nem todos são psicólogos", diz.
Ainda assim, confessa que nunca recebeu queixas de alunos em relação à falta de apoio psicológico, mas sim aos atrasos na resposta aos pedidos. "Principalmente durante o ano passado, por causa da pandemia, recebemos queixas por causa dos atrasos e foi providenciado acesso a psicólogos externos. Mas não são gratuitos, são bastante baratos, isto tendo em conta os preços normais das consultas de psicologia", esclarece, frisando que o próprio gabinete de apoio psicológico da faculdade também não é totalmente gratuito. Ainda que em causa estejam custos residuais: "três a quatro euros, salvo erro".
Afinal, há (ou não) serviços de apoio psicológico gratuitos nas instituições de ensino superior?
A resposta é simples: depende. Neste caso, depende de instituição para instituição, explica Olga Cunha, psicóloga na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) e secretária da Rede de Serviços de Apoio Psicológico no Ensino Superior.
"Não é grátis em todo o País, depende das instituições e, às vezes, dentro da mesma universidade, como as unidades orgânicas, ditas faculdades, têm autonomia, cabe a cada uma decidir como é que gere essa mesma questão", explica. "Mas normalmente os preços que são cobrados também são muito simbólicos, penso que deva rondar entre os três e os cinco euros".
"No caso da minha faculdade, FCSH, é tudo gratuito e no caso da FCT (Faculdade de Ciências e Tecnologias) da Universidade Nova também. Ou seja, os alunos agendam diretamente connosco e o serviço e acompanhamento são gratuitos". Ainda assim, a equipa é mínima, garante.
"Até dezembro de 2021 estive sozinha, mas com o crescimento dos pedidos, a minha direção percebeu que seria necessário reforçar o serviço. Atualmente, a equipa é composta por mim e pela minha colega Soraia Morais, que está a meio tempo. Portanto, neste momento, há uma psicóloga e meia para 5 mil alunos", sendo que a procura tem vindo a crescer. "Quase que triplicámos o número de novos pedidos".
Olga Cunha garante que, apesar da limitações da equipa no que ao número de elementos diz respeito, o serviço da FCSH tem conseguido dar conta do recado. "Posso-lhe dizer que em novembro estava com fila de espera, mas melhorou com a entrada da minha colega. Se bem que estamos em período de interrupção letiva, entre o primeiro e o segundo semestre, mas hoje posso-lhe dizer que não tenho fila de espera", sendo que, neste sentido, dizer que um aluno está em lista de espera significa que não terá resposta no espaço máximo de dez dias úteis.
"Neste momento, felizmente, não tenho lista de espera, por isso se alguém marcar hoje, terá consulta, em princípio, durante a próxima semana, por exemplo", explica.
No entanto, esta não é a realidade de todas as instituições de ensino e Ana Carolina Martins, ex-presidente da Associação de Estudantes da Escola Superior de Comunicação Social e membro da Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico, relata outro cenário. Neste caso, relativo ao ano letivo de 2020-2021.
"Sei que no Instituto Politécnico de Lisboa (IPL) há um gabinete de apoio psicológico, que foi alvo de bastantes queixas de todas as associações de estudantes do IPL. E, na altura, poucos eram os alunos que queriam formalizar uma queixa", conta.
"Enquanto Associação de Estudantes da Escola Superior de Comunicação Social conseguimos formalizar uma, garantimos que chegasse à Federação Académica do Politécnico de Lisboa, que fez então chegar essa informação ao Politécnico. No entanto, na altura, essa mesma queixa não nos levou a lado nenhum".
Ana Carolina Martins explica que o teor das queixas tinha essencialmente que ver com períodos de espera demasiado longos, com a falta de abertura para adaptar as consultas ao formato digital e, ainda, ao facto de os psicólogos não conseguirem reconhecer as necessidades dos estudantes, essencialmente por questões geracionais.
"É sempre complicado, porque, pelo menos no Politécnico de Lisboa, os poucos psicólogos a que os alunos têm acesso são pessoas bastante mais velhos e, portanto, uma teleconsulta não é viável, e até se percebe o intuito seja sempre priorizar o presencial, mas há estudantes que não se sentem confortáveis, seja por motivos inerentes à pandemia ou não".
E, neste sentido, Ana Carolina Martins explica que, por experiência própria, as instituições gratuitas do Estado também não colmatam as lacunas. "Temos filas de espera que nunca mais acabam".
Ainda assim, frisa que o problema não é ignorado pelas instituições de ensino e associações de estudantes e explica que no Encontro Nacional de Direções Associativas (ENDA), que se realiza geralmente quatro vezes por ano, a temática da saúde mental é sujeita a debate.
"É preciso apanharmos sustos destes para termos consciência de que a prevenção é necessária"
"No que respeita aos estudantes que sentiram dificuldades psicológicas diz respeito, apenas 17% revela ter procurado ajuda especializada na área da Saúde Mental, sendo que 23% não o fez por motivos económicos", sendo que "62% dos alunos assume não ter conhecimento sobre as soluções de apoio psicológico cedidas pelas Instituições de Ensino Superior", lê-se numa das moções elaboradas por participantes do ENDA, em 2021, endereçadas ao Ministério da Saúde, Presidência do Conselho de Ministros e Grupos Parlamentares, a que a MAGG teve acesso.
A solução? Para a psicóloga Olga Cunha, passa por garantir que os alunos têm respostas breves e abertura para falar tanto com docentes como com os próprios gabinetes de apoio psicológico. Mas para isso são precisas mais pessoas e um maior investimento na área dos recursos humanos. E infelizmente, garante a psicóloga, às vezes são precisos sustos para alertar para a importância do cuidado da saúde mental.
"Por exemplo, a pandemia trouxe a temática da saúde mental para a ribalta. Ou seja, era uma necessidade que já existia antes, mas nota-se agora um olhar diferente da sociedade em geral. Infelizmente, é preciso apanharmos sustos destes para termos consciência de que a prevenção é necessária".
"Não estou a justificar obviamente o ato [do João, detido pela Polícia Judiciária], mas às vezes é possível detetar uma série de coisas e alguns sinais, que com o devido apoio podiam ser acompanhados". Ainda assim, Olga acredita que o panorama de apoio está a melhorar e que nos últimos quatro anos terá aumentado o número de serviços públicos de apoio psicológico em Portugal.