Desde que Miguel entrou no infantário que as doenças começaram a fazer parte do dia a dia da criança de quatro anos. Sofia Neves, 39 anos, mãe de Miguel, conta à MAGG que há meses em que os dias que o filho fica em casa são mais do que aqueles que vai à escola. “Gripes, gastroenterites, inflamações de garganta, já apanhou de tudo”, afirma a advogada que admite que, caso não fosse a ajuda dos pais, com quem partilha casa depois do divórcio, não saberia como podia ficar tanto tempo com o filho.
Apesar da separação de Sofia e do marido ter sucedido quando Miguel tinha apenas dois anos, a advogada não nega que é possível que esta situação a tenha levado a mimar muito o filho, sendo muito ansiosa e, por vezes, até demasiado protetora, principalmente quando este fica doente.
“Acredito que o faça, mesmo que inconscientemente. Aliás, não sou a única, também os meus pais são muito protetores com o Miguel, principalmente o meu pai. A minha mãe tenta impor-lhe regras mas o meu pai cede muito mais facilmente, tal como eu”, confessa Sofia, que também admite que as constantes doenças do filho a levam em ter dificuldades em contrariá-lo, mesmo quando a criança começa a recuperar.
João Bismark, médico pediatra, relata à MAGG que este não é um caso único — muito pelo contrário. “Os pais, principalmente os mais ansiosos, permitem que as crianças mantenham direitos especiais dias ou até semanas a seguir à doença”.
As crianças podem “aproveitar” uma doença
É um cenário comum a muitos pais: quando um filho está doente, as regras são colocadas de lado e, obviamente, a prioridade máxima é a recuperação da criança. De acordo com João Bismark, o facto de estarem doentes oferece, por vezes, direitos especiais às crianças por parte dos pais e das famílias mais ansiosas.
“A criança quando está doente tem direito a dormir na cama dos pais, deixam que esta se recuse a comer determinados alimentos, a não ir para a escola e a não fazer muitas outras coisas”, salienta o pediatra, que também explica que o problema reside quando os filhos mantêm este comportamento depois de a doença passar — e os pais deixam.
Este é um quadro em que Sofia Neves se revê, principalmente no que diz respeito à alimentação. “O Miguel é uma criança muito difícil para dar de comer. Gosta de pouca coisa, a carne então é o mais complicado de lhe dar. E, na verdade, com ele a ficar doente tantas vezes, acabo por facilitar e deixo-o não comer o que não gosta.”
A escola é outro ponto onde, muitas vezes, as crianças levam a melhor em relação aos pais. Como afirma João Bismark, “há pais que continuam a deixar os filhos ficar em casa, a impedir que estes regressem à escola mesmo quando já estão bons”.
Sofia Neves assume que, devido à facilidade e ao apoio dos pais, já deixou Miguel ficar em casa mesmo tendo noção que a doença tinha passado. “Ele queixa-se, diz que tem dores de barriga, e eu percebo que está a fazer de conta. Mas também penso muitas vezes que acabou de ficar bom e que, na escola, há o perigo de uma recaída.”
Pode a ansiedade dos pais prolongar a doença dos filhos?
Muitas vezes, o aspeto psicológico desempenha um papel fulcral nas nossas vidas, até mesmo na recuperação de uma doença. Caso contrário, o famoso efeito placebo não faria qualquer sentido. No entanto, podem os fatores psicológicos, tais como a ansiedade e nervosismo de muitos pais, afetar uma criança ao ponto de atrasar uma recuperação?
João Bismark nega que tal seja possível. “A ansiedade dos adultos não impede a recuperação de uma gripe, por exemplo, as crianças não vão ter mais dias de febre porque os pais estão nervosos.”
No entanto, o especialista realça que, o que os pais às vezes não percebem, é que os miúdos já recuperaram. “Continuam a medicá-los, a impedi-los de ir à escola e a fazerem-lhe as vontades todas”, conclui o pediatra, que afirma que embora os sintomas da doença não se mantenham, as limitações e os aspetos à volta desta, como os direitos especiais, “podem perdurar se os pais não se aperceberem”.