Não, a dor durante o sexo não é normal e a tensão genital não se combate "com copos de vinho", mas a fisioterapia pélvica pode ajudar. Não só no combate à dor sexual, mas em muito mais. Depois deste artigo, vai repensar as suas rotinas no que à urina e defecação diz respeito. Alerta, spoiler. Sempre que adia uma ida à casa de banho, porque está a trabalhar ou simplesmente porque está fora de casa, pode estar a prejudicar indiretamente a sua vida sexual. Como? Já lá vamos.

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Antes de percebermos para que serve o treino e fortalecimento da zona pélvica, é preciso entender do que se trata. "É uma estrutura que está na base da nossa bacia, quase como se fosse uma espécie de trampolim, que sustenta os nossos órgãos e desempenha uma papel fundamental tanto para a continência como para a vertente sexual. Ou seja, havendo uma disfunção desta estrutura, tudo o resto vai ficar alterado", diz Vera Moreira, fisioterapeuta pélvica nos centros Cuidar’t, TMG terapias, Dr. Osvaldo Moutinho e, ainda, VanityCuidar't.

À MAGG, a especialista explica em que é que consiste o tratamento e trabalho pélvico e esclarece de que forma o acompanhamento e treino desta musculatura pode potenciar o prazer durante o sexo – e, desta forma, personificar a chave para uma vida sexual de sonho.

Vera Moreira
Vera Moreira A especialista Vera Moreira. créditos: Vera Moreira

"Ainda existem conversas de café ou com tias, avós, mães, por aí fora, onde circula informação que em nada tem que ver com a realidade"

Com a premissa de que nada deve ser banalizado, mas, sim, normalizado, a especialista conta que a fisioterapia pélvica deve andar sempre de mãos dadas com a psicologia. A vertente psicológica é crucial para despistar possíveis bloqueios que tendem a interferir no relaxamento dos músculos e na predisposição para a atividade sexual. Em termos práticos, só o diagnóstico ditará qual a melhor forma de resolver eventuais problemas, mas, antes de qualquer outra coisa, Vera Moreira conversa com os pacientes – sobre que se passa, qual a solução e como, juntos, vão trabalhar para a alcançar.

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“O nosso papel [enquanto fisioterapeutas pélvicos]  não passa só por ‘meter as mãos’, mas também por informar. É um papel, sobretudo, de pedagogia."Ainda existem conversas de café ou com tias, avós, mães, por aí fora, onde circula informação que em nada tem que ver com a realidade", salienta Vera Moreira.

"A fisioterapia pélvica acompanha homens e mulheres, não é algo exclusivo do sexo feminino, como muita gente pensa. A nível da abordagem, podemos acompanhar tanto uma adolescente que está a iniciar a sua vida sexual como uma grávida, por exemplo", diz a especialista. "É para qualquer idade. Não há idade mínima nem máxima."

No entanto, Vera Moreira admite que trabalhar a sexualidade através da fisioterapia pélvica é, muitas vezes, um desafio. "Quando falamos de sexualidade, toda a gente pensa em sexo e orgasmos, e é muito mais do que isso", esclarece. "É preciso desconstruir estas ideias desde tenra idade. Por exemplo, no caso das mulheres, somos instruídas, desde cedo, a não olhar para aquela zona [genital feminina], quase como se fosse uma caixa de pandora, que só podia ser explorada pelo companheiro ou companheira. E até lá, não mexe, não sabe o que é e nem vai saber tão cedo", explica.

"Porque é que sinto dor durante o ato sexual?"

Normalmente, a dor sexual pode partir de um motivo físico ou psicológico – sendo que os bloqueios físicos são geralmente motivados por traumas psicológicos. Vera Moreira explica que ideias preconcebidas como a virgindade ser algo precioso (que deve ser preservado) ou, até, a ideia de que o ato sexual é algo errado ou proibido podem influenciar este tipo de resistência emocional. Quando o corpo diz que sim e a cabeça diz que não, estamos perante um conflito.

No entanto, quando há situações traumáticas a nível físico, como uma tentativa de violação, por exemplo, pode ser gerada uma espécie de memória no mecanismo pélvico, que pressupõe que sempre que há qualquer tipo de toque na região, a musculatura deve contrair. Nestes casos, Vera Moreira garante que o tratamento pélvico passa por reeducar a zona "traumatizada", para reeducar os músculos e, ainda, a sensibilidade.

“Em 10 anos de serviço, só uma pessoa é que recorreu aos meus serviços sem qualquer problema a resolver, só para potenciar a vida sexual, tanto para si como para o seu parceiro”, conta a especialista. Reforçando novamente a importância de aliar a fisioterapia à psicologia, a especialista salienta que "o estado emocional em que chega uma mulher que sente dor sexual há quatro anos e uma mulher que vem até nós na segunda vez em que acontece, por exemplo, é totalmente diferente".

Orgasmos mais potentes e duradouros

"Se tivermos um pavimento pélvico forte e funcional, o orgasmo vai ser mais intenso e o nosso prazer vai ser ainda maior. Isto tendo em conta que o orgasmo é o fim, mas o caminho também é importante", começa por explicar Vera Moreira.

"Quando vamos a um ginásio, ou quando começamos a treinar, pensamos logo em treinar a barriga, as pernas ou tonificar o rabo, por exemplo. Temos objetivos e trabalhamos para os alcançar. Mas trabalhar a zona pélvica é algo que raramente ouvimos. Esta zona pode manter-se normal durante toda a vida, mas, normalmente, depois de uma gravidez fica alterada ou, ainda, ao longo da nossa vida, se tivermos maus hábitos", completa, reforçando que a atividade sexual é inevitavelmente afetada.

"É perfeitamente possível que uma mulher venha até mim e explique que quer iniciar a atividade sexual, mas que pretende ter uma experiência sem dor", conta a especialista, reforçando que nada implica que a primeira relação sexual tenha obrigatoriamente dor.

Vera Moreira diz que, sempre que uma paciente expressa vontade de iniciar a vida sexual, é crucial perceber o que motiva a decisão. Se é algo pessoal ou se é para proporcionar prazer a outra pessoa. "Se, de facto, o decidimos fazer por nós, é muito mais fácil conhecermo-nos sozinhas do que quando estamos com alguém – o que é algo que dificilmente acontece. Normalmente, as mulheres conhecem-se e vão percebendo aquilo de que gostam quando estão na presença de um companheiro ou companheira. E isto quando chegam a perceber, porque muita gente não se sente à vontade para dizer ao parceiro aquilo de que não gosta e vice versa", completa.

"A relação sexual não tem de ser uma obrigação, um momento de picar o ponto e não tem de servir apenas para dar prazer ao parceiro. Antes pelo contrário. Tem de ser dar e receber. Na cama não deve haver hierarquias", remata. "Geralmente, isso [a dor] acontece, porque existe uma falta de conhecimento muito grande sobre a situação e já partimos com uma grande ansiedade e, consequentemente, a musculatura fica sujeita a uma grande tensão. Muitas das vezes, não conseguimos lubrificar tão bem, por todo o desconhecimento que existe face à zona [genital]. A partir daí, o momento vai gerar dor e muitas mulheres não sabem a quem recorrer para evitar. Pode preparar-se para que o processo não seja doloroso", conta.

Prepara-se para a exposição – sem tabus e sem dor

"Nem todas as mulheres vêm preparadas para o toque", conta a fisioterapeuta pélvica. "Geralmente não recusam, mas nota-se que não estavam à espera. Mas torna-se natural, quando percebem que não vou magoar, ao contrário do que muitas vezes acontece, por exemplo, numa ida ao ginecologista. O que digo sempre é: 'não vou traumatizar ainda mais a região ou gerar trauma, numa zona que não tinha trauma nenhum'", completa.

Vera Moreira diz que a primeira etapa de qualquer consulta de diagnóstico passa sempre por um conversa honesta e pela desconstrução de algumas ideias erradas. "Assim que a pessoa se levanta da cadeira para se deitar na marquesa, já vai cheia de medo e ansiedade. Já vai quase em fecho e, para conseguir tocar naquela pessoa, é preciso tempo para mostrar que somos de confiança. Nada é resolvido numa só sessão, mas é importante criar uma ligação com o paciente logo desde o início", conta Vera.

Posto isto, a especialista explica que, geralmente, a avaliação do pavimento pélvico, para além do toque abdominal, é feita a partir do canal vaginal e, portanto, a apalpação tem de ser por essa vida.

"A parte física que a fisioterapia pélvica trabalha passa muito pela consciencialização daquilo que é uma contração e daquilo que é o relaxamento, por exemplo. E no caso de já existir uma hipersensibilidade da zona genital, muitas vezes, como consequência de situações de trauma, o que fazemos é precisamente retirar essa sensibilidade. Quase como se quiséssemos criar outras conexões com o nosso cérebro para que deixe de transmitir a mensagem de que tocar naquela zona é sinónimo de dor e passe a comunicar ou que é algo prazeroso ou, ainda, que é algo neutro", avança a especialista, que recorre ao Instagram para desmistificar temáticas inerentes à fisioterapia pélvica e à sexualidade.

O trabalho em gabinete (e os trabalhos de casa)

"Em gabinete, além da terapia manual, trabalho também com a radiofrequência – que, neste caso, nos vai ajudar a relaxar aquela musculatura. O facto de gerar calor na zona genial, faz com que esta acabe por relaxar mais e, consequentemente, ajuda a que nós, fisioterapeutas, consigamos obter uma extensibilidade da musculatura, da forma mais confortável para a pessoa", explica a especialista.

"Em termos manuais, é como se trabalhássemos a flexibilidade. Geralmente, quando há dor sexual, é como se a musculatura estivesse encurtada. O músculo tenta abrir e não consegue, a penetração acaba por forçar e acaba por inevitavelmente provocar dor e desconforto durante o ato sexual", acrescenta.

Vera Moreira explica que, para além do trabalho em gabinete, os pacientes levam sempre "trabalhos de casa" para fazer – adaptados à sua situação física e emocional. Por exemplo, no caso de uma incontinência urinária, que advém de uma fraqueza muscular, é crucial que a mulher faça exercícios em casa para conseguir manter o estímulo. Quase como se de uma manutenção se tratasse.

Já no caso das disfunções sexuais, Vera Moreira conta que o tratamento já vai variar imenso de pessoa para pessoa. "Há mulheres a quem peço para pegarem num espelho, em casa, sozinhas, para se observarem, para tentarem perceber como é que a zona genital contrair. No entanto, há casos em que tenho noção de que não o posso pedir, porque não se conseguem tocar", avança.

Tudo aquilo que não deve fazer

Vamos pensar no seguinte cenário: está a trabalhar e vai adiando a ida à cada de banho, deixa para depois da reunião, do almoço, do chamada telefónica e, às tantas, sente que já nem precisa de ir. Sempre que está a trabalhar e inibe a vontade de ir à casa de banho, está a prejudicar o seu pavimento pélvico, de acordo com a especialista. E a justificação é simples: o que nos ajuda a "conter" as necessidades fisiológicas é o pavimento pélvico, que vai contraindo gradualmente até ao momento em que urinamos ou defecamos. A zona pélvica vai, assim, acumular tensão excessiva e pode dar origem a disfunções a nível sexual, por exemplo.

"Inibir o reflexo intestinal e, além disso, não cimentar o bom funcionamento do nosso intestino, são exemplos de maus hábitos. Há pessoas cujo intestino trabalha de três em três dias, sabem que não é normal, mas não fazem nada para resolver a questão. O que é que acontece? O nosso pavimento pélvico vai ficar automaticamente alterado", diz.  "Às vezes, uma disfunção sexual pode ter uma origem que em nada tem que ver com a prática sexual propriamente dita", acrescenta.

Principalmente no caso das mulheres, a alteração da mucosa natural do corpo pode influenciar o pavimento pélvico. Seja através do excesso de lavagens da zona genital (com três a quatro banhos por dia), seja através do uso de pensos diários. Vera Moreira assume-se contra o uso deste tipo de pensos, geralmente usados devido a corrimento, sendo que contribuem para criar o ambiente ideal para a propagação de fungos e bactérias. Pelas palavras da especialista, se usa pensos diários porque o corrimento se torna desconfortável, é preferível (e benéfico) que troque simplesmente de roupa interior. Resolvendo a situação, sem pôr em risco a mucosa natural do corpo.