Celebra-se este sábado, dia 31 de julho, e traz à tona vários mitos e crenças que não podiam estar mais longe da realidade. Não, o orgasmo não representa necessariamente o auge do prazer e a ejaculação nem sempre está em sintonia com o clímax da satisfação sexual. "Posso ter muito prazer sem ter orgasmo, da mesma maneira que posso ter orgasmo sem ter prazer", esclarece a sexóloga Rita Castro.
Podemos culpar a sociedade, a pornografia ou até a alegada falta de informação, mas a verdade é que, em pleno 2021, o sexo ainda comporta (demasiados) mitos e tabus.
"Sou virgem, posso masturbar-me?", "como posso saber se já tive um orgasmo?" ou até "o meu namorado diz que atingiu, mas não ejaculou, estará a mentir?" – são algumas das perguntas mais comuns no que diz respeito ao prazer e ao processo de explorar a sexualidade.
A MAGG conversou com a psicóloga e sexóloga Rita Castro, autora da página de Instagram Prazer da Sexualidade, onde aborda as mais variadas temáticas dentro do universo sexual – e não só – sem preconceitos ou tabus à mistura.
Enquanto especialista, trouxe-nos a resposta a 15 questões sobre sexualidade, orgasmos e a importância do autoconhecimento.
Nunca tive um orgasmo. Sou normal?
Não sou apologista do termo “normal” ou “não normal”. Prefiro sempre pensar em “saudável” ou “menos saudável” – se faz sentir bem ou não. A experiência do orgasmo é subjetiva. Para umas pessoas experienciar o orgasmo pode ser muito importante, para outras não.
Mais importante do que o orgasmo é perceber se aquilo dá prazer. Mas, de facto, há muitas pessoas que dizem nunca ter tido um orgasmo. Há casos em que o facto de nunca ter acontecido pode gerar insatisfação sexual e há outros em que, mesmo sem orgasmo, as pessoas garantem ter uma boa vida sexual.
Pode dever-se a questões físicas, orgânicas, mas também psicológicas. Às vezes, nunca tiveram um orgasmo (ou até tiveram, mas não o identificaram), porque – sobretudo pessoas com vulva –, não conhecem o seu corpo. Nunca viram o clitóris e nem sabem até para que serve, nunca se tocaram e não sabem que estímulos ou práticas sexuais que, de facto, resultam. Falta conhecimento sobre aquilo que dá prazer. Desta forma, é difícil alcançar o orgasmo.
No entanto, também pode ter que ver com o facto de não se deixarem levar, tentam controlar o momento e ficam na cobrança [e expectativa] de ter o orgasmo. Quando o foco é muito mental, até com ansiedade e tensão, há dificuldade em focar nas sensações corporais e isso dificulta o orgasmo.
Como é que posso saber se atingi o orgasmo?
O orgasmo, de forma resumida, é assim o potencial máximo de prazer e excitação (para algumas pessoas não) e caracteriza-se pelo libertar de toda a energia sexual acumulada, acompanhada de uma quase perda de força, quase como se de incapacidade para realizar algo se tratasse, com movimentos de contração involuntários. Por exemplo, do canal vaginal, como que apertando e soltando – e pode (ou não) haver ejaculação. É algo breve, uma questão de segundos, um pouco mais duradouro para quem tem vulva.
Existe ejaculação feminina? Como funciona?
Os estudos não são completamente claros neste tema. Mas, estudos de caso apontam que sim, com várias pessoas a relatar essa experiência, apesar de não ser comum. A ejaculação pensa-se vir das glândulas de Skene, numa composição similar a líquido prostático, localizadas junto à entrada da uretra, que, quando estimuladas – sendo que esta área tem tecido erétil e sensível, com potencial de muito prazer – podem desencadear a ejaculação.
E esta ejaculação que não é o mesmo do que “squirting” – sendo que se assume que [o segundo] venha da bexiga, apesar de não ser urina, contém uma percentagem de urina e outras substâncias. São fenómenos diferentes, apesar de poderem coocorrer. Resultam da estimulação sexual, mas não são necessários nem ao prazer nem ao orgasmo.
Quantos tipos de orgasmos existem? E quais são?
Essa questão é muito curiosa. Diria que existem tantos orgasmos como pessoas, cada pessoa sentirá à sua maneira e com a sua intensidade. Lê-se, por vezes, que existem 12 tipos, mas, na essência, os orgasmos são todos clitorianos. Provêm da estimulação, direta ou indireta, externa ou interna, do clitóris e podem ter diferentes intensidades. Mas, é o clitóris, daí ser tão importante conhecer este órgão, cuja única função até hoje conhecida é dar prazer.
Por isso, quando falamos dos tipos de orgasmo, às vezes, falamos é do modo como é estimulado o clitóris. Por exemplo, orgasmo clitoriano refere-se a estímulo direto na glande do clitóris, a parte que vemos na vulva, acima da uretra. Se falamos do orgasmo ponto U, falamos da estimulação da entrada da uretra, das glândulas de Skene e também do clitóris, porque o clitóris estende-se internamente, abraçando a uretra e o canal vaginal. Se falamos do ponto G ou do ponto A, falamos de estímulos por via vaginal de extensões internas do clitóris.
Se falamos do orgasmo em sonhos e mental – lá está, o nosso órgão sexual mais poderoso é o nosso cérebro – percebemos que também o clitóris, com a excitação, tem resposta erétil e por isso acaba por ser estimulado indiretamente.
Qual a diferença efetiva entre o orgasmo vaginal e o orgasmo por estimulação do clítoris?
Este mito que ainda perdura e faz danos. A diferença pode estar nas sensações, na intensidade, mas são ambos válidos, não há um melhor, nem mais maduro. E, no fundo, como já vimos, ambos são orgasmos clitorianos, o ponto de estimulação do clitóris é que pode ser diferente – externo, na glande, ou interno, dentro da vagina. Isso foi uma construção, que até hoje coloca pressão para o orgasmo por via vaginal com a penetração. E, quando não se consegue, gera sofrimento e stress, pensando-se ter algum problema. E, na verdade não.
"Existem tantos orgasmos como pessoas, cada pessoa sentirá à sua maneira e com a sua intensidade"
Não sinto prazer através do sexo com penetração. O que se passa?
É uma situação cada vez mais comum e não tem de ser algo patológico. Pode acontecer, porque simplesmente não se gosta da prática e está tudo bem, é respeitar e procurar alternativas. O sexo, o prazer e o orgasmo não se resumem à penetração. Pode acontecer porque, de facto, o canal vaginal tem menos terminações nervosas – e, a menos que se esteja a estimular estrategicamente pontos de maior contacto com extensões internas do clitóris, o ponto G ou A, fica difícil ou até impossível sentir aquele prazer e o orgasmo.
Dica: para quem não tem prazer através da penetração, uma boa sugestão é combinar o estímulo da penetração com outro estímulo direto na glande do clitóris, com a mão ou com um brinquedo, roçando ou através da estimulação de outras áreas corporais – como coxas, mamilos, lóbulos das orelhas, escroto, períneo, ânus.
Há pessoas que não são capazes de atingir o orgasmo? Porquê?
Podem ser situações que precisem de entendimento médico, ginecologia, andrologia, fisioterapia pélvica, psicologia sexologia, percebendo se há fatores físicos, orgânicos, psicológicos que estejam a dificultar. Às vezes, por ansiedade, depressão ou stress ou, ainda, por querer tanto atingir, cria-se tensão e não se relaxa – o que dificulta o orgasmo, que requer esta libertação e deixar ir.
Também situações de saúde cardiovascular, diabetes, tensão, com compromisso da irrigação sanguínea do pénis ou clitóris podem dificultar a experiência do orgasmo.
É possível controlar o momento em que atinjo o orgasmo?
Pode ser possível. Quando há grande autoconhecimento sexual, através da autoexploração, da masturbação ou das técnicas do ‘edging’ (estimular até sentir que se está quase a chegar ao orgasmo, abrandar os estímulos e depois retornar). [Estes fatores] ajudam a conhecer os sinais de que o orgasmo está a chegar, o que até é útil em situações de ejaculação precoce.
Mas este controlo do orgasmo pode não ser proveitoso. Quando nos focamos no controlo, tendemos a concentrar-nos em pensamentos, na mente, ficando menos disponíveis para sentir as sensações corporais, e relaxar, e isso pode fazer com que seja difícil ter prazer e chegar ao orgasmo.
A minha perna treme depois de atingir o orgasmo. Porquê?
Essa situação pode ser normal. O orgasmo é a libertação de muita energia e tensão sexual e as contrações e espasmos involuntários podem ocorrer passageiramente. Não é um indicativo de que foi prazeroso – se calhar, é mais importante dialogarem sobre o ato sexual.
O ponto G existe?
Os estudos ainda variam, mas parece haver maior consenso de que existe, como estrutura que é uma extensão interna do clitóris, ou seja, um ponto dentro do canal vaginal de estimulação da parte interna do clitóris que abraça o canal vaginal. Não é uma estrutura nova, foi, sim, mapeada recentemente. Nesse sentido, existe.
Um homem pode ter orgasmo sem ejacular?
Orgasmo e ejaculação são fenómenos diferentes, apesar de bastante associados em quem tem pénis. Ejaculação tem que ver com a emissão do esperma. Orgasmo tem a ver com uma experiência mais interna, de sentir.
É possível ter um orgasmo sem ejacular – até se usa o termo ‘orgasmo a seco’. Pode resultar de um bom controlo do músculo pélvico e da ejaculação, pode acontecer porque já houve prática sexual, mas é importante perceber se também não poderá ser uma situação de ejaculação retardada ou retrógrada (esperma vai para a bexiga), associada a algum receio ou crença sexual ou situação médica que esteja a bloquear a ejaculação. A ejaculação não é uma boa medida para o prazer e para o bom ou mau desempenho sexual – por isso, a comunicação depois do sexo é muito importante.
E pode ejacular sem ter um orgasmo?
Sim. Temos várias pessoas com pénis a relatar ejaculação, sem atingir o orgasmo – até porque o orgasmo é algo psicológico, apesar da expressão física. Apesar de o mais habitual ser ter ambos os fenómenos associados.
Quantos orgasmos se pode ter numa única relação? Os orgasmos múltiplos são comuns?
Não há indicativo de quantos orgasmos uma única pessoa pode ter. E é um claro indicativo de que estamos movidos a “ir” para o orgasmo. Não tenho presentes números a nível de estudos. Os orgasmos múltiplos não são uma experiência comum, sobretudo para quem tem pénis – mas são possíveis para todas as pessoas, com pénis ou vulva/vagina. Claro que há questão do período refratário, em quem tem pénis, que pode levar algum tempo até nova ereção, mas isso não tem de condicionar ou terminar a atividade sexual. Há sempre o sexo oral ou a masturbação digital, por exemplo.
Como chegar com mais facilidade ao orgasmo? (para ambos os sexos)
Investir no autoconhecimento sexual, na masturbação, em ver e entender o funcionamento do corpo – sobretudo porque quem tem vulva não tem tão claras estas questões, porque está mais escondida no meio das pernas, o pénis está mais exposto. Mas nem tudo se resume a genitais. As coxas, nuca, ombros, mamas, tudo isso tem potencial de prazer se estimulado.
Largar a ideia de cobrança, de pressão, de ter de chegar ao orgasmo, procurar o relaxamento, sem pressa, concentrando nas sensações no corpo, libertando dos pensamentos de stress do dia-a-dia, afastando esses distratores.
Nunca me masturbei. Como devo começar?
O banho pode ser um bom momento, ao realizar a lavagem, por haver o toque e contacto com a área – é bom para palpar e tocar as estruturas, perceber as texturas e ganhar mais confiança e conforto neste toque. Depois do banho, olharmo-nos ao espelho, ver como é o corpo e aceitá-lo. Ao colocar creme, por exemplo, fazê-lo com atenção, percebendo o que se sente. Ao dirigir para os genitais, conhecer com a ajuda de um espelho de mão, e com auxílio de um lubrificante à base de água, seja pénis ou vulva, começar a explorar e diferentes estímulos – com batidas ou movimentos de ‘vai e vem’.
Aqui, o recurso a uma pena, uma luva de massagem, um pequeno vibrador, bullet ou masturbador, pode ser um bom aliado para ganhar mais confiança e conforto. Tocar a região da pélvis, da glande, dos lábios – em quem tem pénis, o escroto – ou mesmo o ânus. Ir começando devagar, primeiro conhecer depois explorar.
A ideia é "desfrutar do caminho, que é o prazer, para eventualmente chegar mais facilmente ao orgasmo", conclui Rita Castro. Esta é então uma das premissas a reter (e aplicar) – não só este sábado, no Dia Mundial do Orgasmo, como ao longo de todos os restantes dias do ano.