Esta segunda-feira, 1 de março, a influenciadora digital Inês Mocho revelou ter passado por uma segunda gravidez ectópica, uma complicação da gestação em que o embrião se forma fora do útero. A também maquilhadora é uma das várias mulheres vítimas desta patologia, que acontece em 1% a 2% de todas as gravidezes.
"Uma gravidez ectópica significa que é uma gravidez fora do sítio, ou seja, fora do endométrio [tecido que reveste o interior do útero]", explica à MAGG a ginecologista e obstetra Irina Ramilo. "O mais comum é que seja nas trompas de Falópio — cerca de 98% dos casos —, mas também pode acontecer nos ovários, na zona abdominal, na cicatriz de cesarianas anteriores ou mesmo simultaneamente a uma gestação viável, "uma gravidez heterotópica, mas são casos mais raros."
Outra das localizações possíveis da gravidez ectópica é no útero, junto à trompa, casos que escalam de gravidade e são apelidados de gravidezes intersticial ou cornual. Tal como salienta Irina Ramilo, a localização do embrião nesta zona permite a que a gestação se desenvolva até mais tarde, dado que esta zona do aparelho reprodutor da mulher "permite uma maior distensão dos tecidos sem tensão", desenvolvendo-se assim uma "gravidez com mais semanas e com poucos sintomas, e com maior risco de rutura tardia", e, consequentemente, "maior risco de hemorragia abundante e grave". Dentro das gravidezes ectópicas, esta complicação acontece em 1% a 3% dos casos.
Se já passou por esta complicação, tem risco aumentado de voltar a acontecer
A gravidez ectópica, alerta Irina Ramilo, continua a ser a "principal causa de morte materna no primeiro trimestre", e uma situação que pode ter várias consequências físicas e psicológicas. Sinónimo de gestações que não têm viabilidade, estas complicações são um dos principais fatores de risco para o surgimento da mesma complicação em futuras gravidezes.
"As gravidezes ectópicas podem acontecer sem motivo, sem a mulher ter qualquer predisposição. No entanto, sabe-se também que quem passa por esta complicação corre mais risco de ter uma gravidez ectópica", salienta a médica ginecologista.
Fernando Cirurgião, médico ginecologista e diretor do serviço de obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier, fala de um risco "cinco vezes maior", e alerta para a necessidade de não pensar numa segunda gravidez a seguir a esta complicação sem os devidos cuidados. "É verdade que esta é uma situação que deixa marcas psicológicas, e que as mulheres que passam por isto não querem ver um hospital à frente depois do sucedido, mas é sempre arriscado partir para uma outra gravidez sem programar o futuro."
Assim, Fernando Cirurgião aconselha que, após uma primeira gravidez ectópica, e independentemente da mesma se ter resolvido por si só, medicamente ou ter existo recurso a cirurgia, é importante que as mulheres passem por alguns exames antes de avançarem para uma segunda gravidez.
"Há exames que devem ser feitos para prevenir que a situação se repita. Devem ser feitas ecografias, mas também um histerossalpingografia, um exame radiológico frequentemente utilizado na avaliação da permeabilidade tubária, para avaliar a qualidade da trompa que foi conservada, dado que nunca sabemos como esta ficou após a primeira complicação", descreve o especialista.
Fatores de risco: da endometriose às infeções pélvicas
A endometriose, doença que gera várias aderências no corpo da mulher e que pode distorcer a normal anatomia do aparelho reprodutor, é outro dos fatores de risco para as gravidezes ectópicas. "A endometriose pode aumentar o risco", salienta Fernando Cirurgião, embora o especialista alerte que não existe uma relação direta e absoluta.
"Quem tem endometriose pode ter células fora do útero, que podem levar a alterações anatómicas como a dilatação ou a distorção das trompas, alterando a configuração normal do corpo da mulher. As aderências e as cirurgias anteriores para tratar a endometriose também podem mudar a habitual anatomia", acrescenta Irina Ramilo.
Para além disso, existem outros fatores que não podem ser ignorados, mesmo que tenham acontecido muito antes de uma mulher engravidar. "As doenças inflamatórias pélvicas, como a clamídia, por exemplo, aumentam a preocupação da ocorrência de uma gravidez ectópica. Há vários estudos que estabelecem uma ligação entre a ocorrência desses processos inflamatórios e a infertilidade, e mesmo com as gravidezes ectópicas", avança Fernando Cirurgião.
Há casos em que a gravidez ectópica se resolve por si só. Outros necessitam de cirurgia
Depois de ser diagnosticada uma gravidez ectópica, existem várias abordagens possíveis, dependendo sempre da gravidade/evolução da situação. "Há casos em que podemos ter uma atitude expectante, com uma vigilância clínica e laboratorial. Quando uma gravidez ectópica está alojada na zona distal da trompa, pode acontecer que a própria trompa expulse o produto da conceção. Isto normalmente acontece em gestações muito precoces, entre as cinco e as seis semanas de gravidez", explica Fernando Cirurgião.
Outra abordagem para resolver uma gravidez ectópica é a médica, com recurso ao metotrexato, um medicamento com derivados dos tratamentos da quimioterapia. Este tratamento "reabsorve os tecidos da gravidez para evitar cirurgia", descreve Irina Ramilo, podendo existir uma perda de sangue associada.
No entanto, a abordagem médica não pode ser indicada em casos que a gravidez ectópica já tenha rompido, e depende de uma série de critérios médicos, que devem ser avaliados com recurso a análises e ecografias. Não dá garantias a 100 por cento que a trompa tenha ficado viável, daí a importância de exames antes de partir para uma nova gestação, dado que uma segunda gravidez ectópica também pode ter ligação ao tratamento anterior escolhido, que pode deixar aderências.
A cirurgia é outro dos recursos, e opta-se por esta abordagem se "existir instabilidade hemodinâmica da grávida [pressão arterial persistentemente anormal ou instável], se a gravidez ectópica já estiver rota, se for recorrente na mesma trompa, se não houver desejo de fertilidade, por falha da terapêutica médica ou contra indicação à mesma", esclarece Irina Ramilo, que diferencia duas abordagens cirúrgicas.
"Pode optar-se por uma salpingectomia, que é a extração da trompa, preferencialmente feita por laparoscopia", explica a médica, que refere também a existência da salpingostomia, uma cirurgia em que se "faz um corte na trompa, aspira-se o conteúdo e esta fecha por si própria".