A tinta e as agulhas de Mariza Seita estão há cinco anos a fazer a diferença na vida de quem a procura. Isto porque, em 2015, a tatuadora de 30 anos decidiu abriu as portas do seu estúdio Ink&Wheels, em Lisboa, não só a quem quer marcar a pele com desenhos, mas também a sobreviventes de cancro da mama que procurassem uma reconstrução total ou parcial do mamilo — e sempre gratuita.
A ideia, diz à MAGG, surgiu por "mero acaso". "Quando abri a minha loja procurei coisas que ainda não se fizessem em Portugal com o objetivo de trazer alguma novidade ao meio e ao mercado das tatuagens", começa por dizer. A artista, no entanto, explica que o seu próprio estilo de tatuagem já é, por si só, "muito diferente daquilo que é o estilo tradicional", uma vez que é mais feminino e feito de mais pormenores.
Mas Mariza Seita queria, recorda, poder oferecer um serviço diferente daquele que é geralmente disponibilizado nos estúdios de tatuagem. Atirou-se a uma pesquisa intensiva quando, de forma completamente aleatória, encontrou um tatuador na Austrália que fazia reconstrução de mamilos na sua loja.
"Foi por mero acaso, mas fiquei muito curiosa e depressa me atirei a novas pesquisas, desta vez focadas na reconstrução do mamilo, para perceber exatamente o que era necessário."
Foi durante esse processo que percebeu que, apesar da experiência que é requerida a um profissional da área, tratava-se de uma intervenção relativamente simples. "O mais importante é que o tatuador tenha alguma sensibilidade e algum sentido estético para respeitar o tom e a forma dos mamilos. O resultado final deve ser um mamilo uniforme que em nada seja diferente do outro", explica.
A tatuagem que celebra a vida e devolve autoestima
Estudada a técnica, faltava alguém que se disponibilizasse para ser a primeira "cobaia". E Mariza encontrou-a na mãe de uma amiga a quem lhe tinha sido removida a mama, e substituída por uma prótese. "Nunca consigo explicar por palavras o que senti no momento em que a tatuagem ficou feita e ela a viu. Aquilo que, para mim, foi tão fácil de fazer, devolveu a autoestima àquela mulher assim que se viu ao espelho. Foi uma coisa muito emotiva." Foi nesse momento que a artista percebeu que nunca seria capaz de cobrar pelo serviço.
Ainda que o tatuador australiano que a inspirou cobrasse pelo serviço, e nos centros de estética um procedimento semelhante chegasse a custar entre 250 a 300 euros, Seita diz que, em termos realistas, uma tatuagem destas nunca ultrapassaria os "cerca de 150 euros". Em termos práticos, no entanto, o dinheiro que efetivamente perde — ou que investe — ronda os 60€ referentes à utilização do material necessário durante uma qualquer tatuagem.
"Umas tatuagens pagam as outras. Efetivamente, 60€ é aquilo que não ganho por mamilo, mas assumo essa perda com muito gosto. O ideal, claro, seria haver mais estúdios de tatuagem a fazer isto, mas sem cobrar", apela.
Ainda que a iniciativa já tenha cinco anos, a visibilidade só começou a chegar mais em força há dois. "As pessoas foram passando a palavra e isso foi chegando à comunicação social. Desde então que tenho recebido muitos contactos, o que faz com que tenha uma lista de espera de cerca de três a quatro meses para reconstruções de mamilos."
A explicação para o tempo de espera, que Mariza Seita admite poder ultrapassar esse período, tem que ver com a necessidade de a artista conciliar as reconstruções (sempre gratuitas) com as sessões normalmente pagas de tatuagens. "Não posso reconstruir muitos mamilos por mês para não prejudicar o negócio, por isso tenho tentando aceitar cerca de três mamilos por mês para ir conciliando com o resto das marcações na loja", explica.
Um tatuagem destas só pode ser feita um ano depois da pele cicatrizada
Questionada sobre qual a média de idades das pessoas que a têm procurado para a reconstrução dos mamilos, Mariza é rápida a responder. "Entre os 30 e os 50 anos. Mas já atendi uma de 24 e outra de 83. A mais velha disse-me que estava a fazer aquilo porque queria voltar a sentir-se bem com o seu corpo", diz.
"Mas, regra geral, todas elas dizem que fazer uma tatuagem daquelas passa pelo fechar de um capítulo nas suas vidas." É a celebração da vida e, acima de tudo, da vitória contra o cancro. E ainda que atinja também os homens, Mariza diz que até agora os únicos contactos que tem recebido são de mulheres.
Num serviço que, garante continuará a ser gratuito, Mariza Seita conta com a ajuda de mais uma colaboradora que ajuda na reconstrução de mamilos.
Apesar da lista de espera, diz que os interessados só precisam de enviar mensagem para a página oficial da loja no Instagram e no Facebook. Depois do contacto, serão organizados na lista de espera e informados acerca dos passos a seguir.
O único requisito, ressalva, é que o procedimento seja feito um ano após a cicatriz. "Trato os mamilos como qualquer outra cicatriz que temos no corpo. E um procedimento destes, como numa tatuagem normal, só deve acontecer um ano depois de a cicatriz já ter sido feita para que aquela pele tenha a estrutura suficiente para aguentar a agressão de uma tatuagem", diz.