Uma pesquisa no Google por “pessoas que estão sempre a seduzir” leva-nos à Wikipédia e a um mal a que se dá o nome de “síndrome de Don Juan”.
Joana (nome fictício), 30 anos, assustou-se ao ler a descrição. Deu por si a rever-se em vários dos comportamentos descritos: sedução compulsiva, intolerância ao tédio, relacionamentos íntimos pouco duradouros, alvos em pessoas difíceis ou proibidas, relações fugazes que terminam no desinteresse pelo parceiro, assim que a conquista está dada; busca incessante pela novidade.
Estas características descrevem muitos dos seus relacionamentos. Tratando-se de compromissos a longo prazo, nunca conseguia deixar que estes ultrapassassem os dois anos. “Acabava a altura da paixão intensa e desencantava-me. Precisava de intensidade e partia para outra. Normalmente, não demorava muito a encontrar alguém e a história repetia-se: uma paixão muito intensa, uma entrega grande e, chegada a altura da calma, o desinteresse, desencanto e abandono. Era um ciclo vicioso.”
Quando não está num relacionamento, é comum ter encontros fugazes e é habitual que mantenha um ambiente de flirt com várias pessoas. “Na maioria das vezes percebo que aquilo não me acrescentou nada. Olhando de forma fria, é sempre uma clara manifestação de uma insegurança profunda: mais do que movida pelo meu próprio desejo sexual, interessa só que a outra pessoa olhe para mim, que me queira."
Dina Guerreiro, psicoterapeuta da clínica da Clínica da Autoestima, confirma à MAGG a existência deste padrão comportamental. “Traduz-se num acumular de relacionamentos, quase sempre intensos, mas breves. Estão muito ligados à satisfação do desejo no imediato, à necessidade de se sentir amado."
Pessoas que seguem este padrão têm tendência para o desafio, diz Dina Guerrero. Interessam-se e investem em pessoas que, à partida, não seriam o match ideal, ou seja, pessoas com vidas pouco estruturadas, em que era difícil projetar um futuro a longo prazo, pessoas emocionalmente difíceis de alcançar.
“Quanto maior o desafio, mais elas permanecem. É quase como se precisassem de provar a si próprias que conseguem. Elas consomem este tipo de relações, para se preencherem, para provarem a si estas que são merecedoras do amor, que são especiais. Quanto mais se disser que não, mais elas procuram. É feito de forma inconsciente, quase sempre", explica Dina Guerreiro.
Joana confirma: “Dizem-me sempre que eu gosto de um bom desafio."
“Quando [o sentimento] deixa de arder, a pessoa deixa de sentir interesse por aquela relação
Neste confronto com a Wikipédia, o que mais surpreendeu Joana foi o facto deste seu traço de personalidade ter um nome. A realidade é que ela está consciente deste seu vício, tanto que já está a fazer terapia há alguns anos. Analisando as suas relações, observou que aquele padrão se repetia demasiadas vezes.
“Houve um dia em que percebi que estava a olhar para as relações de forma errada, de uma maneira que não é sustentável. Era quase como se fosse um jogo: quando sentia que a pessoa me amava, qualquer coisa mudava em mim e, gradualmente, invadia-me o tédio, uma sensação de que havia mais para viver”, conta Joana. A psicóloga ajuda a explicar este comportamento:“Quando [o sentimento] deixa de arder, a pessoa deixa de sentir interesse por aquela relação. Por outro lado, também acredito que entendam que, quantos mais amarem, mais amados são".
É assim que acontece. No momento em que se chega ao período da estabilidade, de um comodismo normal e benigno, estas pessoas preferem saltar do barco. Nesse momento, não se sentem desejadas como queriam: “Há sempre aquela necessidade, desejo, mesmo num relacionamento de se sentirem desejadas, que despertam desejo noutras pessoas. É o afagar do ego", explica Dina Guerreiro.
A dada altura, Joana deixou de ser adolescente e este comportamento que se poderia justificar com a idade, deixou de fazer sentido. Chegou a um ponto em que estava emocionalmente esgotada. É como exemplifica Dina Guerreiro: sentia que tinha corrido uma maratona emocional numa passadeira — correu até ficar esgotada, só que nunca saiu do mesmo sítio.
Nesta descoberta e tomada de consciência, Joana viu-se forçada a olhar para além do imediato. Estas ações não iam ao encontro daquilo que projetava para o seu futuro. “Percebi que queria alguém com quem pudesse formar uma equipa, que me desse calma e serenidade. Percebi que muitas paixões repentinas, muitos envolvimentos fugazes, eram uma forma de me alienar do meu problema real, que está dentro de mim: uma insegurança profunda que não sei bem de onde vem."
O que é que cria este comportamento de Don Juan? É difícil de identificar ao certo. A única certeza que temos é que não nasce connosco. “São sempre contextos que nos levam a padrões de personalidade. Este padrão de Don Juan tem que ver com a baixa autoestima, com a insegurança, com a necessidade de se sentir amado”, explica a psicóloga.
Segundo Dina Guerreiro, não é fácil que cada pessoa identifque em si este mecanismo: primeiro, porque é difícil separar aquilo que é um padrão normal daquilo que é um comportamento viciado; depois, porque nem sempre há uma causa evidente para agir desta forma.
Este comportamento pode nascer de vivências e circunstâncias das quais não guardamos memória, mas que nos marcaram e que direcionam a nossa vivência: “Eu preciso de ser especial, eu preciso de ter o poder de fazer os outros gostarem de mim”, exemplifica a psicóloga. "O ponto em que isto acontece não é claro, mas estão muitas vezes vinculadas as questões da infância."
Nesta busca incessante pelo amor do outro, a resposta para aquilo que se procura pode nem estar no outro: “A pessoa por sentir que precisa de ser amada, precisa naturalmente de ter à volta um exército de pessoas que a bajulem, façam sentir bem, façam sentir especiais, sentir-se desejadas. Só que a realidade é que estão essencialmente à procurar de algo nelas próprias."
Este traço de personalidade, que se manifesta tanto em homens como em mulheres (com algumas diferenças no modo de ação), não é um distúrbio. “Não é um transtorno psicológico, não é uma doença. É uma forma de estar, um comportamento, uma situação que deve ser encaminhada para a área cognitivo comportamental. É um pensamento distorcido que leva a um determinado comportamento.”
Há também aqui traços de narcisismo e egocentrismo, o que não significa que a pessoa seja narcisista ou egocêntrica. É que todos nós encerramos estas características: “Todos nós somos egoístas de base", salienta a psicóloga. A especialista exemplifica como é que esta característica se manifesta em quem tem este padrão comportamental: "‘Eu preciso de ser amado, eu preciso de que tu faças tudo por mim.’ A partir do momento em que o companheiro começa a fazer aquilo que a pessoa quer, a necessidade básica está satisfeita. E aí aciona-se o mecanismo egoísta (narcisista) que faz com que a pessoa se desinteresse.”
“O maior lesado é sempre o próprio”
Além do fator repetição, Joana ficou alerta para o seu padrão comportamental ao ver o sofrimento que induzia nos outros. “Ficavam profundamente tristes e eram apanhados de surpresa. Eu questionava-me porque é que era assim, porque é que me desinteressava daquela forma. Sentia-me muito mal comigo e gostava ainda menos de mim por fazer aquilo.”
Efetivamente, como diz Dina Guerreiro, quem sofre mais com este comportamento é quem o protagoniza: “O maior lesado é sempre o próprio”, diz. “Esbarramos sempre em nós próprios. Voltamos a casa e está lá sempre a mesma pessoa: no fim de qualquer relação, o que resta somos sempre nós.”
Não havendo um reconhecimento do problema, um profundo trabalho de introspeção, a vida poderá não correr como havia sido previsto. Os relacionamentos movidos pela insegurança são contraproducentes: “A maior consequência é algum tipo de solidão emocional”, diz a psicóloga. E há depois o lado social: “Pode haver um sentimento de falta de pertença em relação aos seus pares. Uma tristeza que leva a um isolamento social.”
A tomada de consciência é o passo mais fundamental para que se contrarie o padrão.“A primeira coisa é termos consciência sobre porque é que agimos desta forma. A psicoterapia ajuda nesta tomada de consciência — o terapeuta ajuda a pessoa a compreender o porquê”, diz.
O chavão tem de ser levado a sério: “O primeiro passo é gostarmos de nós, percebermos os nossos limites e percebermos porque é que é importante que os outros gostem de nós.”
"Todos procuramos alguma coisa, o difícil é saber o que é que é", remata a psicóloga. Neste caso, a busca é pelo amor próprio. Só que, como o nome indica, ele está em nós. Não o vamos encontrar nos outros.