Aqueles dias em que o inverno já não é bem inverno, os dias aquecem, a noite chega mais tarde, esses dias, sempre foram de alegria para toda a gente à minha volta. Ainda era janeiro e já ouvia falar deles, já ouvia aqueles suspiros de desejo, de ânsia por esses tempos que pareciam ainda demorar a chegar.
Mas era quando chegavam que o mundo parecia ficar encantado, e que eu mergulhava num misto de resignação e tristeza. Durante os meus primeiros 40 anos de vida, a primavera sempre foi um sinal de uma única coisa: alergias. E as alergias acabavam mesmo por condicionar tudo à minha volta, porque me impediam, de facto, de fazer uma vida normal. Se isto já é complicado para qualquer pessoa, é mais ainda para alguém que, como eu, nunca está doente, que parece que nenhuma bicheza consegue penetrar. Só mesmo os pólens é que davam cabo de mim.
Desde que me lembro de existir que pratico desporto de forma regular. Em miúdo, 8/9 anos, lembro‐me de sair de casa com a bola debaixo do braço, com chuva ou 40 graus, e passar o dia inteiro a jogar à bola, a andar de bicicleta, a correr por todo o lado. Aos 11 anos passei a jogar andebol como atleta federado e assim foi até aos meus 19 anos. Pelo meio, comecei a desafiar‐me e a participar em corridas mais longas, primeiro de 10 km, depois meias‐maratonas.
Uma vez mais, sempre fui um atleta de inverno. Nos meses frios e de chuva, sempre corri muito mais do que nos meses quentes, o que para toda a gente há minha volta era sempre um mistério. Como é que eu conseguia saltar da cama às seis da manhã em dezembro, com 2 graus, a chover, e ir correr, e depois quando chegávamos a maio ou junho, com dias mais quentes, e em que apetece mesmo ir para a rua fazer exercício eu não o fazia. A razão era só uma: as alergias.
Há quatro anos, estava de férias no Algarve e aproveitei o descanso para continuar a preparar a Maratona de Lisboa, que iria correr em setembro. Uma manhã, antes de a família acordar, fui fazer o meu treino. Era um dia de distância curta e intensa, por isso planeei fazer perto de 8 km. Tracei o meu percurso, que consistia em ir por uma zona descampada. Saí de casa, corri mais ou menos três quilómetros e não aguentei mais. Não conseguia respirar, as lágrimas escorriam‐me pela cara, a cada vez que inspirava parecia que tinha um apito na garganta, tal era a pieira. Voltei para trás a andar, aflito, mas a tentar recuperar a respiração. Nessas férias, não voltei a correr.
Toda a minha vida sofri com as alergias de primavera. Há alguns anos, cheguei a usar um exemplo que reflete isto: o polén é a minha kriptonite, a única substância capaz de atirar o Super‐Homem ao chão. Porque é isso que sinto que sou, unicamente porque nunca estou doente. Passo anos sem uma constipação, uma gripe, nada. Em mais de 20 anos de carreira, estive uma vez doente. Mas depois chegam os poléns e pimbas! Vou‐me abaixo.
Este é um problema geracional. O meu pai sofre do mesmo, a minha irmã mais velha também. Um dos meus irmãos a mesma coisa. Para quem não passa por isto pode achar que é uma coisa menor, um problema sem importância, mas só mesmo quem sofre percebe o quão limitativo isto é na vida de uma pessoa, sobretudo numa altura em que superamos o inverno e o que mais queremos é ar livre, esplanadas e aproveitar o sol. Esse medo da Primavera, dos dias quentes, do campo, da natureza, é uma tristeza, até porque não vivemos sozinhos, e as pessoas à nossa volta que não sofrem com as alergias só querem é isso, passear, rua, ar livre. E nós vamos, em sofrimento, mas vamos. Carregados de lenços, de anti‐histamínicos, é a história da nossa vida.
Percebi há três anos que aliando a medicação a uma alimentação natural, livre de produtos lácteos, é possível melhorar em muito a qualidade de vida. Passei a seguir uma dieta vegana, sem alimentos de origem animal, e a minha vida deu um salto qualitativo brutal. As alergias passaram de intensas a pontuais, e com uma intensidade muito mais baixa. Voltei a conseguir fazer desporto no verão, a sair ao fim da tarde sem problemas, a passar férias em destinos de campo, sem ter de condicionar a minha vida às alergias. Hoje, em vez de ter de andar com três embalagens de anti‐histamínicos, basta‐me uma caixa para usar em situações mais pontuais e emergências, sobretudo quando há níveis muito elevados de pólen no ar.