Há cada vez mais utilizadores a sair do WhatsApp para outras plataformas depois de que, no início do ano, o serviço anunciou que iria começar a partilhar metadados com o Facebook, a empresa-mãe, para efeitos comerciais. De repente, as alternativas há muito estabelecidas no mercado registaram um crescimento que teve tanto de exponencial como de inusitado. Só nas primeiras semanas de janeiro, o Signal somou mais de 7.5 milhões de novos utilizadores contra os 25 milhões conquistados pelo Telegram, escreve o jornal britânico "The Guardian".
A forma negativa como a atualização às políticas de privacidade da empresa foi recebida levou não só o WhatsApp a adiar para 15 de maio uma medida que deveria entrar em vigor já em fevereiro, mas também a esclarecer aquela que era uma das principais dúvidas de quem usava o serviço diariamente.
Afinal, as mensagens trocadas entre utilizadores iriam deixaram de ser privadas para serem partilhadas como o Facebook? A resposta, segundo a empresa, é não.
"A atualização desta medida não afeta, de forma alguma, a privacidade das mensagens que troca com amigos ou familiares", lê-se na página da empresa dedicada a responder algumas das questões mais frequentes.
No entanto, o estrago estava feito. É que embora serviços como o Signal ou o Telegram não fossem novos no mercado, a popularidade de ambos continuava a aumentar.
Para Ana Santos, especialista em segurança informática, uma das explicações teve que ver com o apoio público demonstrado ao Signal por Elon Musk, CEO da Tesla, que a 7 de janeiro publicou um tweet a apelar aos seus milhares de seguidores para usarem o serviço.
O tweet foi repartilhado por Jack Dorsey, CEO do Twitter, e em poucas horas o Signal acusava sobrecarga no serviço devido à adesão em massa de novos utilizadores.
Afinal, o WhatsApp passou a ser uma má aplicação ou não?
O WhatsApp apressou-se a esclarecer a sua política de privacidade dizendo que a atualização foi proposta não a pensar nos utilizadores comuns, mas sim nas empresas que usam a plataforma para fazer atendimento ao cliente — permitindo guardar arquivos de informação sobre a empresa em causa.
"Em termos de privacidade, sabemos que o Facebook não é a empresa fiável que diz ser", começa por dizer Ana Santos, referindo-se aos escândalos em que a rede social se tem visto envolvida nos últimos anos. "Sendo o WhatsApp uma empresa do Facebook, que vende os dados dos utilizadores para fins publicitários, nada nos garante que isso não seja feito nas conversas do WhatsApp. Mas isso não quer dizer que a aplicação passe, automaticamente, a ser má, uma vez que continua a servir o mesmo propósito de sempre", continua.
No que toca a funcionalidades que preservem a privacidade dos utilizadores, no entanto, a especialista diz à MAGG que as atuais alternativas no mercado são mais completas do que o WhatsApp. "Numa das empresas em que trabalhei, tudo o que fosse considerado material sensível e confidencial tinha de ser passado única e exclusivamente pelo Signal".
A explicação é simples: "No Signal é possível definir a destruição automática das mensagens ou sermos alertados quando, durante uma conversa, o destinatário de uma qualquer mensagem faz uma captura de ecrã da conversa. São coisas que não fazem parte do WhatsApp e que alertam os utilizadores caso aquilo que está a ser conversado no Signal corra o risco de sair daquele serviço para outros."
Apesar das possíveis vantagens que estas alternativas possam comportar nas suas aplicações, Ana Santos reconhece que é "muito difícil explicar isto ao utilizador comum" e baseia-se no feedback que, regra geral, costuma receber durante as suas formações a propósito da segurança informática. "Quando falamos da importância da segurança no digital, é muito comum recebermos comentários de pessoas que dizem ser um livro aberto e que, por isso, não têm nada a esconder. Isso dificulta a interiorização da mensagem e até da perceção dos principais perigos que existem na internet", lamenta.
Os meus contactos vão passar a usar todos o Signal ou o Telegram?
A popularidade de serviços como o Signal ou o Telegram manter-se-á consoante aquele que for o interesse geral. E se em Portugal é cada vez mais comum que a maioria das conversas aconteçam em contexto de WhatsApp, nas outras aplicações talvez seja um processo mais demorado porque para que isso aconteça é fundamental que quem utiliza o WhatsApp decida migrar para lá e levar consigo toda a sua rede de contactos — tarefa que pode ou não ser mais difícil consoante o tipo de utilizadores.
"O Signal ou o Telegram terão tido um impacto muito maior em países onde as pessoas estão, regra geral, já mais alertadas para os perigos do digital. Em Portugal talvez ainda estejamos longe de ver esses serviços a substituir o WhatsApp", diz.
A popularidade inicial, explica Ana Santos, pode não traduzir-se numa utilização contínua e sustentada, até porque estas plataformas não são "tão atrativas como o WhatsApp", que, por sua vez, já vem instalado de origem em muitos telemóveis — facilitando e tornando transversal a utilização.
A dicotomia entre privacidade e vigilância
"Uma das principais diferenças entre o WhatsApp e o Signal, por exemplo, é que o segundo não guarda as mensagens dos utilizadores em servidores. É essa a explicação por que cada vez mais vemos notícias de gangues cujas movimentações foram descobertas através de conversas no WhatsApp."
Mas a conversação ou planeamento de atos ilícitos em serviços de chat não são um problema exclusivo do WhatsApp. Em 2017, por exemplo, o uso do Telegram foi proibido na Indonésia depois de se ter descoberto que havia inúmeras associações terroristas a usar o serviço que encripta as mensagens — como o WhatsApp e o Signal — para planear os seus ataques.
A dicotomia entre privacidade e vigilância é, para Ana Santos, um não assunto seja qual for a plataforma de chat usada. Até porque, em Portugal, há casos de crimes descobertos através do WhatsApp. O mais mediático, por exemplo, diz respeito à invasão por parte de adeptos do Sporting à academia do clube, em Alcochete, na reta final do campeonato de 2017-2018.
"Haverá a mesma quantidade de organizações criminosas ou terroristas a usar o WhatsApp, por exemplo, a diferença é que umas dão-se a mais trabalho do que outras para tentar mascarar aquilo que fazem. Mas não é por usarem o Telegram ou o Signal, em vez do WhatsApp, que não são apanhadas."