"Não acho que a arte vá mudar o mundo, mas pode-nos colocar num lugar mais belo e fazer-nos ver o mundo com outra lente, uma lente mais bonita." Foi este pensamento que levou Bruno Huca, de 37 anos, a inscrever-se no programa de talentos "The Voice Portugal", cuja nona edição foi para ar este domingo, 17 de outubro.
Nasceu e cresceu em Maputo, mas sempre viveu dividido entre Portugal e Moçambique. O pai é algarvio, mas foi viver para Maputo em criança. Já a mãe é moçambicana, mas veio viver para Lisboa com 1 ano. "E eu lá no meio entre o fado e a marrabenta. Mais misturado impossível", conta o artista à MAGG.
Depois de ter virado quatro cadeiras e emocionado os jurados, a MAGG quis saber mais sobre o concorrente e aquilo que o motiva a participar num programa que se tem vindo a tornar cada vez mais um palco de causas. Apesar de confessar que nunca tinha sentido vontade de se inscrever, por não se sentir cativado pela parte da competição, confessa que a maturidade fez com que, agora, consiga estar no programa "sem foco no concurso".
"É uma forma de poder transmitir a mais gente uma mensagem que eu carrego: uma mensagem de um lugar de partilha no sentido geral. De mais amor, empatia, pensamento social sobre este lugar onde todos habitamos e de uma evolução para um caminho melhor", diz.
Com uma vida dividida entre Portugal e Moçambique, Huca mudou-se para o País de forma permanente aos 18 anos para ingressar na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, onde se licenciou em Teatro. Ainda assim, revela que continua a manter uma forte ligação com o país africano, expressando uma vontade de que se crie entre os dois países, através da arte, relações "mais fortes que não sejam só aquelas históricas que temos e que ainda estão num terreno nebuloso".
Depois da licenciatura, Huca nunca mais deixou o mundo da representação, tendo já feito parte de várias companhias nacionais das quais destaca o grupo de teatro "Bando" e da "Mala Voadora". Para o concorrente, pisar um palco já não é uma novidade, nem mesmo tratando-se agora de uma competição.
"Acho sempre muito delicado falarmos em competição quando falamos em arte"
Para Huca, a "competição não interessa", mas sim a partilha. "Essa é a parte melhor. Acho sempre muito delicado falarmos em competição quando falamos em arte. O que é que é melhor ou pior? Até os prémios artísticos dos Globos de Ouro, por exemplo, em que se premeia o melhor ator: o que é que define isso? É tão delicado e fino esse lugar", afirma.
Apesar de admitir que a hipótese de poder sair vencedor está sempre em cima da mesa quando se entra num concurso destes, diz que não é isso que o move. "É ir fazendo e onde a coisa chegar, chegou. Interessa-me muito, desde que lá entrei, a partilha com aquelas pessoas que ali estão. Há muita gente nova, incrível e maravilhosa, que está num lugar no qual eu já estive e há também gente com mais experiência — e toda a produção que está por trás é incrível", elogia.
Para Huca, o palco é um "um lugar de comunicação", e o "The Voice" um formato que dá a possibilidade de "criar mais do que um programa de televisão e gerar momentos realmente bons, úteis e belos". Depois de ter subido a palco com o tema "Se eu quiser falar com Deus", de Gilberto Gil, Huca deixou Diogo Piçarra, Marisa Liz, Aurea e António Zambujo impressionados, levando Aurea a utilizar o trunfo de bloquear Marisa.
Apesar de a vocalista dos Amor Electro ser, à partida, a primeira escolha, o artista confessou ter gostos musicais muito parecidos aos de Aurea, o que fez com que acabasse por a escolher. Questionado sobre o que sentiu quando as quatro cadeiras viraram, Huca fala em gratidão, mas diz que o foco não estava em cantar para os mentores, mas sim para todas as pessoas que ali estavam e que saberia que mais tarde iam ver a atuação em televisão.
"A arte não pode ser só uma bandeira que serve para hastear quando calha bem para a projeção internacional do País"
Como artista, viu, nos últimos 19 meses, a arte ser colocada num lugar de pouca importância para o País e, ainda que não tenha sido uma das pessoas mais afetadas pela pandemia, teve vários colegas à sua volta a passar dificuldades — o fez com que sentisse ainda mais vontade de subir a palco para passar uma mensagem.
"Não quer dizer que outras pessoas não tenham sofrido, mas nós sabemos que a arte, infelizmente, está relegada a um lugar muito precário. Somos sempre os últimos dos últimos em que se pensa", lamenta, recordado que "se o trabalho já era precário e frágil, com a pandemia ficou ainda mais".
"Enquanto o País e o estado não perceberem o lugar imenso de importância que a arte tem para evolução de um país, continuaremos, infelizmente, a estar neste lugar terciário (e durante a pandemia não foi fácil). O País precisa de repensar o valor que dá à cultura, a arte não pode ser só uma bandeira que serve para hastear quando calha bem para a projeção internacional do País", alerta.
Para Huca, a arte, quer seja no teatro ou na música, é "muito mais do que a projeção de uma individualidade", e, por isso, decidiu participar no "The Voice Portugal" também para trazer para cima da mesa várias causas. "Quero falar sobre questões sociais e políticas, quero falar de nós enquanto coletivo. Há uma série de bandeiras que quero aproveitar o programa para trazer e elas não precisam de ser hasteadas com um grande punho, mas acho que é preciso falar delas se temos oportunidade", revela à MAGG.
Para isso, a escolha das músicas terá uma enorme importância, confessa. Huca foi um dos concorrentes mais aplaudidos na primeira emissão das Provas Cegas do "The Voice". O concorrente de 37 anos faz parte da equipa de Aurea, juntamente com Matilde Jacob e Mariana Silva.