De calças de ganga, t-shirt e botas, Daniela Ruah recebe-nos para a entrevista, mais uma de um longo dia dedicado à promoção de “Os Traidores”. O reality show estreia-se na SIC no próximo domingo, 9 de abril, e marca o regresso da atriz à televisão portuguesa (embora tenha estado nos bastidores, enquanto realizadora do telefilme da RTP "Os vivos, o morto e o peixe frito", que estreou em dezembro de 2022).
Antes de conversar com a MAGG, a atriz de 39 anos esteve a ser entrevistada por Daniel Oliveira para o "Alta Definição", numa das salas do Pestana Cidadela Cascais, a vila onde cresceu (e onde, em 2014, se casaria com David Olsen). Vem com um ramo de flores na mão, veste calças de ganga, t-shirt, um casaco e calça umas botas que, confirmaremos depois, nos pareciam estranhamente familiares.
O ar de "girl next door" que conquistou os portugueses primeiro, e depois o mundo, mantém-se, apesar de esta Daniela estar quase a fazer 40 anos e ser mãe de duas crianças (River, de 9 anos e Sierra, de 6). Bebe um galão (um galão mesmo, à portuguesa) e tem a descontração e o foco que só mais de uma década a trabalhar na meca do cinema e da TV conseguem dar a um profissional do entretenimento. A viver nos Estados Unidos há quase 16 anos, a atriz luso-americana faz um balanço das 14 temporadas de "Investigação Criminal: Los Angeles" (transmitida entre nós na FOX e cujo último episódio será emitido nos Estados Unidos em maio) e revela quais os planos para o futuro.
Como é que o Daniel Oliveira [diretor geral de Entretenimento do grupo Impresa] a convenceu a fazer “Os Traidores”?
Não precisou de muito! Eu já era fã do formato e quando o Daniel me perguntou se eu tinha interesse em apresentar a versão portuguesa, não pensei duas vezes. Há três coisas que eu gosto de concretizar quando aceito um trabalho. E surgiram mais porque, ao fim de 14 anos numa série, e a fazer 40 anos este ano, já tenho outra expectativa da vida profissional. Um trabalho tem que ser uma coisa boa para ter no meu currículo, a parte financeira, obviamente, e a parte criativa. À partida, os trabalhos que aceito hoje em dia têm de concretizar duas dessas coisas e “Os Traidores” fizeram exatamente isso.
Foi uma boa forma de fazer um corte com o “Investigação Criminal: Los Angeles”?
Claro! Mesmo dentro da apresentação, que já tenho feito bastante nos Estados Unidos sobre os anúncios do SuperBowl, isto é um projeto completamente diferente. Porque envolve um guião — o programa tem de ter uma estrutura, e as missões que os concorrentes fazem têm de estar pré-organizadas — mas, ao mesmo tempo, há a vertente do reality porque os episódios são adaptados àquilo que aconteceu na noite anterior. E são os concorrentes que escolhem o que acontece. Tanto na mesa redonda, onde votam para alguém sair, como os traidores selecionados, que vão ‘assassinar’ uma pessoa todas as noites. E nós não podemos prever o que é que elas vão escolher.
Grande parte das gravações já aconteceu. O que é que retira, para já, desta experiência?
O mais difícil foi não poder conviver com os concorrentes. Eles estão sempre isolados, a única vez que interagem com os outros ou é nas missões, em que o objetivo é trabalharem em conjunto, porque sempre que conseguem concretizar uma das missões ganham mais prata para o prémio final, que uma ou duas pessoas vão ganhar; e depois, há as salas de reality onde eles convivem uns com os outros, onde vão tentar perceber quem são os traidores, onde fazem as suas alianças e manipulações. De resto, andam vendados pelo hotel para não verem por onde andam, estão isolados do mundo, não falam uns com os outros, não falam com a equipa técnica, para não serem influenciados por ninguém. Eu sei muito sobre a vida de cada concorrente, mas cabe-lhes a eles partilhar isso com os outros concorrentes ou não.
A Daniela entra no formato como uma anfitriã.
Mestre de cerimónias. Introduzo as missões, explico ao público em casa o que vai acontecer a seguir, porque acredito que possa haver uma vertente um bocadinho confusa. Porque todos os dias saem duas pessoas. O apresentador tem de manter o tom do jogo: mistério, desafio…
Vai encarnar aqui uma persona.
100%. Apesar de estar assinar como Daniela Ruah, estava muito em personagem, a gozar mesmo com as falhas e com os “assassinatos”.
O termo reality show, à luz da realidade televisiva portuguesa, é capaz de ser um bocado redutor para designar este programa.
Reality aqui, e em qualquer lado, significa que as pessoas dizem, fazem o que querem, tomam as decisões que querem, tal como em qualquer conceito de reality. A diferença é que este reality é baseado simplesmente no jogo e não na vida pessoal dos concorrentes. Acho que é isso que faz com que o programa sobressaia do típico reality. Eles têm um objetivo, trabalhar em conjunto, mas também uns contra os outros. Isto é um estudo de psicologia humana brilhante. Eles começaram todos uns contra os outros e, depois, começaram a criar laços de amizade verdadeira dentro do jogo. Foi uma coisa muito bonita de observar. Não digo que tenha estragado o jogo, mas é ver os próprios traidores sentirem-se magoados. Eles diziam várias vezes em voz alta, tanto na mesa redonda como a eles próprios, ‘isto é só um jogo, isto não quer dizer nada na vida real’. Mas é difícil, quando somos pessoas de integridade e boas pessoas, separar as coisas.
A guerra de audiências entre SIC e TVI está ao rubro. Isso traz-lhe uma pressão acrescida ou não está nem aí?
Nunca liguei nem nunca vou ligar. Eu vim cá para fazer um trabalho que preenche aquilo que eu espero de qualquer trabalho. Diverti-me imenso e espero que tenha boas audiências, mas isso esperamos sempre (risos)! No “Investigação Criminal” também esperava, nas outras coisas que apresento também espero que sim. Queremos sentir que estamos justificados em aceitar um certo trabalho mas, fora isso, é o que é.
Este trabalho é o primeiro de colaborações mais frequentes com a SIC?
Eu não tenho alianças particulares a canal nenhum. O trabalho que me interessar é o trabalho que aceitarei.
"'['Investigação Criminal: Los Angeles'] foi um casamento lindo, foi feliz, mas chegou o momento em que tinha de acabar"
O que é que trouxe da Kensi Blye, a sua personagem da série “Investigação Criminal: Los Angeles” ?
Tudo o que tenho vestido neste momento é da Kensi, menos o casaco. T-shirt, calças de ganga, as botas. Não se vê aqui, mas tenho esferovite na sola do sapato e isto é posto no sapato pela equipa de som para não fazer barulho a entrar na sala. As botas da Kensi foram muito utilizadas, mas não consegui resistir porque são confortáveis. Os meus filhos que, como muitos sabem, nasceram quando eu estava a gravar. O meu filho na quinta e a minha filha na oitava. E achei piada trazer um crachá de identificação da Kensi, um para cada um.
As gravações de “Investigação Criminal: Los Angeles” já terminaram e o último episódio é emitido a 21 de maio nos Estados Unidos. Como foi digerir este ‘divórcio’ na sua carreira?
Já usei essa palavra tantas vezes em relação a este assunto! Foi um divórcio amigável. Ou seja, foi um casamento lindo, foi feliz, mas chegou o momento em que tinha de acabar. Até me incomoda quando dizem que a série foi cancelada. Mas como é que se cancela uma coisa que já dura há 14 anos? Não foi cancelada, foi posta a descansar (risos)!
Se fosse para ser cancelada já tinha sido há mais tempo.
Cancelar é porque ou não teve audiência ou porque é demasiado cara para produzir, o que quer que seja. Eu não considero isto um cancelamento. Considero que chegou ao fim, pura e simplesmente. Eu fiquei surpreendida com a 13.ª temporada, não achava que ia acontecer, portanto a 14.ª já foi assim ‘wow’. Somos a 14.ª ou 15.ª série mais duradoura da história da televisão americana, o que é um feito enorme. Criativamente, eu já estava muito pronta para passar para outras coisas. Fiquei feliz, nada desapontada. Só fico triste de não ver esta equipa todos os dias.
Fazer uma série para uma cadeia de televisão com potencial de ter muitas temporadas é a sorte grande para um ator que quer ter uma vida estável? Nós temos uma ideia um bocado romântica do trabalho dos atores mas, quer seja nos Estados Unidos, quer seja cá, é uma profissão muito instável.
Claro, porque o facto de durar tanto tempo não tem que ver com alguma coisa que eu possa fazer sobre o assunto. A única coisa que eu posso fazer é interpretar a personagem o melhor possível, não ser um trabalhador que dá trabalho, ou seja: não chegar atrasada, não estar constantemente a refilar, não ser mimada e trabalhar em equipa. O elenco todo e a equipa técnica toda conseguiu fazer isso desde muito cedo. Nunca ninguém sobressaiu como sendo a ‘estrelinha’. Sempre trabalhámos mesmo em equipa e isso também fez com que a CBS nos mantivesse no ar. Tínhamos boas audiências e nas próprias palavras do David Stapf, um dos diretores da CBS, ‘vocês são a série que menos trabalho nos deu’. Não havia queixas aos recursos humanos, não havia nada disso. Nós facilitamos-lhe a vida e eles facilitaram-nos a vida. Fez todo o sentido.
O que planeia fazer após “Os Traidores”? Vai voltar aos castings?
Sim, claro. Aliás, já voltei. Enquanto estava a gravar “Os Traidores” recebi para aí 20 páginas para três castings diferentes. Estava exausta e a tentar fazer uma tape. Não tinha luz nenhuma no quarto, aquilo ficava uma coisa um bocado ridícula, mas lá mandei (risos). Já tenho umas coisas alinhadas e comprei os direitos de um livro que quero transformar numa longa-metragem. É de uma ex-jornalista, é uma história de ficção que tem um fundo histórico verdadeiro. Comprei o livro para ler aos meus filhos, assim que li a primeira páginas percebi que não era para a idade deles porque é para jovens adultos. Li o livro, gostei do que li na primeira página e apaixonei-me completamente pelo livro. Nunca pensei querer produzir as minhas longas-metragens. Um dia talvez entre no mundo das séries mas, de momento, estou investida em tentar fazer uma longa-metragem.
"Como qualquer mãe, há momentos em que penso ‘falhei! Isto não funciona’."
Vive nos Estados Unidos há quase 16 anos. Como foi atravessar estas eras históricas, políticas e não só, sendo cidadã de dois países?
Passei muito tempo da minha vida sem estar a viver em países que não são de terceiro mundo, de forma saudável e confortável. Quando estudamos a História, vemos ‘uau, aconteceu isto, uau, os meus pais passaram pela Revolução!’. E ouvimos histórias sobre a História que está escrita. E pela primeira vez, nos últimos 15 anos, eu estive presente enquanto a História esteve a acontecer, sabendo que, um dia, os nossos filhos vão saber a História que os pais viveram e estas revoluções todas. Acho que especialmente a minha filha, como rapariga, saber ‘nos Estados Unidos houve uma altura em que o aborto era ilegal? Que ridículo!’. Espero que, na altura dela, as coisas mudem, mas o poder de escolha da mulher sobre o próprio corpo, como é que isto sequer era questão? Tal como nós achamos, relativamente aos anos 80, como era possível que a comunidade LGBTQ fosse banida, ou acharem que a SIDA só afetava os gays. São coisas que nós olhamos para trás e pensamos ‘que retrógrado!’. Mas, no fundo, estamos a passar por uma revolução desse género e é muito interessante vivê-la, estando tanto nos Estados Unidos como em Portugal, que são culturas completamente diferentes, com aceitações completamente diferentes.
Em que medida?
Somos um país católico. À partida conservador. No entanto tu tens a comunidade gay, por exemplo, que interage, vive, ninguém faz alarido. Não me parece um tema que tenha de ser exagerado ou falado, enquanto lá tudo é tema. Parece que toda a gente toma esteroides psicológicos, é tudo um big deal. Aqui, parece que as pessoas têm um bocadinho mais de carinho umas pelas outras.
O [movimento] Me Too. É uma coisa que existe em todo o lado, não haja dúvida nenhuma. Mas é difícil comparar porque aqui em Portugal somos carinhosos, somos de toque, de abraços, cumprimentamos a pessoa que acabámos de conhecer com dois beijos. Se eu tratasse uma pessoa lá como trato cá… ‘tocaste-me no braço? Abraçaste-me? Mas eu não queria esse abraço!’. Aqui nem se pensa duas vezes porque somos pessoas carinhosas. Essa vertente cultural interessa muito na forma como interpretamos as ações de outras pessoas. Tocar no rabo de uma mulher inapropriadamente é igual em todos os países. Ponto final. Mas lá há uma sensibilidade, mesmo ao toque básico. Eu não critico mesmo, cada um sente como se sente. Mas eu tenho de alterar o chip de comportamento lá, comparado com cá. Ao meu marido faz-lhe imensa confusão dar beijinhos a pessoas que não conhece.
O seu marido já adaptou alguns costumes portugueses?
Quando está cá adapta-se, claro. Ele não prefere dar dois beijinhos às pessoas, mas já percebeu que é assim e faz o que se faz cá. Iria sobressair muito mais se não o fizesse (risos). Ele e os meus filhos adoram cá estar. Eu estou sempre a dizer “quando cá estivermos vamos viajar por Portugal, há coisas lindas para ver, para fazer, temos um país com quase 900 anos!’. Não. ‘Eu tenho saudades de Cascais, eu gosto de estar aqui no nosso apartamento, com esta vista’... Pelo amor de Deus (risos)! Agora que os miúdos têm 9 e 6 anos já lhes interessam certas excursões. Quando estivemos a gravar “Os Traidores” passámos por vários sítios históricos, então eu fazia vídeos ou telefonema por Facetime para eles verem, e a minha filha ‘mas isso é um castelo verdadeiro? Mas onde é que está o trono?’. Já lhes interessa, já percebem que há uma riqueza.
Os seus filhos falam português?
Percebem tudo e falam pouco, infelizmente. Passamos a maior parte do tempo nos Estados Unidos, eu falo inglês com o meu marido, no fundo a única prática de português é comigo e, agora, com a minha mãe, que se mudou para lá.
Está orgulhosa do seu trabalho enquanto mãe?
Estou. Claro que, como qualquer mãe, há momentos em que penso ‘falhei! Isto não funciona’. Mas faz parte do trabalho e tento ser o mais honesta possível com eles quando sinto que falhei nalguma coisa. Não lhes minto. Digo mesmo ‘olha, sinto que falhei porque perdi a paciência aqui, gritei, não devia ter gritado, mas o que disse fica. Ou seja, o problema foi este mas não devia ter comunicado a gritar e por isso peço desculpa. Mas o que eu disse, fica’. Às vezes uma pessoa fica cansada, é humana. O meu filho já me disse ‘eu lembro-me de ter feito o que a Sierra acabou de fazer e a ela não dás consequência e a mim deste’.
Que facada!
Eu tenho de parar para pensar porque também já percebi que, quando a outra pessoa tem algum sentimento sobre o que quer que seja, não é justo nem correto dizer ‘o que tu sentes é um disparate’. Não. ‘Tu sentes que há uma razão. Vamos explorar essa razão e deixa ver se a tua perspectiva é realmente o que aconteceu ou talvez possamos comparar e pode ser que não tenhamos entendido’. Mas o que eu lhe expliquei foi que ‘há muitas vantagens de ser o filho mais velho, mas há uma desvantagem: a mãe e o pai aprendem a ser pais contigo e há coisas que fizemos contigo que percebemos que não ficaram bem feitas e não vamos repetir o mesmo erro com a tua irmã. Havemos de fazer erros novos’ (risos). E ele assim percebeu de uma forma lógica que não foi por amar um mais do que o outro de maneira nenhuma, mas sim que fomos aprendendo à medida que fomos fazendo, tal como ele irá fazer com a família dele.
Para quem é uma estrela internacional, a Daniela tem a postura mais descontraída de sempre em relação às redes sociais.
É porque não tenho a máscara posta. Não tenho a pressão de usar uma máscara. Agora, n”Os Traidores”, o stylist Filipe Carriço passou as passas do Algarve porque eu visto-me como estou neste momento: calças de ganga, botas ou ténis e uma t-shirt. E o casaquinho é só para ficar bem aqui na entrevista. Eu gosto de me vestir bem, mas tenho um estilo muito particular quando me estou a representar a mim própria. Se eu estiver a fazer uma sessão fotográfica para uma revista, aí não sou eu. Aí, ponham-me o que quiserem, ridículo ou não, faz parte. Há coisas que fazem parte do trabalho, mas para as quais eu tenho dificuldade em dar a minha energia, que é na parte da moda.
Mas isso é fixe. Não ser a sua cena também é a sua cena.
Mas eu também sei que tenho um corpo que dá para a parte de modelo, sou alta, etc. Os estilistas pensam ‘aqui ficava bem isto e aquilo’ e eu ‘hmmmm, não quero! Não tens aí uma t-shirt?’ (risos). É capaz de ser a única coisa em que, profissionalmente, me considero difícil. Na parte de me vestirem.
Em relação às redes sociais, os números são cada vez mais importantes, mas a Daniela tem mesmo uma postura muito relaxada em relação àquilo.
Eu não gosto de postar quando não tenho razão para postar, vamos pôr assim as coisas. A comparação que eu faço é: eu não gosto de jogar na Bolsa porque ficaria com um stresse enorme. Todos os dias tenho que ir ver, todos os dias tenho que ir verificar, para ter a certeza de que a aposta que eu fiz vai fazer sentido. Faz-me um stresse e uma confusão ao cérebro que eu não sinto necessidade nenhuma de ter. E jogar com os números das redes sociais faz-me sentir da mesma forma. Quando eu tenho de postar porque tenho um trabalho para promover ou estou de férias e apetece-me partilhar com o mundo que estou bem, com os meus filhos, posto. Mas eu não consigo postar por postar. Logo, às vezes, desapareço durante um mês porque não senti necessidade e, de repente, posto 10 fotografias.
Vê-se a viver definitivamente cá em Portugal?
Nunca posso dizer nunca mas, nos próximos anos, não me parece que faça sentido mudar-me para cá a tempo inteiro até porque a vida do meu marido também é lá. Quero continuar a investir na minha carreira lá, e como continuo a vir cá sempre de férias para passar tempo com a família e a trabalhar nos projetos que me são importantes, não sinto necessidade de vir para cá a tempo inteiro.