As primeiras frases de Taylor Swift tocam até o mais frio dos corações — Voldemort incluído. Sem querer entrar em spoilers, que vomite na caixa de comentários palavras de ódio quem nunca sentiu a pressão de querer agradar aos outros. Viver segundo o escrutínio de outrem é difícil, doloroso e praticamente impossível de aguentar, mas é uma realidade que todos nós experenciamos pelo menos uma vez na vida — nem que seja nos tumultuosos tempos da adolescência.

Taylor Swift agarra-nos nos primeiros minutos de "Miss Americana”, o documentário de 1h25 que chegou à Netflix a 22 de janeiro. E não é preciso ser fã da cantora de 30 anos (achava que ela tinha 25? Eu também, mas já vai nos 30) para se sentar no sofá e ser completamente arrebatado pela história da miúda gira que começou por cantar música country.

Em primeiro lugar, contexto: Taylor Swift era-me completamente indiferente até ver “Miss Americana”. Com exceção das vezes em que abanei as ancas com as amigas ao som de “Shake it Off”, a miúda loira era, para mim, apenas uma miúda loira. Gira, com uma voz simpática, pop, nada de especial — mais uma no meio de todas as outras.

Não vamos discutir a parte musical. Continua a ser uma miúda gira, pop e com uma voz simpática, cuja musicalidade pode ser discutível para muitas pessoas. Compreendo, aceito, não é essa a questão: o mais interessante neste documentário é ver como há um ser humano atrás dessa personagem criada para agradar ao público, sobretudo quando até estamos perante alguém com o qual é-nos fácil identificar.

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Não há nenhuma tentativa de romancear a história dela. Esqueça a história trágica, o passado obscuro, um qualquer vício que a tenha colocado numa clínica de reabilitação. Taylor Swift é uma pessoa igual a tantas outras, com a única diferença que desde que era miúda que sonhava ser cantora. E conseguiu, de uma maneira que ninguém estava realmente à espera: antes de se virar para a música pop, ela alcançou a fama trazendo o country para as bocas do mundo. E isso foi tão surpreendente como impressionante.

A questão é que ela era apenas uma miúda que queria agradar aos outros. E, de repente, sem que nada o fizesse prever, viu-se envolvida numa polémica com Kanye West que perdura até aos dias de hoje. E, de repente, sem que nada o fizesse prever, passou de adorada a odiada — ao ponto de a hashtag #taylorswiftisoverparty, criada com o único intuito de dizer ao mundo que ela era má pessoa, ficar em primeiro lugar nos assuntos mais comentados do Twitter.

E, também de repente, também sem que nada o fizesse prever, passou a ter fama de rodar namorados como quem roda vestidos. E, novamente de repente, mais uma vez sem que nada o fizesse prever, viu-se em tribunal a acusar um homem por assédio sexual.

Toda a gente é capaz de se recordar destas polémicas — ou pelo menos de uma ou outra, foram de tal forma faladas que é praticamente impossível não ter pelo menos conhecimento de que elas existiram. O mais interessante neste documentário é recordar aquilo de que tantas vezes nos esquecemos: há um ser humano do outro lado.

Taylor Swift não se tenta defender de nada do que aconteceu. É óbvio que as imagens apresentadas são tendenciosas, e levam-nos a simpatizar com ela no desenrolar dos acontecimentos. Mas a realidade também é suficientemente clara para nos fazer entender como é tão fácil destruir alguém na era digital, sem nunca parar para ponderar que aquela pessoa pode estar do outro lado a ler-nos. Na pior das hipóteses, mas sempre possível, as nossas palavras podem deixá-la à beira da auto-destruição.

Ela foi arrasada publicamente por Kanye West, destruída nas redes sociais, gozada (e maltratada) por ter vários namorados e acusada de mentir num caso de assédio sexual — ainda por cima quando o caso foi bastante público e até havia uma prova fotográfica. A miúda que só queria agradar, lembra-se desse ponto, certo? Como é que ela lidou com isso, bem, é abrir a Netflix e atirar-se a "Miss Americana".

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Uma última nota para a vertente feminista e ativista de Taylor Swift. Ela é a prova de que não podemos fugir para a sempre, sobretudo se o nosso objetivo é tornar o mundo num lugar melhor. No caso do assédio sexual, e como sempre, ninguém se colocou no lugar da vítima. E ela mostra o quão solitário esse sítio é.

Quando se apercebeu de que o seu estado estava prestes a cair nas mãos de um político que era contra os direitos das mulheres e dos homossexuais, a cantora também tomou a audaz decisão de se envolver. Contra tudo e contra todos, decidiu ignorar todos os conselhos que alguma vez lhe deram e tomar uma posição política pública. Não o fez para ganhar seguidores, fê-lo porque acreditava realmente naquilo que decidiu dizer aos seus fãs. E a isso, minha gente, chama-se coragem.

Taylor Swift, a festa ainda não acabou. Na realidade, está apenas a começar. Shake it off daqui para a fora com os haters, acabaste de ganhar uma fã.