Do Sr. Feliz (metade da dupla que formava com Nicolau Breyner, o sr. Contente) à Bicha Festivaleira (a personagem histriónica que nasceu no Instagram) distam 50 anos. São cinco décadas de personagens humorísticas, criadas e encarnadas por Herman José.

Aquele que é o maior artista português vivo vai ser duplamente homenageado pela RTP. A estação pública de televisão anunciou que vai celebrar não só os 50 anos de carreira de Herman José, em 2024, mas também assinalar o 40º aniversário de "O Tal Canal", programa de humor que se estreou em 1983, e em relação ao qual Herman teve, ao longo dos anos, uma relação contraditória.

"O Tal Canal" estreou-se em 1983

"Há uns anos, não estava muito bem colocado [no top de favoritos]. Eu olhava para aquilo muito desconfiadamente e não gostava daquela personagem porque lhe conhecia todas as limitações. Passado este tempo todo, olho com o maior espanto para o programa. Para o timing, para o conteúdo, para o esforço de escrever sozinho", conta Herman José.

"Há bocado puseram um bocadinho da atuação do Rui Veloso a cantar o 'Chico Fininho'. O som era em direto, foi gravado numa altura em que ninguém fazia televisão com som direto de qualidade. Está tão à frente no tempo que sou obrigado a colocá-lo em primeiro lugar, ex aequo com um programa que fiz na passagem de ano [de 1990 para 1991], 'Crime na Pensão Estrelinha'. Sou obrigado a tirar o chapéu a essa fase", salienta o humorista de 69 anos.

À margem da apresentação das novidades de grelha da RTP, na qual foi confirmado o regresso de "Cá Por Casa com Herman José", o humorista contou que vai participar na homenagem que lhe será feita em 2024. "Vou ter de fazer qualquer coisa comemorativa dos 50 anos, um espectáculo numa sala grande qualquer", começa por explicar, salientando que tem sentimentos contraditórios em relação ao ano em que também celebra 70 anos. "A minha relação com a data é de amor-ódio. É muito giro mas terrivelmente inquietante. É como a minha mãe, que me pergunta todas as semanas 'é verdade que já tenho 90 anos?'", contou aos jornalistas presentes no evento que aconteceu esta quarta-feira, 13 de setembro, no Capitólio, em Lisboa.

Herman José no evento de apresentação das novidades da RTP para os próximos meses
Herman José no evento de apresentação das novidades da RTP para os próximos meses créditos: Pedro Pina / RTP

O humorista confessa que, quase a completar 70 anos, voltou a ter a "ingenuidade" do início da carreira. Que, admite, perdeu na fase em que foi empresário. "Uma estupidez. Não sei porque é que os artistas pensam que têm de ser empresários. Não têm. Fui profundamente infeliz, perdi imenso dinheiro, o que é muito bem feita. Na minha fase SIC foi horrível, foi complicadíssimo ser também produtor de um barco gigantesco porque pagava ordenados a 70 pessoas. Foi uma fase muito complicada", recorda, referindo-se à década de 2000, antes do regresso à RTP, em 2011.

"Há uma altura que paro para perguntar. 'Se eu já fui tão feliz porque é que não estou a ser agora?' Depois lembrei-me que era feliz porque fazia aquilo que gostava, que era ir para os sítios fazer espetáculos". O regresso à estrada acontece em 2008 e mantém-se até aos dias de hoje, com uma agenda preenchida que inclui tanto atuações em festas populares como em festivais como o NOS Alive.

Herman José no palco do NOS Alive, em 2022
Herman José no palco do NOS Alive, em 2022 créditos: RTP

"Era muito tonto, uma espécie de loura burra. Não percebia nada de nada. Queria era música"

Herman José estreou-se no pequeno ecrã "dois meses antes do 25 de abril, num programa do Artur Agostinho chamado 'No Tempo em que Você Nasceu'". A 27 de janeiro de 1974, o País (ou aquela parte que tinha a sorte de ter acesso a um televisor) ficava a conhecer Herman José. Dois meses mais tarde, em pleno programa, a revolução também passava pela televisão.

"Assisti ao 25 de abril em pleno programa. Deu-se a revolução. O Artur Agostinho era, supostamente, um artista a abater. Mentira, não era nada mas, nessas ocasiões, há muito fogo amigo e muitas pessoas são destruídas. Assisti àquelas primeiras tensões", recorda Herman, dizendo que era "muito tonto, uma espécie de loura burra" no que toca a questões político-partidárias no pós-Revolução dos Cravos. "Não percebia nada de nada. Queria era música. Comecei a ganhar dinheiro, tocava com toda a gente. Sou uma das vozes do hino do Avante'. Estava a gravar o hino e pergunto à Luísa Basto 'Isto tem alguma coisa a ver com o Partido Comunista. Ao que ela me responde 'tenha juízo, poucas gracinhas!'", recorda.

A dupla com Nicolau Breyner permitiu-lhe comprar o primeiro apartamento "e ter vida" e o "Passeio dos Alegres", em 1980, dá-lhe a oportunidade de criar a sua primeira personagem, o cantor romântico Tony Silva. "O Tal Canal", o primeiro programa criado de raiz por Herman José, que retratava a emissão de um canal fictício, estreou-se em outubro de 1983.

A chegada dos 70 anos não tem impacto na saúde, garante Herman. "Pessoalmente não sinto nada mas sinto à minha volta. Olho para pessoas utilíssimas que trabalharam comigo. Uns estão encostados à box por razões de saúde, outros desapareceram rapidamente, outros perderam a convicção e a felicidade e esse lado é muito inquietante. Tenho pena que seja assim", diz.

A "doce inconsciência" herdada da mãe, Odette Krippahl, faz Herman ver "constantemente em tudo o copo meio cheio". "Estou tão preocupado com a minha vida, com as pessoas que me rodeiam e com o meu trabalho, e tão grato por as coisas correrem bem, que a parte desagradável não chega para estragar a felicidade do dia a dia", garante. "Estou neste momento a viver uma das fases mais simpáticas da minha vida e, por ventura, mais unânimes. A passagem do tempo faz com que as pessoas olhem para nós com um certo carinho e nos deem os tais aplausos à Ruy de Carvalho", afiança o humorista.