Interrompa-nos se isto lhe parecer familiar: num mundo cada vez mais dominado pelas novas tecnologias, uma mulher descobre ser capaz de, através de um portal mágico, entrar para dentro das publicações de Instagram da sua influenciadora digital favorita. Neste novo universo, que se confunde entre a farsa e o real, esta mulher vê aqui a oportunidade perfeita de viver uma vida que lhe parece de sonho e que sempre quis: repleta de excentricidade, coisas boas e experiências únicas.
Sem mais contexto, bem que podia ser a sinopse de um qualquer episódio de "Black Mirror", mas é na verdade a premissa de "Instaverso" — a série distópica da RTP que discorre, como tantas outras produções do mesmo género até agora, sobre de que forma é que o uso indevido da tecnologia pode moldar a forma como nos relacionamos em sociedade e quais as consequências. E nestas séries, há sempre consequências.
Nos papéis principais a série conta Beatriz Barosa e Teresa Tavares, que dão vida a Maria e Inêsperada, respetivamente. Enquanto Inêsperada é uma influenciadora digital virada para o lifestyle, com publicações coloridas e sempre focadas no lado bom da vida, Maria é a seguidora fiel que está sempre atenta às novas publicações de uma figura que idolatra.
"Adorava ir a Nova Iorque, a Bali ou a Ibiza... Mas só fui duas vezes ao Algarve", ouve-se Maria dizer enquanto vasculha o perfil da sua musa. E é este o ponto de partida para entender a obsessão doentia que a une a uma pessoa que nunca conheceu mas que, por aquilo que a vê projetar na internet, lhe parece viver sem problemas ou preocupações.
Só que quando a admiração se transforma em obsessão, o jogo muda. Maria é transportada (literalmente) para o perfil de Instagram de Inêsperada e começa a viver uma vida que, pelo menos naqueles moldes, só existe e só é sustentável no meio digital, porque é fabricado e camuflado para transmitir a ideia de perfeição.
Inêsperada, por sua vez, apercebe-se da invasão quando, no seu feed, descobre uma fotografia em que se encontra ao lado de uma mulher que nunca conheceu. Essa, adivinhou, é Maria.
Enquanto os dois mundos se vão misturando entre si, Maria questiona a sua vida real e Inêsperada a sua vida virtual. É que, sabemos mais tarde, há uma pressão constante para continuar a publicar e a transmitir a ideia de perfeição aos seus milhares de seguidores — mesmo que essa seja uma noção completamente desfasada daquilo em que acredita.
Mas porque o desenvolvimento de personagens precisa sempre de um mecanismo narrativo para que a ação não se perca, Miguel, interpretado por Luís Garcia, o namorado de Maria, não compreende o seu desaparecimento e lança-se numa busca sem precedentes para a encontrar.
As comparações com "Black Mirror" são inevitáveis, talvez porque foi a última grande série a popularizar este conceito de cautionary tale (histórias que sirvam de alerta, em português) para os perigos dos avanços tecnológicos que marcam todo o século XXI.
Mas as semelhanças ficam-se pelo conceito, porque a linguagem estética em nada se parece com "Black Mirror", naquilo que deverá ter sido uma tentativa de assumir uma identidade própria. Não é tão negra, quer em tom ou em ambiente, como à que irá, invariavelmente, ser sempre comparada.
"Instaverso" será, certamente, uma sugestão interessante para quem aprecia este tipo de histórias que, apesar da popularidade, foram-se tornando um bocadinho moralistas e exageradas demais em alarmismo.
É que, regra regra, a mensagem inicial não passa do velho chavão de que a tecnologia é má, assustadora, alucinante e perigosa. Mas e o que dizer das pessoas que a usam e que, geralmente, são muito pouco desenvolvidas (bem como as suas motivações) para os desfechos alucinantes que geralmente acabam por protagonizar?
Talvez esteja aí o fator diferenciador de "Instaverso" ao querer responder a isso mesmo. Mas com apenas um episódio disponível, que já pode ser visto na RTP Play, ainda é cedo para dizer.
Apesar de tudo, fica a certeza: a história não compromete e o trabalho de construção de personagens parece sólido e complexo o suficiente para garantir espectadores a cada semana. E numa altura em que cada produção compete com milhares de outras, nacionais e internacionais, ao mesmo tempo, diz muito.
A série estreou-se a 20 de abril na RTP Play e é de lançamento semanal, sempre às segundas-feiras.No total, são apenas cinco episódios de 15 minutos cada com um elenco composto por nomes como Pedro Lacerda, Luís Garcia, Beatriz Barosa e Teresa Tavares. Além disso, "Instaverso" tem ainda participações especiais de Nuno Markl e Sónia Araújo.