Para cada grande produção como “A Guerra dos Tronos”, há cinco ou mais séries que passam despercebidas e que não são conhecidas ao ponto de se tornarem assunto de conversa em jantares de amigos. “The Americans”, terminado em 2018 e considerado pela crítica como um dos melhores (e mais desconhecidos) títulos dos últimos anos, é só um exemplo.
Todas as semanas, a MAGG traz-lhe uma sugestão imperdível na nova rubrica “A série que ninguém está a ver”, com o objetivo de dar a conhecer algumas das produções com menos visibilidade — mas que merecem tantos ou mais elogios como outras populares.
A série desta semana arrancou em 2014 e terminou três anos depois, em 2017. Ganhou poucos prémios (quatro, inclusive um Peabody em 2016) e desde então que foi sendo esquecida e posta de parte das listas de melhores séries de sempre. Falamos de "The Leftovers", a série da HBO que, apesar da quebra significativa de audiência após a primeira temporada, é já considerada uma produção de culto e vista como a redenção de Damon Lindelof após o final polémico de "Lost".
São poucas as séries que alguma vez me fizeram chorar. A da HBO foi talvez a única que não consegui ver de seguida, que me obrigou a longas pausas entre episódios e a respirar fundo antes de começar um novo capítulo da história. A explicação, uma de muitas, está na narrativa que conta e no impacto que aquilo tem não só nas personagens, mas também nos espectadores.
A série arranca com a exposição de um mundo novo: dois por cento da população mundial desapareceu de um segundo para o outro e os que ficam são obrigados a fazer o luto de família, amigos e conhecidos que não sabem para onde foram e que, muito provavelmente, nunca voltarão a ver.
Pior? Não há uma explicação para o acontecimento que fica conhecido como The Sudden Departure (em português, "O Desaparecimento Repentino").
Ao contrário de outras séries de segunda que tentaram idealizar cenários apocalíticos e devastadores que nos levem a questionar o mundo em que vivemos e a ordem social pela qual nos regemos, "The Leftovers" nunca cede ao facilitismo de explicar o que causa o desaparecimento. O foco são as personagens a quem são retiradas todas as possibilidades de se reconciliarem com o que aconteceu e que, por isso mesmo, devem tentar seguir com as suas vidas da melhor forma que lhes for possível.
E o novo mundo é de luto, de incompreensão. Mas também de fé. Embora tenha um elenco de luxo e as três temporadas estejam bem estruturadas, porque é que foi tão esquecida?
A explicação, uma de muitas, é passível de ser acusada de ser elitista. Mas se "Watchmen", também de Damon Lindelof, irritou espectadores porque os fez chafurdar no racismo patente da sociedade americana, "The Leftovers" perdeu-os por ser desafiante.
Porque uma série focada num evento de proporções bíblicas e no luto dos que ficam precisa de investir no desenvolvimento de cada personagem ao longo dos episódios — e isso tem tanto de desafiante como de imprevisível. E o que é imprevisível e difícil de digerir nem sempre agrada ao espectador comum que procura, acima de tudo, ser entretido enquanto vê televisão.
Estruturalmente, "The Leftovers" é complexa ao apostar em flashbacks constantes que explicam toda a história por detrás de uma determinada personagem. Emocionalmente, é devastadora porque além de nos ser próxima (o luto aproxima-nos), é acima de tudo uma história de pessoas — que, confrontadas com a tragédia, precisam umas das outras não para salvar o mundo, mas para o tornar mais habitável. Para que faça mais sentido no meio do caos e da dor.
As três temporadas são perfeitas e a qualidade do argumento só foi aumentando de episódio para episódio, o que é difícil para uma série que tinha tudo para acabar como "Lost".
Além disso, não me lembro de um protagonista masculino (Justin Theroux) tão frágil e tão vulnerável em televisão que não tivesse medo de quebrar, expondo-se, o estereótipo castrador de que os homens não choram.
"The Leftovers" é para ver com estado de espírito certo e com a consciência de que, ao longo da série, são muitos os murros no estômago que se seguem. Mas o final, e que final, compensa tudo isso.
E nunca a canção do genérico (o da segunda temporada) foi tão elucidativo quanto ao que esperar da história que mói e destrói quem a vê: "Toda a gente pergunta de onde e quando é que eles vieram. Todos se preocupam com o destino que vão ter quando tudo acabar. Mas ninguém sabe ao certo e, para mim, tanto faz. Vou simplesmente deixar o mistério a pairar no ar."