"The Code" é, de acordo com os principais sites de apostas do Festival Eurovisão da Canção, a favorita à vitória da 68ª edição do certame. A canção representante da Suiça, país que já venceu a Eurovisão por duas vezes, em 1965 e 1988, é interpretada por Nemo Mettler, cujo nome artístico é apenas Nemo.
Com 24 anos, Nemo, natural do cantão bilíngue de Berna (onde se fala francês e alemão), assumiu-se como pessoa não-binária em novembro de 2023, em entrevista ao jornal "Tages Anzeiger". "Não me sinto nem homem nem mulher", disse o artista. A viver em Berlim, na Alemanha, desde 2021, Nemo diz que a vida como pessoa não-binária neste país é mais fácil. "Na Suíça, toda a gente me diz constantemente o que é que eu sou", salienta.
Quatro meses antes de a SRF, a televisão pública suíça, ter escolhido o artista para representar o país na Eurovisão, Nemo recorria às redes sociais para explicar a sua identificação como pessoa não-binária. Esse momento coincidiu também com o lançamento da música "This Body", que fala também sobre esse processo de descoberta de identidade.
"Esta canção é sobre não nos sentirmos em casa no nosso próprio corpo e sobre lidar com a vergonha internalizada sobre a identidade de género. Não me identifico nem como homem nem como mulher. Sou apenas Nemo. Gosto de pensar no género como uma galáxia, imaginando-me como uma pequena estrela, flutuando algures. É aí que me sinto eu. Ao chegar à idade adulta, comecei a sentir que algo em mim era diferente. A forma como as pessoas me viam não se alinhava com o meu eu autêntico. Graças às vozes e às histórias de outras pessoas queer, comecei a juntar as peças do meu próprio puzzle, percebendo que existia um lugar para mim além do binário", explicou na altura.
Em março passado, a SRF, televisão pública suíça anunciou Nemo e "The Code" como representantes do país na Eurovisão 2024, que acontece de 7 a 11 de maio em Malmö, na Suécia. No ano em que se assinalam 50 anos da vitória dos Abba na Eurovisão, com "Waterloo", a música favorita deste ano também fala de batalhas, mais pessoais. "The Code", que mistura vários géneros musicais, desde ópera a trap, passando por drum and bass, aborda a superação da batalha pela identidade e o processo de "quebrar códigos".
"'The Code' é sobre a viagem que comecei quando me apercebi que não era nem homem nem mulher. Encontrar-me foi um longo e difícil processo para mim. Mas nada sabe melhor do que a liberdade que ganhei ao perceber que sou uma pessoa não binária", disse o artista em comunicado oficial da SRF. Caso vença esta edição da Eurovisão 2024, Nemo sucede a Céline Dion que, em 1988, venceu o certame representando a Suíça, com a canção "Ne Partez Pas Sans Moi".
Organização criticada pela participação de Israel
Eurovisão não é Eurovisão sem polémica e a edição deste ano não é exceção. Em 2022, após a invasão da Ucrânia, a União Europeia de Radiodifusão anunciou a suspensão da Rússia do Festival Eurovisão da Canção. Isto fez com que, no ano seguinte, se concretizasse a saída das operadoras de rádio e televisão da UER, decisão que fez com que esta entidade suspendesse todos os direitos de transmissão e participação russa na Eurovisão. Dois anos depois do início da guerra em solo ucraniano, dificilmente haverá, num futuro próximo, um regresso da Rússia ao certame.
Mas o mesmo não se passa com Israel, participante no Festival Eurovisão da Canção desde 1973. Apesar dos apelos internacionais ao boicote à participação do país, atualmente a liderar uma ofensiva na faixa de Gaza que já matou 35 mil pessoas, a UER tomou uma posição favorável à participação israelita. Houve, no entanto, a necessidade de reescrever várias vezes a letra da candidata israelita, uma vez que as versões iniciais continham claras mensagens políticas, o que é proibido pelo regulamento do festival.
"Hurricane", interpretado por Eden Golan, não deverá ter a melhor das receções na Malmö Arena. Isto porque, apesar dos esforços da UER de manter a Eurovisão uma competição apolítica, nove artistas que participam na edição deste ano - entre os quais Nemo e a portuguesa Iolanda, assinaram um manifesto sobre a situação em Gaza. Embora não se oponham diretamente à participação de Israel na Eurovisão, os artistas pedem "paz, um cessar-fogo imediato e duradouro e o regresso em segurança de todos os reféns". "Estamos contra todas as formas de ódio, incluindo antissemitismo e islamofobia", pode ler-se. O Hamas mantém, desde o ataque de 7 de outubro de 2023, mais de uma centena de reféns israelitas.
O ambiente tenso que se vive nas vésperas de mais uma edição da Eurovisão levou a que, a 9 de abril, a UER emitisse um comunicado a condenar "campanhas de ódio nas redes sociais contra alguns participantes". "Apesar de apoiarmos a liberdade de expressão e o direito de exprimir opiniões numa sociedade democrática, opomo-nos firmemente a qualquer forma de abuso online, discurso de ódio ou assédio a artistas ou pessoas ligadas ao concurso. Isto é inaceitável e injusto, uma vez que os artistas não têm qualquer papel nesta decisão", lê-se ainda na missiva assinada por Jean Philip De Tender, diretor geral executivo da UER.
Iolanda, que atua em 14ª lugar na primeira semifinal, a 7 de maio, viaja este sábado, 27 de abril, para a Suécia. A artista vai tentar conquistar um lugar na final, que se realiza a 11 de maio.