Antonia Gómez, Desireé Hernández e Miriam García tinham entre 14 e 15 anos quando as suas histórias chocaram Espanha e o mundo. As três jovens residiam em Alcàsser, município de Valência, e foi de lá que, a 13 de novembro de 1992, desapareceram sem que ninguém percebesse muito bem como ou porquê. Os seus corpos viriam a ser encontrados 75 dias depois, a 27 de janeiro, e a descoberta deu início a uma investigação sem precedentes na região — que resultou na fuga de um dos suspeitos para Lisboa. Ainda hoje não foi encontrado.
O Caso de Alcàsser, nome por que ficou conhecido, teve tanto de violento como de aleatório. O facto de ter sido um crime que transpôs fronteiras, já que um dos suspeitos passou por vários países depois de a polícia ter lançado uma agressiva caça ao homem, terá contribuído para a atenção mediática atribuída ao caso.
A opinião pública foi sendo moldada pelos meios de comunicação que, por sua vez, geraram no público uma sensação de revolta que era manifestada publicamente à medida que um dos suspeitos permanecia a monte.
As três jovens combinaram ir juntas para uma festa, numa discoteca local, organizada pelos alunos da escola que frequentavam. Para isso, pediram boleia à beira da estrada até que um carro, ocupado por pelo menos dois homens, parou e acedeu ao pedido. Antonia, Desireé e Miriam não chegaram à discoteca e não nunca regressariam a casa.
Por terem saído de casa praticamente sem dinheiro, a hipótese de fuga foi automaticamente descartada pelos pais e pelas autoridades. Nada na história indicava que a falta de notícias das três jovens significasse um ato de rebeldia coletiva e a teoria de rapto ganhava cada vez mais força.
Três meses depois, os corpos das três jovens foram encontrados por dois apicultores que, durante um dia de trabalho, viram um braço a sair da terra. As três raparigas tinham sido enterradas numa sepultura improvisada mas, apesar do estado avançado de decomposição em que se encontravam, o tempo não conseguiu apagar as marcas que os envolvidos no crime lhes deixaram.
Antonia, Desireé e Miriam foram violadas, torturadas e assassinadas. Duas das três raparigas foram degoladas e no bolso das calças de uma delas a polícia encontrou uma receita médica com um nome que revelou ser a pista principal para chegar a um dos suspeitos.
A receita médica que permitiu chegar aos suspeitos
A receita identificava Erique Anglés que, nos meses anteriores ao crime, foi atendido no Hospital La Fe, em Valência, por ter contraído sífilis. As autoridades levaram Enrique e um dos amigos do irmão, Miguel Ricart, que acabou por prestar declarações à polícia de forma voluntária. Todas as pessoas próximas de Enrique eram de interesse — mas foi Miguel quem mais levantou suspeitas.
Além de o carro que conduzia corresponder à descrição que algumas testemunhas fizeram do veículo em que viram as jovens entrar, as declarações de Miguel estavam repletas de contradições. O facto de conhecer Antonio Anglés — irmão de Enrique e um dos criminosos há muito conhecidos da polícia — deixou-o na mira da investigação.
Pressionado pela polícia, Miguel acabou por confessar ser um dos dos envolvidos no crime violento que abalou a região. Segundo a página "El Crimen de Alcàsser", um repositório de material sobre o caso, foi numa primeira declaração que Miguel Ricart confessou que ele e Antonio Anglés deram boleia às três jovens num Opel Corsa e as levaram para uma casa.
Foi aí que as torturaram, violaram e mutilaram. Depois disto, obrigaram-nas a caminhar à luz das velas até uma vala onde as assassinaram com um tiro na cabeça. Nas declarações seguintes, Miguel disse ter sido torturado pela polícia para confessar um crime que não cometeu, mas nunca foram encontradas provas de que o suspeito teria sido agredido pelas autoridades.
Miguel implicou Antonio no crime. E este pôs-se em fuga.
Antonio Anglés fugiu para Lisboa e ainda hoje não foi encontrado
Já era conhecido pela polícia e talvez por isso se tenha posto em fuga assim que soube que o amigo, Miguel, tinha sido detido. No cadastro tinha crimes como roubo, tráfico de droga e agressão, e atualmente integra a lista dos criminosos mais procurados da Interpol pela participação no crime em Alcàsser.
Antonio Anglés nasceu no Brasil em 1966, mas mudou-se para Espanha um ano depois, onde viveu até 1993, altura em que começaram as suspeitas do seu envolvimento no crime. Mas essa foi a última vez que foi visto no país. Depois disso, as investigações dizem que esteve escondido em Portugal — e há testemunhas.
Segundo escreve o "El País", terá sido um agente da unidade de narcóticos da polícia portuguesa que informou que, em meados de março de 1993, Antonio estava em Portugal e se tinha refugiado na zona da Costa da Caparica. Foi aqui que um dos informadores da polícia terá conhecido Antonio, que procurava há vários dias um barco que o pudesse levar ao Brasil.
O informador da polícia revelou que Anglés, que hoje terá 53 anos caso continue vivo, lhe roubou o passaporte e embarcou num navio.
A tripulação, porém, depressa percebeu que Antonio viajava clandestinamente e atirou-o ao mar com um colete salva-vidas. Depois de feita a reconstituição dos seus movimentos, a polícia marítima portuguesa encontrou o colete, mas sem sinais do suspeito.
Desde então que Antonio já foi visto na Irlanda e no Uruguai mas pouco ou nada se sabe sobre onde poderá estar ao certo. Cerca de 26 anos depois, a história insólita de um caso que ainda hoje não encontrou um dos suspeitos é recuperado no novo documentário da Netflix chamado "The Alcàsser Murders".
Com cinco episódios, a nova produção vai mostrar em grande detalhe, e através de entrevistas inéditas, como a polícia conduziu o caso e como os meios de comunicação moldaram a opinião pública.