Assim que o nome do terceiro restaurante do “Pesadelo na Cozinha” foi divulgado, a MAGG rumou a Santarém para conhecer o espaço visitado pelo chef Ljubomir Stanisic na segunda temporada do programa da TVI. Num dia em que as temperaturas ultrapassaram os 30 graus, mesmo já perto do outono, chegámos ao Adiafa perto das 13h e deixámos o calor ribatejano do lado de fora da porta.

Mal entramos, ainda a tempo de ver um grupo de cerca de 10 pessoas ocupar uma das mesas, deparamo-nos com um espaço amplo, bastante tradicional e onde não são evidentes grandes mudanças. Apesar de sabermos que a visita da equipa da produção do “Pesadelo na Cozinha” contempla uma remodelação do restaurante escolhido, no Adiafa não identificamos  as alterações à primeira vista — elas existiram, mas já lá vamos.

Nem meio minuto passa quando reparam na nossa presença à porta e, depois de um simpático cumprimento, 58 deixam-nos escolher uma mesa. Quem nos encaminha à mesma, soubemos depois, é Aires Pinheiro, de 58 anos, o alegre e prestável proprietário do espaço.

A ementa, apenas com 11 sugestões divididas entre pratos e grelhados do dia, contempla hipóteses como vitela estufada com cebolinhas (8€), sardinha assada (8€), bacalhau com mangusto (10€ meia-dose/18€ dose para dois), grelhada mista de porco (8€/11€), entre outros.

As 29 fotos do próximo restaurante de "Pesadelo na Cozinha"
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Optamos pela vitela e pela grelhada mista de porco e, assim que fazemos  o pedido, chega à mesa um cesto de pão e o couvert, que foge às manteigas e queijos fundidos que vemos habitualmente neste tipo de restaurantes. No Adiafa, é servida uma tábua de madeira com cerca de oito pequenas fatias de uma saborosa broa de milho, quatro com uma fatia de queijo de ovelha, duas com uma rodela de morcela e outras duas com rodelas de chouriço — e será este couvert já uma forte influência da visita do chef?

A comida chega à nossa mesa cerca de 20 minutos depois de efetuarmos o pedido, já com a sala mais composta. Longe da sua ocupação total, que pode chegar às 200 pessoas, o Adiafa tem cerca de seis mesas ocupadas, entre o grupo que vimos chegar, alguns casais e ainda uma mesa de quatro pessoas, isto sem contar com várias pessoas ao balcão e na esplanada a consumir cafés e digestivos. Enquanto almoçamos, tanto o dono como outro empregado de mesa vêm verificar se está tudo bem, demonstrando um atendimento prestável e até amigo do ambiente. Quando pedimos uma garrafa de água pequena, o proprietário pergunta-nos se pode ser de meio litro: “É que agora só usamos vidro, evitamos o plástico”, explica-nos.

Tal como uma das críticas ao restaurante que encontrámos na internet, que considerava a comida e o atendimento cinco estrelas, temos uma opinião semelhante. A par com a vitela tenra e bem confecionado, e a grelhada mista bem servida e nada seca (o que nem sempre é fácil para carnes grelhadas), também as sobremesas, arroz doce e mousse de chocolate, eram caseiras e saborosas — e não nos podemos esquecer que estamos a falar de pratos cujas doses estão abaixo dos 10€, sendo a relação preço/qualidade bastante aceitável. Ainda antes de terminarmos os doces, Adelina Pinheiro, 53 anos, cozinheira principal do restaurante, proprietária e mulher  de Aires Pinheiro, também vem verificar se estava tudo bem com a refeição.

É apenas após pagarmos a conta do almoço que nos identificamos como jornalistas, como forma de mantermos o atendimento e a qualidade da refeição o mais isentos possível. E antes de regressarmos a Lisboa, pedimos para falar um pouco com os dois proprietários para sabermos como foi a experiência do “Pesadelo na Cozinha”, os bons e maus momentos, as mudanças do chef que continuam a colocar em prática e se voltariam a passar pelo mesmo.

O Adiafa enchia diariamente na década de 70, 80 e início dos anos 90 — hoje, nem sempre é assim

Quando nos sentamos à mesa para falar com Aires Pinheiro (ele com uma imperial na mão, nós com uma amêndoa amarga, cortesia da casa), o proprietário começa por nos contar que não foi ele quem se inscreveu no”Pesadelo na Cozinha”. “Foi o meu filho, que estava aqui comigo a trabalhar. Achou por bem inscrever-se, eles vieram fazer uma primeira avaliação e assim foi”, recorda, e conta-nos também que o grande objetivo do filho com a participação no programa da TVI se prendia com o revitalizar do restaurante.

Os pais de Aires, na fotografia, foram os proprietários originais do Adiafa, de portas abertas desde 1971.

Aberto desde 1971, pelas mãos dos pais do atual proprietário, o Adiafa já foi um ex-líbris de Santarém. “Este restaurante tinha uma grande vocação que era a Feira Nacional de Agricultura, uma feira linda, que se realizava mesmo aqui junto à praça de touros. Mas deixou de ser feita neste local em 1993. A praça continuou ali, mas há dois anos que não faz uma corrida. E era isso, essencialmente, que nos trazia movimento”, afirma Aires Pinheiro, que nos conta que, desde aí, as pessoas começaram a dispersar mais e o restaurante acabou por ficar “um bocadinho obsoleto”.

Quem também recorda com saudades os tempos do passado é Adelina Pinheiro, que nos conta que, para além da falta dos eventos que lhes traziam movimento, a ausência do sogro, falecido há 17 anos, foi primordial para os tempos menos bons do Adiafa. “Faltou-nos a parte principal, que eram as mãos daquele senhor [aponta para um fotografia dos sogros por cima da lareira]. O meu sogro tinha muito gosto por esta casa, muita vontade. Era um senhor que vivia mesmo para isto, com uma intensidade enorme”, afirma Adelina Pinheiro, que trabalha no restaurante há 34 anos e como cozinheira há 32.

Adelina conta-nos que começou no bar e nas contas e só depois foi para a cozinha, numa época em que o Adiafa vivia os seus tempos de glória. “Esta foi uma grande casa, fazíamos muitos casamentos — aliás, fomos a primeira casa na zona a fazer casamentos. Tínhamos grandes noites de fado, alternativas quando a praça de touros funcionava bastante, fazíamos muitos eventos, muitas coisas”, recorda a cozinheira.

Adelina Pinheiro, cozinheira e proprietária, trabalha no Adiafa há 34 anos.

A proprietária explica-nos que, com a falta de casamentos — “agora há quintas e outras alternativas mais modernas” — e a ausência de outros eventos, a situação tem vindo a piorar para o Adiafa, sendo a inconsistência da quantidade de clientes o principal problema. “Hoje em dia isto é feito de altos e baixos, tão depressa temos seis ou sete mesas, como de repente temos 60, 70 pessoas porque aparece uma excursão. Não há um equilíbrio”, relata.

Também o marido explica que este é um restaurante feito para grandes eventos, apesar de não serem frequentes no presente. “Até tenho mesas redondas lá atrás guardadas porque funcionamos muito com grupos, com operadores turísticos, casamentos, batizados, festas dos miúdos, aquelas em que vêm 50 pessoas e cada um paga o seu. Estamos vocacionados para isso, mas o movimento já não é o que era”, afirma Aires Pinheiro.

“Às vezes, temos de arranjar motivo para fazer o programa”

Tal como nos contam os proprietários, as gravações do programa de domingo, dia 23 de setembro, decorreram entre 30 de julho e 3 de agosto. Nos cinco dias em que a equipa de produção do “Pesadelo na Cozinha” esteve no Adiafa, houve tempo para mudar o restaurante mas, para o proprietário, as alterações foram muito subtis.

“Chegaram aqui e modificaram a disposição da sala. Colocaram estes candeeiros que a senhora está a ver aqui em cima, estas mesas e estas cadeiras já cá estavam, mas tinham toalhas em cima. Substituíram as toalhas por individuais, pintaram meia dúzia de coisas aqui na sala, como as janelas que eram escuras e agora estão com esse verde claro, colocaram as plantas, pintaram o exterior que já estava mais degradado, e mudaram algumas coisas na esplanada. Mas não acho que tenha sido nada de mais”, conta Aires Pinheiro.

Em todos os programas, um dos grandes focos de problemas costuma ser a cozinha, as condições de limpeza da mesma e a qualidade da comida. No Adiafa, o proprietário é peremptório em afirmar que “a parte de higiene estava bem mesmo antes da visita deles, é uma coisa que eu posso-lhe dizer já de caras”, mas admite que existiam algumas coisas na cozinha que tinham de ser revistas — mas sem antes considerar que houveram alguns exageros para existir conteúdo para o programa de televisão.

“Pesadelo na Cozinha”: Correu tudo mal na remodelação do Dom Dinis
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“Não estou a dizer que não havia coisas que não estivessem bem, atenção. Mas, às vezes, temos de arranjar motivos para fazer o programa, e aqui foi assim. Havia ali duas ou três coisas na cozinha que o chef teve de pegar”, relata Aires Pinheiro, recordando um exemplo com bifes congelados.

Tal como nos conta o proprietário, quando há mais movimento na casa, há pratos do dia que esgotam: “Num dos dias das gravações, estávamos a servir bifinhos com cogumelos e, quando já não temos bifes do dia, temos de recorrer aos congelados, tenho essa ideia. E acho que alguém da cozinha (não sei se foi a minha mulher ou a pessoa que a ajuda lá dentro) foi buscar um bife à congelação e descongelou da maneira como fazemos há muitos anos, e que nunca nos criou problemas. Mas esse acabou por ser um motivo que exploraram no programa e que, na minha opinião, foi exponenciado”.

Ljubomir Stanisic ajudou o Adiafa, mas não esteve sempre presente — e a culpa foi de uma fritadeira

Apesar de a equipa de produção do “Pesadelo na Cozinha” visitar o restaurante também em busca de falhas, o proprietário do Adiafa ficou com a melhor das impressões da mesma. “É tudo malta boa, uma equipa muito engraçada, coesa. Os câmaras então são espetaculares e nunca pensei que eles sofressem tanto, eu saía daqui com os olhos todos lixados da luz”, recorda Aires Pinheiro. Mas qual é a opinião sobre o chef Ljubomir Stanisic?

“Gostei muito dele, só não gostei que ele me tivesse abandonado nos últimos dois dias."

“Gostei muito dele, só não gostei que ele me tivesse abandonado nos últimos dois dias”, revela o proprietário, um pouco a medo. Mas prossegue e conta-nos o episódio que ditou a saída prematura do chef do Adiafa: “Abandonou-me porque teve de ser, adoeceu. Houve ali uma situação na cozinha, uma das cubas da fritadeira começou a arder. Não sei mesmo o que se passou para aquilo acontecer, eu não estava presente nem ninguém aqui da casa, mas a fritadeira ardeu mesmo. E o chef parece que tem asma, e sentiu-se muito mal com aquela situação. Entretanto, arranjou-me dois chefs de um restaurante aqui perto para finalizar o programa no dia da apresentação e assim foi.”

Ainda antes de ser obrigado a abandonar o restaurante ribatejano, houve tempo para Ljubomir Stanisic ensinar dicas preciosas à cozinheira do Adiafa. “O chef ensinou-me a fazer um 'demi glace', um molho caseiro de carnes para fazer um bom bife, por exemplo, e ponho isso em prática todos os dias. Ensinou-me a cozinhar com menos gordura, de uma maneira mais saudável e até evitando o desperdício. Consegue-se fazer muita coisa só com uma colherzinha de azeite”, conta-nos a cozinheira, que também aprendeu a trabalhar melhor os produtos frescos, os congelados e a evitar a utilização excessiva dos mesmos.

No entanto, nem todas sugestões do chef foram bem acolhidas, mas não foi por falta de esforço dos proprietários do Adiafa. Falamos dos novos pratos elaborados por Ljubomir Stanisic — alguns não agradaram à clientela do restaurante, outros não eram viáveis devido ao preço.

Se as sugestões são para dar prejuízo, não vamos mudar."

Adelina Pinheiro conta-nos que o conhecido chef incutiu muito o uso do peixe do rio, “algo que o nosso cliente aqui não procura”. De acordo com a proprietária, quem visita o Adiafa vai em busca de comida de conforto, prefere “o prato tradicional, uma boa chispalhada, feijoada, mão de vaca com grão, arroz de tomate com petingas, bacalhau com mangusto, vitela estufada com cebolinhas”, entre outros.

Também as sopas frescas, uma sugestão colocada na carta por Ljubomir Stanisic, não resultaram neste restaurante. “Chegámos a oferecer mas as pessoas não quiseram. Tentámos incutir aquelas frescas, de melão e melancia, nas não funcionou. Não vou voltar a fazê-las, a não ser que seja para um serviço específico, para um cocktail, naqueles copinhos. Aí sim, mas para o dia a dia não funciona”, refuta a cozinheira, que ainda acrescenta que se as sugestões “são para dar prejuízo, não vamos mudar”. No entanto, não descarta a possibilidade de voltar a incluí-las na carta: “A longo prazo, até posso voltar a ter essas sugestões. Tenho as ementas e, se as pessoas quiserem, eu faço na hora, tenho toda a preparação para isso”.

Segundo Aires Pinheiro, a ementa do Adiafa voltou ao conceito original pouco depois da visita do chef: “Ao fim de três, quatro semanas, tive de voltar à ementa anterior. O dinheiro pesa um bocadinho a toda a gente neste momento. E as entradas que o chef me sugeriu, por exemplo, fugiam aos preços normais. No dia a dia, as pessoas não querem gastar muito dinheiro, nem podem. Aos fins de semana é diferente, e nesses dias funciono com algumas das sugestões do chef, não todas, mas algumas, vou introduzindo uma ou outra. Mas durante a semana a casa faz-se de pessoas que trabalham aqui perto, alguns amigos da casa e não posso exceder os preços. Tive de voltar à antiga portuguesa, como costumo dizer”.

E depois do “Pesadelo na Cozinha”?

Ao contrário do marido, que confessa não ter acompanhado muito a primeira temporada do programa, Adelina Pinheiro é fã do “Pesadelo na Cozinha”. Quando descobriu que o seu restaurante tinha sido escolhido pela produção, a cozinheira sentiu-se “num sonho, não sabia bem se era realidade ou não” e confessa ter ficado muito contente, emocionada e com a noção de que ia ser algo bastante positivo — depois das gravações, será que mantém a opinião?

"Pesadelo na Cozinha". Tudo o que aconteceu no restaurante Dom Dinis
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“Gostei da experiência e aprendi. É de facto muita pressão, pressão a que eu não estava habituada e fico muito nervosa com estas situações. Mas senti mesmo que o chef me queria ajudar de verdade, e gostava de repetir, mas sem as gravações, sem o programa de televisão. Só o chef comigo, a ensinar-me, a pôr em prática as ideias dele, a trabalhar com ele”, afirma a cozinheira, que confessa estar ansiosa com o programa deste domingo, “até porque não sei o que vai passar na televisão”.

Em cinco dias de gravações, há muita coisa que foi recolhida pelas equipas de filmagens, mas apenas parte desse processo passa no programa. “Sei aquilo porque passei, mas há edição, há montagens e claro que não vai sair tudo, são apanhados de tudo aquilo que se passou. Não sei se vão mostrar os momentos maus, os bons, os menos maus, os piores. Não quer dizer que eu tenha tudo perfeito, não é?”, desabafa a proprietária, que admite ter ambições controladas para o que se segue a seguir à emissão deste domingo.

“Não espero ter 200 pessoas por dia, nem as quero. Se assim fosse, não conseguia dar vazão. A minha ambição e o meu grande desejo neste momento é ter um nível de clientela que me chegue para o meu dia a dia, não peço para mais. Só quero conseguir manter-me”, conclui Adelina Pinheiro.