De reality show a documentário porque a avalanche de críticas a isso obrigou. "The Activist", que estava previsto estrear-se em breve, foi apresentado para a grelha do canal americano CBS como um novo reality show que visava pôr seis ativistas a concorrer entre si com um único objetivo: ver qual deles era capaz, através das reações que as suas redes sociais geravam junto do público, de "produzir mudanças significativas em setores tão urgentes como o da saúde, o da educação e o do ambiente".

Assim que foi apresentado, no entanto, as críticas dispararam e obrigaram o canal a reformular um programa cuja data de estreia estava marcada para 22 de outubro. A reformulação, sabemos agora, vai ser drástica — passando de um reality show para uma série documental, segundo fez saber a CBS esta quarta-feira, 15 de setembro, num comunicado oficial.

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"Tornou-se evidente que o formato deste programa, tal como anunciado inicialmente, distrai do trabalho vital que estes ativistas têm vindo a desenvolver diariamente nas suas comunidades. O impulso para que haja mudança no mundo não deve ser olhada como uma competição e requer um esforço global", escreve o canal.

É por isso, continua o canal, que "o formato competitivo foi eliminado para dar lugar ao registo documental que vai mostrar o trabalho incansável de seis ativistas e a forma como as suas ações têm impacto nas causas a que se dedicam".

Neste novo programa, cuja estreia foi adiada para data incerta, será atribuído um prémio a cada ativista para que este possa ceder a uma organização à sua escolha. A alteração surge depois de várias figuras se terem insurgido contra a ideia de um programa de entretenimento que explorasse o conceito de ativismo aliado à quantidade de reações que uma qualquer pessoa gera através das suas plataformas digitais.

Andy Wilson, responsável pela gestão de campanhas no digital para uma organização não-governamental especializada na problemática ambiental, descreve o formato como "talvez a pior ideia de sempre para um programa de televisão".

"Se entras no ativismo em troco de fama e popularidade, será que estás mesmo a fazer algum tipo de ativismo?"

"Medir o sucesso do ativismo de alguém através da análise das métricas das suas redes sociais é errado. Tenho visto várias campanhas fazerem coisas absolutamente fantásticas e que não podem ser quantificadas pelo número de partilhas que uma publicação gerou. Não é assim que o mundo funciona", escreve.

Janice Gassam Asare, cronista da "Forbes", também foi uma das vozes contra o formato tal como ele foi apresentando.

"Muitas pessoas perdem as suas vidas a defender os direitos dos mais marginalizados. Estes indivíduos devem ver as suas vozes amplificadas, veneradas e celebradas. E não aqueles que se juntam a um programa de televisão para ganhar uma competição. Se entras no ativismo em troco de fama e popularidade, será que estás mesmo a fazer algum tipo de ativismo?", questiona.

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Stephanie Yeboah, escritora e ativista, é da mesma opinião, dizendo que esta ideia é "absolutamente horrível". "Um reality show focado em quem consegue ser o próximo ativista do Instagram? Na melhor das hipóteses, é meramente performativo e desvaloriza o trabalho que inúmeras organizações têm vindo a fazer diariamente no terreno", lê-se nas declarações que publicou na sua página de Twitter.

A notícia da existência de um formato destes chegou até a vários membros do congresso, como Alexandria Ocasio-Cortez ou Jamaal Bowman que, em jeito de ironia, comentou que iria "ativar o botão de bloqueio [do Twitter]" se visse algum dos seus seguidores a ver "aquele programa".

Até Julianne Hough, uma das apresentadoras do programa — ao lado do cantor Usher e da atriz Priyanka Chopra Jonas — assumiu que o formato tal como estava a ser montado tinha vários problemas.

"Ouvi-vos dizer que o programa promovia um pseudo-ativismo e que os seus apresentadores não tinham capacidades para avaliar o que era ou não ativismo porque são celebridades. Ouvi-vos dizer que o programa era hipócrita e que tentar valorizar uma causa em virtude de outra desrespeitava o trabalho que muitos ativistas têm feito. Por tudo isto, há um sentimento generalizado de desumanização, insensibilidade e dor que toda a gente está a sentir. E é legítimo", escreve Hough na sua página oficial de Instagram.

No mesmo texto, a apresentadora admite que o programa "falhou o alvo". "A única razão por que aceitei fazer parte deste formato foi porque me senti muito entusiasmada com a possibilidade de poder fazer parte de algo que evidenciasse, e se focasse, na partilha do trabalho realizado por ativistas", refere.

Apesar disso, Hough diz que partilhou as preocupações dos espectadores, assim como as suas, com a direção do canal que, argumenta, "terá ouvido". "Tenho fé e confiança nas pessoas com quem trabalho para acreditar que farão a escolha certa para avançar [com o formato]", conclui.

Ainda não se sabe se o programa, reformulado de raiz, fará parte dos planos da CBS ainda para este ano.