Até ao final de 2023, Rita Pereira é do Brasil. No ano em que comemora duas décadas de carreira televisiva, a atriz de 41 anos concretiza um sonho há muito desejado: a internacionalização. Depois de um processo de seleção que durou quase um ano, Rita Pereira foi escolhida para fazer parte do elenco da novela "Dona Beja", uma produção da plataforma de streaming HBO Max protagonizada por Grazi Massafera. A história, uma criação do guionista português António Barreira ("Doce Fugitiva", "Meu Amor", "Remédio Santo") em parceria com o brasileiro Daniel Berlinsky, tem também realização lusa de Hugo de Sousa ("Morangos com Açúcar", "Espírito Indomável", "Ouro Verde", "Jogo Duplo").
Conversámos à distância com Rita Pereira na semana em que arrancam as gravações de "Dona Beja". A novela da plataforma de streaming HBO Max conta a história verídica de Ana Jacinta de São José, mais conhecida como Dona Beja, uma cortesã brasileira do século XIX que revolucionou as mentalidades conservadoras e quebrou tabus à época. A vida de Dona Beja já foi retratada na ficção, na novela "Dona Beija", protagonizada por Maitê Proença, e que fez furor tanto no Brasil como em Portugal na década de 1980. Não só pela história em si, mas também pelas cenas de nudez, inéditas à época, e que causaram polémica e discussão.
Sem poder ainda revelar pormenores sobre a sua personagem, a atriz partilha o entusiasmo de estar num país novo, a concretizar um sonho há tantos anos desejado. A escassos dias da estreia do reboot de "Morangos com Açúcar", Rita Pereira conta ainda como foi voltar a vestir a pele de Soraia Rochinha e o que é que os fãs de "MCA" podem esperar desta nova temporada. Longe do namorado, Guillaume Lalung, e do filho, Lonô, de 4 anos, Rita diz sentir-se "uma miúda solteira que está a começar a vida de atriz".
Está há um mês no Brasil. Qual é o balanço desta aventura?
Obviamente que o balanço é sempre positivo. Eu estou aqui, sinto-me uma miúda. Sinto que voltei à Rita dos "Morangos com Açúcar", com 21 anos, que está a descobrir, a conquistar, a sonhar outra vez com novos objetivos. Tenho sentido muito isso neste mês. O facto de não ser conhecida, de tudo ser novo aqui e de estar sozinha, transporta-me para há 20 anos. Sinto-me mesmo uma miúda solteira que está a começar a vida de atriz.
Isso é mesmo sair da zona de conforto em todo o seu esplendor.
Completamente! Sou a mesma pessoa num ambiente completamente novo para mim. Apesar de estar a trabalhar como atriz, apesar de vir fazer uma coisa que eu sei, com duas pessoas que conheço, não deixa de ser tudo novo para mim.
Já pode revelar qual vai ser o seu papel em "Dona Beja"?
Não, mas posso dizer que faço parte do elenco principal. Esta série não é o remake da novela "Dona Beija". O texto que temos é baseado nos factos verídicos. Metade das personagens existiram, as outras são ficção. Esta série é mesmo baseada em factos verídicos, tanto que a construção do texto foi feita com historiadores negros, historiadores brancos, homens e mulheres, e só isso é algo que me encanta, eles preocuparem-se em ter as duas visões para construir esta história. Tivemos aulas de História sobre Araxá [localidade onde se estabeleceu Dona Beja], sobre Dona Beja. Nunca nos disseram 'vão ver a novela'. Disseram-nos para irmos investigar sobre a história dela, sobre Araxá e sobre a época, de 1820 a 1870. É nessa base que estamos a trabalhar e não a novela.
Lembro-me perfeitamente de ver a novela, na década de 80, mas nunca mais tinha pensado nisto até agora. Esta mulher, com toda essa independência, no século XIX, existiu mesmo.
Quando me convidaram, estava longe de perceber a importância que esta história teve na altura dela e também na altura da novela. Na altura também foi revolucionário. Foi a primeira vez que apareceu uma mulher nua numa novela, os pais não deixavam as crianças verem... isto aprendi depois aqui.
A Dona Beja foi mesmo uma mulher revolucionária. Foi das primeiras mulheres a fugir ao patriarcado. Na altura, naquela zona, foi a primeira mulher a usar calças. Ela pôs um processo contra um grupo de homens, e ganhou. Ela tem várias coisas super importantes. Há uma imagem marcante, que aconteceu mesmo, uma situação em que ela se passou completamente da cabeça, monta-se num cavalo nua, de pernas abertas — na altura as mulheres só montavam de lado — e vai até ao centro da cidade discutir uma coisa qualquer para a qual ela queria chamar a atenção. São vários pormenores muito interessantes e que me levam a ficar ainda mais orgulhosa de fazer este projeto. Fazer parte de um projeto feminista, para mim, é vida!
A sua personagem vai estar relacionada com o núcleo de Dona Beja, interpretada por Grazi Massafera?
Também vou estar com ela, às tantas, porque vou ter uma história e ela acaba por me acolher. Posso dizer isso.
É a única estrangeira do elenco?
Sim.
Então vai ter de fazer sotaque de português do Brasil?
Não. Há um pormenor...além de ter sido escolhida para este projeto, a minha personagem é assim... é um sonho que me explodiu a cabeça! Esse pormenor tem que ver com o facto de não ter de fazer sotaque. Eles dizem que eu já falo muito bem português do Brasil e que podia perfeitamente fazê-lo, mas o autor tomou a opção de eu falar português de Portugal com algumas palavras em português do Brasil.
"Em Portugal nunca fui chamada. Não sou chamada para cinema nem sou chamada para séries"
Qual foi o caminho percorrido até ser convidada para fazer este projeto?
O convite chegou em setembro de 2022. Uma das produtoras conhecia-me porque me escolheu para um projeto que eu fiz durante a pandemia chamado "Amor de Quarentena". Ninguém em Portugal ligou muito a isso, eu achei o projeto super interessante. Ela diz que, na altura, adorou e que esse projeto lhe chamou a atenção.
Depois, de setembro até agosto de 2023, foi sempre passar na aprovação primeiro da HBO Brasil, depois da HBO América Latina, depois a aprovação mundial. Eu já fiz vários castings, as coisas às vezes acontecem, outras não, e o projeto era tão incrível que eu... acreditava em mim, mas estava com os pés no chão. O facto de o Hugo de Sousa, que já conhecia o meu trabalho, ser o realizador do projeto, também ajudou, e o Erick Andrade, que foi produtor em Portugal, com quem trabalhei na TVI, faz parte do projeto. Foram feitos testes, mas obviamente que ter alguém que já conhece o meu trabalho há 20 anos é muito positivo.
E no dia em que chegou o sim final, como foi?
Estava a maquilhar-me para fotografar a minha campanha de biquinis. Tinha acabado de ser maquilhada, de repente recebo uma chamada e tive de fazer a maquilhagem toda outra vez (risos)! E não podia contar! Elas a perguntarem 'mas aconteceu alguma coisa de mal?'. E eu 'é positivo, é positivo!'. A chorar de felicidade (risos)! Aquelas fotos foram feitas com a cabeça na lua, carregada de felicidade e sem entender muito bem que isto tinha acontecido. E foi agora, em agosto.
Como é que se toma, depois, a decisão de ir, quer do lado pessoal, quer do profissional, uma vez que tem uma ligação contratual com a TVI?
Falei com a TVI e eles aceitaram logo. Perceberam que eu tinha este desejo. Já que não era escolhida para séries em Portugal, que tem havido imensas mas nunca me chamaram, eles sabiam que eu tinha essa ideia de tentar lá fora. Eu acho que eles não tinham ideia de que fosse acontecer (risos)! Mas aconteceu e eles aceitaram logo. Foram mesmo muito queridos porque me deixaram vir e manter o contrato.
Em relação à vida pessoal, tenho uma família e um companheiro que me apoiam a 200%. Tenho um companheiro que faz tudo o que uma mãe faz. Desde o primeiro dia de nascimento do Lonô, nunca foi assunto. Era mais eu que tinha a dificuldade de os deixar do que o Guillaume estar preocupado com o que quer que seja a nível pessoal. Depois foi a partilha da notícia, o orgulho da família, que também foi maravilhosa. Eu sou assim sempre muito forte, mesmo com a família. Sou um bocadinho a matriarca. Eles viram-me tipo criança, numa excitação total. Disseram-me palavras lindas que eu nunca tinha ouvido nos 20 anos em que trabalho. É incrível, até o meu avô de 96 anos ficou felicíssimo por mim.
Tem alguma graça que isto esteja a acontecer no ano em que celebra 20 anos de carreira em televisão.
Tem alguma graça, principalmente pelo facto de eu ter fechado os "Morangos com Açúcar", essa história, e iniciei um novo ciclo, com uma internacionalização. Foi sempre o que eu quis, depois de ter chegado a uma determinada linha em Portugal.
"Não sou a pessoa que fica em cima, que envia mensagens, que vai jantar fora, que vai para a night, não sou. Ou é enquanto Rita Pereira atriz, ou então não vai acontecer por ser amiga, porque não sou essa pessoa"
Há pouco disse que nunca a escolheram para fazer séries. Fazia os castings e não era escolhida?
Em Portugal, quase não há castings, os atores são escolhidos diretamente para as personagens, quase. E nunca fui chamada. Não sou chamada para cinema nem sou chamada para séries.
Porquê?
Não sei.
Essa é a resposta politicamente correta. Porque é que a Rita Pereira, uma atriz tão popular, não é chamada para fazer séries?
Às tantas comecei a pensar 'se calhar é porque sou mesmo menina da TV e eles não querem esse lado comercial'. Depois começaram a ser escolhidas imensas pessoas de TV para fazer séries... portanto, não sei. Já me disseram que muitos realizadores e diretores acham que eu tenho um contrato fechado com a TVI e que nem sequer vale a pena tentarem chamar-me. Já tive três realizadores a dizerem-me isso. Não sei mesmo, estou a ser sincera. E depois há esse lado. Eu não sou a pessoa que fica em cima, que envia mensagens, que vai jantar fora, que vai para a night, não sou. Ou é enquanto Rita Pereira atriz, ou então não vai acontecer por ser amiga, porque não sou essa pessoa.
A verdade é que não conseguiu este papel numa série internacional por ser amiga de quem quer que seja, mas sim pelo seu mérito.
Não, não conheço ninguém na HBO. E nem sequer tenho agente, o que também é interessante. Nem em Portugal nem no Brasil. A Inês [Mendes da Silva, CEO da Notable] é minha agente de marca. Eu não tenho agente. Sempre achei que, em Portugal, não valia a pena. Eu é que vou às reuniões, eu é que discuto os meus contratos, os meus projetos e nunca senti necessidade. Claro que aqui preciso e quero. Ainda não procurei porque acho que não é altura. Faz muito mais sentido procurar um agente no Brasil depois de sair a série.
Que diferenças existem na forma de trabalhar?
Ter aulas de História, de modos e costumes, de caligrafia, de dança, de equitação, de fonoaudiologia. Há atores do Brasil inteiro, cada um do seu sotaque, e os autores querem que todos tenham o mesmo sotaque. Há outro pormenor interessante: esta série vai demorar um pouco mais a estrear-se porque vamos estar dobrados em sete línguas. Só o facto de termos três meses de preparação... em Portugal temos três semanas. O facto de não sermos nós a ir descobrir tudo sozinhos, termos estas aulas todas à nossa disposição, nunca passei por isto. Não estou a dizer que o Brasil é melhor, mas nunca tive esta oportunidade em Portugal. Todas as aulas que fiz foi por mim, nunca foi proposto pela produção. De resto, é igual.
"Aqui, na rua, sou a Rita lá de casa. É uma coisa que eu não sou em Portugal"
No dia 24 de outubro faz 20 anos que estreou a novela "Doce Fugitiva", onde interpretou a sua primeira protagonista, a Maria Estrela. Sente que esse papel foi importante para ter feito a transição de 'moranguita' para Rita Pereira, atriz?
Ainda há muita gente que me diz 'vai apanhar laranjas'. Sempre que me dizem 'ah, ficaste super famosa nos 'Morangos', foram os 'Morangos' que te lançaram'. E não foi. O que me lançou foi a "Doce Fugitiva". E o mais interessante é que, quando fui fazer o casting, não era para ser protagonista. No dia do casting, acharam-me muita graça. Não sabiam que eu tinha esse lado cómico. Eu adoro fazer comédia e quase não em dão essa oportunidade. deram-me em teatro e eu adorei. Então eles descobriram esse lado e quando me perguntaram se eu sabia cantar e dançar, eu disse 'é claro que sei cantar!'. E cantei o "Atirei o Pau ao Gato". Também se desataram a rir, porque eu também não sei cantar. Passados uns dias, ligam-me e dizem-me que eu sou protagonista de uma novela que ia "combater" a "Floribella". E sem dúvida alguma que a Estrelinha foi a grande impulsionadora da minha "fama". Não era de carreira, porque naquela fase ainda não tinha muita experiência, mas de conhecimento.
Naquela altura não havia redes sociais e ir a um shopping era mesmo uma complicação. Jantar num restaurante no norte era de ter de sair pelas traseiras. Fiz todas as campanhas publicitárias possíveis e imaginárias, lancei CD, roupa, chocolates, fiz campanhas da Páscoa, de Natal, de vários supermercados... sei lá... a Estrelinha englobou tanta coisa! E com pessoas que ainda hoje eu adoro. O que também é muito importante porque me ajudaram muito e me deram muita autoconfiança. O Rodrigo Menezes, a Inês Castel-Branco, a Maria João Luís também foi fundamental. Ajudou-me imenso, ensinou-me imenso. Foi por causa dela que comecei a desenhar sardas, que faço todos os dias, foi ela que me ensinou (risos)! A Estrelinha foi mesmo especial. Amava ter outra personagem dessas. Claro que agora as crianças não veem televisão como viam antigamente. O meu filho nem sabe o que é um canal!
Apesar das críticas, há uma enorme expectativa em relação ao reboot de "Morangos com Açúcar". Como é que acha a geração que cresceu a ver a série vai receber estas novas temporadas?
Depende da formação de cada pessoa. Se perceberem que os tempos mudaram e que tem de se ir ao encontro do que existe hoje, tendo que se modernizar a forma como é mostrada a história. Tem que se entender a modernização deste projeto. Acho que, ao inicio, vão sentir falta de algumas personagens, mas a história está tão cool e tão moderna que rapidamente vão colar e deixar para trás o que já aconteceu.
A Soraia Rochinha de 40 anos tem muito da que nós conhecemos ou está uma mulher muito diferente?
Tentei não a fazer muito diferente. O meu objetivo era que as pessoas olhassem e dissessem 'ah, é a Soraia'. O truque que eu arranjei foi as cenas em que eu estou com o Crómio [Tiago Castro], eu sou completamente aquela Soraia. Eu tentei fazê-lo assim mas não sei se correu bem porque eu ainda não vi nada (risos)! Depois tentei seguir a linha da história. A Soraia tem uma filha, tenho de me adaptar àquilo que se passa. Uma mulher de 40 anos não é igual a uma miúda de 20, não podia ser 100% igual. As pessoas que cresceram comigo, como também neste momento são mais velhas, acho que vão compreender que eu não podia ter aquela atitude nem expressar-me daquela forma.
Há pouco falava sobre fama. Como é experienciar, pela primeira vez em 20 anos, não ser famosa? Ou estar num país onde não é famosa?
Calma, eu sou a pessoa que vai a Badajoz e ninguém me conhece! Eu tenho plena consciência disso, não sou conhecida no mundo inteiro.
Todos os famosos portugueses, exceptuando Cristiano Ronaldo e José Mourinho, quando vão a Badajoz ninguém os conhece.
Convivo muito bem com isso (risos)! Aqui, na rua, sou a Rita lá de casa. É uma coisa que eu não sou em Portugal. Eu não sou de usar máscaras mas, enquanto figura pública, tenho de me proteger um bocadinho quando estou numa praia, num restaurante, quando estou a viver a minha vida num sítio em que estão 500 pessoas a olhar para mim, onde estão a tirar a mesma roupa que tu tiraste na Zara, a ver que sumo é que tu compraste... aqui estão a despachar-me porque eu sou só mais uma cliente. Mas vivo perfeitamente com isso e não digo a ninguém! Sou incapaz de dizer 'sou atriz e sou super famosa em Portugal'. Não, que vergonha!
Como é o seu dia a dia no Brasil, sem marido e sem filho?
Ainda hoje comentei com a dentista que estou a fazer coisas que não tenho tempo para fazer em Portugal, entre elas tratar de mim. Outro dia comentei com uma médica que nunca tinha feito uma limpeza de pele e ela ficou chocada! Porquê? Não era uma prioridade na minha vida, porque não tinha o tempo para esperar porque ia ficar vermelha e não podia gravar nos cinco dias seguintes. Aqui tenho esse tempo. Estou a aproveitar para acordar super cedo, por volta das 6 da manhã. Deito-me às 11 da noite, o que é incrível. Vou treinar todos os dias. Já o fazia em Portugal, mas muito com horários. Treino antes de ir trabalhar, em Portugal só quero é dormir. E estou a aproveitar para apostar em mim. A ter formação com outros preparadores de atores, não pensando só neste projeto. Contrato diretores e preparadores para me ensinarem outras técnicas. Tenho estudado imenso e, acima de tudo, tenho mais tempo para mim. Com metade do cérebro em Portugal, claro.
Já sabe o que vai fazer quando voltar a Portugal? Há alguma coisa alinhavada com a TVI?
Não, nem me disseram nada, não sei que projetos vão existir. Não sei.
Gostava de fazer, nem que fosse uma participação especial, no próximo "Dança com as Estrelas"?
Óbvio! Queria era voltar e ser coapresentadora. Não vou ser hipócrita. O "Dança com as Estrelas" é o programa da minha vida, toda a gente sabe que eu amo dança, cresci com a dança e, depois, pelo facto de ter ganhado todas as semanas e, na última, lesiono-me e não ganho. Isso está aqui atravessado para sempre e para o resto da minha vida. Tenho plena consciência de que seria, desde o primeiro minuto, a Cristina a apresentar. Nem foi conversado, nem comigo nem com o Pedro, mas adoraria fazer parte, claro.