A TVI estreou este domingo, 10 de setembro, a enésima edição do programa com mais sucesso na sua história: o "Big Brother". Não houve o histerismo da estreia do anterior reality show, "O Triângulo", não houve mil promessas de coisas totalmente inovadoras e irreverentes e que parece que são e não são, como em "O Triângulo", não houve metade do show off de "O Triângulo", não entraram na casa 120 pessoas como na estreia de "O Triângulo", e, pasmem-se, desta vez a coisa correu bem.

A simplicidade consegue ser sempre a arma mais eficaz para que as pessoas que se sentam em casa à noite em frente à televisão entenderem o que se está a passar. É por isso que as tramas de maior sucesso das telenovelas são sempre isso mesmo: histórias simples e que parece que já foram contadas mil vezes. Porque foram. Porque as pessoas as entendem e ficam entretidas, que é tudo o que querem depois de um dia de trabalho a aturar os chefes e os colegas, e um fim de dia a tratar da casa e ouvir os putos aos berros.

Mas o que é que correu mesmo bem na estreia deste "Big Brother"? E mesmo mal? Vamos por partes.

Coisas excelentes

1.Regresso a um formato mais tradicional

O anexo do Big Brother

É a grande vitória da TVI: keep it simple. O "Big Brother" é um sucesso no mundo inteiro há 25 anos por uma razão, porque é um formato absolutamente básico, que todos entendem, e que se centra em permissas simples. X pessoas estão fechadas numa casa, têm de nomear alguém para sair e ao fim de uma semana um concorrente é expulso.

Nesta edição, tal como noutras edições internacionais, houve uma variação a isto: em vez de uma casa, há uma casa e um anexo, onde se desenrola uma espécie de BB Underground. A ideia não é totalmente inovadora (já tinha existido um bunker no "BB: Revolução"), mas tem potencial, porque os concorrentes vão ter de partilhar um espaço muito mais pequeno (e a proximidade gera mais desconforto, mais conflitos), vão ter restrições de comida (e quando falta comida há sempre drama) e restrições de água quente (e a falta de higiene tem muito potencial de discussão).

Em geral, a ideia de dar três passos atrás em relação à confusão que foi a estreia de "O Triângulo" foi boa e o resultado viu-se logo na comparação das audiências das duas galas, com este "BB" a dinamitar o estreia do anterior reality show.

2. O Big

Já não há muita coisa nova que se possa dizer sobre o Big ou a Voz ou o que quer que se queira chamar à voz off do programa. É admirável como, edição após edição, com concorrentes bons ou maus, com uma produção melhor ou pior, ele mantém sempre um nível de excelência, equilíbrio, eloquência, sentido de humor, capacidade de liderança e organização.

O Big é muitas vezes amigo, psicólogo, chefe, companhia de muitos concorrentes e demonstra uma sensibilidade extraordinária em todos os momentos, seja nos apartes que sabe meter no momento certo, seja na relação com os concorrentes, com Cristina Ferreira ou os comentadores. No dia em que o BB perder a sua voz, perderá muita da sua essência.

3. A casa

A casa do Big Brother

A casa e o anexo desta edição do "Big Brother" perderam aquele arzinho low cost e ganharam uma sofisticação que nunca se tinha visto. Uma das grandes diferenças entre, por exemplo, o "BB" português e o brasileiro era, precisamente, o ar magnânimo de todos os decors do "BBB", quando comparados com os pobrezinhos de Portugal.

Desta vez isso mudou. A casa parece-se com um campo de desafios, mas ao mesmo tempo com áreas em que os concorrentes se poderão sentir em casa. As cores vibrantes dão um ar agressivo e sofisticado à casa, a decoração é bonita e funcional, o que vai ajudar a que o produto televisivo seja mais interessante e cativante.

Coisas boas

1. Formato da gala

A gala de estreia foi boa. Não houve grande floreados, não houve a tendência de se querer surpreender a cada minuto, não houve tempos mortos, e o protagonismo foi todo para quem o deve ter neste formato: os concorrentes.

Na gala inicial é isso que as pessoas querem ver e saber, quem são os concorrentes, de onde vêm, o que dizem de si próprios, como se vestem, como são as primeiras interações com os colegas e pouco mais. Queremos agarrar-nos às personagens, criar ligação com elas, queremos amar este e odiar aquele, queremos encontrar parecenças entre aquele concorrente e um colega de escritório, ou uma prima, queremos saber quem está solteiro, casado, queremos especular sobre quem se vai enrolar com quem. E a gala deixou espaço para isso tudo. O guião foi muito bem feito, Cristina Ferreira não fugiu muito dele (e quando fugiu, fê-lo bem) e o resultado foi um programa funcional, straight to the point, interessante e sem momentos chatos.

2. Cristina Ferreira

Cristina Ferreira no Big Brother

Houve qualquer coisa de diferente na forma como Cristina Ferreira liderou a gala de ontem, e seja lá o que isso tenha sido, funcionou muito bem. A apresentadora esteve, em primeiro lugar, bonita e sóbria no seu vestido vermelho, com um cabelo simples e elegante.

E em segundo lugar, bastante menos efusiva, com um tom de voz mais baixo, mas mantendo o registo empático, divertido e próximo quer com os concorrentes, quer com o Big, quer com os comentadores. Não há muito que se possa ensinar a Cristina em matéria de apresentação de programas de televisão, mas a verdade é que a Cristina Ferreira de ontem foi diferente, e foi diferente para melhor. Foi muito mais uma Cristina de prime time do que da manhã, que deixou o programa respirar sem o engolir, que soube dar o palco todo para os artistas (concorrentes), que nunca caiu na tentação de querer competir com alguém (e o fantasma de Teresa Guilherme é denso), nem de brilhar mais do que alguém. Uma noite muito boa.

3. Flávio Furtado

Flávio Furtado no BB

Por falar em fantasmas, se Cristina tem o de Teresa, Flávio terá sempre o de Pipoca, a pioneira no registo, a primeira dona do cadeirão, e a melhor de todos na arte de comentar realities. A Pipoca estará sempre para os comentadores do BB como Herman José está para a geração de humoristas que o seguiram, de Ricardo Araújo Pereira a Bruno Nogueira: até podem vir a ser melhores do que o mestre, mas ele nunca deixará de ser o mestre.

Flávio Furtado consegue ser uma persona televisiva impactante, entende a dimensão da arte, sabe o que é ser um performer, e sabe que ser um performer vai muito além de saber comentar. Na gala de ontem, o casaco "de pato", como Cristina Ferreira o descreveu, deu dimensão a essa persona, mas depois, nos poucos minutos que teve de tempo de antena, Flávio soube dizer as coisas certas. E teve a inteligência e o instinto de perceber que numa primeira gala não há Rubens, Marias, Paulos e Franciscas, porque ninguém sabe quem eles são, há sim "o polícia", o "110% heterossexual" e "a que ensina os outros a esconder as maminhas".

O que é que foi mau no programa

1. Perfil dos concorrentes

Concorrentes do Big Brother

As edições passam e a verdade é que o perfil de concorrentes dos reality shows parece ser sempre o mesmo. E não acredito que seja assim porque são estas as pessoas que concorrem ao programa. É impossível que assim seja. A esmagadora maioria dos concorrentes tem entre 20 e 28 anos, quase todos sem filhos, sem grande vida, sem grande experiência, sem grandes referências.

São pessoas que gostam da noite, que se acham enormes jogadores, com excesso de preocupação com aspetos físicos, e maioritariamente do norte. Já vimos isto mil vezes.

Depois, a diversidade parece ser algo que se consegue se se tiver um concorrente negro e um homossexual, e está bom. Não. Acredito que um reality show possa ser muito mais interessante se tiver muito mais gente com vidas interessantes e longas, quarentões, cinquentões, com filhos, casamentos, que passaram por muita coisa, mas também gente magra e musculada, gorda e complexada, emigrantes, estrangeiros, gente bonita, gente feia, gente muito inteligente e com percursos de vida profissional admiráveis e gente sem estudos. Não sei se funcionaria ou não, sei que, garantidamente, pareceria logo que estávamos a ver um programa com ar fresco e diferente, e não só mais um BB como todos os outros.

2. Jogos sem interesse (dizer coisas em suíço)

A parte mais desinteressante de quase todos os formatos de Big Brother em Portugal são os desafios que colocam os concorrentes a fazer. Ontem, na gala, tivemos logo alguns exemplos dessas, que demonstram uma absoluta falta de criatividade. Pedir a uma concorrente para dizer aos outros uma frase em dialeto suíço é bastante pobre e não gera propriamente momentos muito divertidos. Não é assim muito difícil, sobretudo num primeiro programa, pensar em coisas mais giras.

3. Bruna Gomes

Bruna Gomes no BB

É um fenómeno nas redes sociais, uma mulher adorável, querida, simpática, mas não foi particularmente feliz na primeira gala. Acrescentou muito pouco, não fez observações particularmente relevantes ou eloquentes, não teve o discernimento para saber ler ou interpretar este ou aquele concorrente, limitou-se a ser a bonequinha de serviço, e aquela cadeira pede muito mais. Mas ela tem capacidade para, com o desenrolar do jogo, melhorar bastante.

O que foi mesmo péssimo

1. Vestidos

Concorrentes do Big Brother

Os vestidos das concorrentes da gala de estreia do BB podiam ter sido os vestidos da gala de estreia do BB do ano 2000. Acredito que seja fenómeno de imitação, mas a verdade é que todas as concorrentes entram para a casa como se estivessem a ir para uma gala dos Óscares, enfiadas em vestidos de gosto quase sempre muito duvidoso, que lhes fica invariavelmente mal, com um ar super desconfortável, e que as deixam enchouriçadas e sem personalidade.

Quando é que alguém ganhará coragem para aparecer com umas calças de ganga, uns ténis, um fato mais sóbrio, discreto, e que não pareça uma tentativa de cópia de todas as outras concorrentes das edições passadas? Isto aplica-se também a eles. Os homens já não sabem que as calças de fato não têm de ficar a meio do tornozelo, mas sim no topo do calcanhar, todos os cabelos são rapados de lado, com poupas esculpidas a cera, barbas aparadas e fatos justos.

2. Aquele momento estranho da menstruação

Contexto para quem não viu o programa: a concorrente Joana entrou para a casa menstruada e foi para o anexo, onde não tem pensos higiénicos. Este tópico, com piadas e observações e à partes e bocas, foi recorrente ao longo de quase toda a gala, sem particular graça e gerando até alguns momentos meio constrangedores. Era seguir em frente e resolver isso nos bastidores com a produção. Mas pronto, direto é direto e nem sempre se consegue perceber na hora o que funciona ou não. Isto, não funcionou.