É comum ouvirmos dizer que o tempo é um bem precioso, muitas vezes até mais do que o dinheiro. Na sociedade de hoje, em que saltamos diretamente da faculdade para o mercado de trabalho e muitos de nós se dedicam de corpo e alma à construção de uma carreira profissional, há pouco tempo para qualquer outra atividade ou projeto paralelo — e até os filhos podem ser adiados.
Uma investigadora da Universidade de Stanford acredita que este modelo, aplicado por grande parte das sociedades do mundo, em que começamos a trabalhar a tempo inteiro na casa dos 20 anos, está errado. O full-time só deveria acontecer a partir dos 40, sendo que a idade da reforma seria adiada até aos 85 anos (em Portugal, a reforma acontece aos 66 anos e quatro meses), se a atividade profissional não fosse muito exigente fisicamente.
Maratona profissional. O porquê de trabalhar até mais tarde ser proveitoso para as famílias
De acordo com Laura Carstensen, fundadora e diretora do Stanford Center on Longevity, há tempo suficiente para nos dedicarmos a tudo. No entanto, o nosso modelo de vida teria de ser organizado de outra forma. Segundo a investigadora, uma mulher com 40 anos tem uma esperança de vida de, pelo menos, mais 45 anos, enquanto que um homem da mesma idade é esperado que viva mais 42 anos, em média. E, para muitas pessoas, essa segunda metade das suas vidas será saudável o suficiente para que se consigam continuar a dedicar ao trabalho. Logo, Carstensen questiona o porquê de não aproveitarmos os 20 e os 30 anos para nos dedicarmos à construção de uma família, estudos ou qualquer outra atividade, a par com o trabalho.
A investigadora acredita que, ao invés de uma carreira profissional intensa de quatro décadas que termina abruptamente na casa dos 60 anos, se deveria apostar numa maratona profissional. Ou seja, uma carreira mais duradoura, mas com intervalos e tempo para os trabalhadores se dedicarem a outros campos da vida como obrigações familiares, estudos complementares ou qualquer outro tipo de atividades.
"Precisamos de um novo modelo. O atual não funciona, dado que não reconhece as outras necessidades da vida. As pessoas estão a trabalhar a tempo inteiro ao mesmo tempo que criam os filhos. Não há pausas e essas são precisas para nos atualizarmos", afirmou Laura Carstensen ao Quartz at Work, salientando que o verdadeiro sentido da longevidade é apostar nas mudanças estruturais das empresas e das condições laborais, para que seja possível abrigar todas as esferas das vidas das pessoas, existindo tempo para tudo.
Segundo a teoria da investigadora de Stanford, o tempo seria distribuído de outra forma. A educação prolongava-se para além dos 20 e poucos anos, ao mesmo tempo que as pessoas começariam a trabalhar gradualmente, num regime part-time, para que existisse espaço para construir família e aproveitar os primeiros anos dos filhos. O trabalho a tempo inteiro só começaria aos 40 anos, existindo então, mais perto dos 80, uma redução gradual até à paragem definitiva.
Portugal não está preparado para um novo modelo
Pedro Brás, psicoterapeuta da Clínica da Mente, concorda que este modelo poderia dar espaço para as pessoas apostarem noutras áreas das suas vidas, mas tem sérias dúvidas quanto à sua viabilidade em Portugal, pelo menos para já. "Claro que é muito importante, principalmente até aos 40 anos, termos tempo para nos dedicarmos ao auto-conhecimento, à formação da nossa família", explica à MAGG o especialista.
O especialista afirma que, na maioria dos países, as condições económicas da população não permitem fazer esta gestão. "Se calhar na Suíça, onde um trabalhador comum tem um ordenado que ronda os três e os quatro mil euros a full-time, as pessoas podiam optar por trabalhar em horário reduzido e ainda ter condições económicas para levar uma vida confortável. Mas não é esse o caso da maioria das sociedades, nem as empresas estão preparadas para essa mudança."
No entanto, o psicoterapeuta realça que não concorda com a ideia de que trabalhar mais tempo seja totalmente proveitoso. "A partir dos 70 anos o corpo humano fica muito cansado e a disponibilidade anímica para nos entregarmos ao trabalho mais reduzida, precisamos de descansar e ter tempo também para aproveitar os anos que nos restam de uma forma tranquila", conclui Pedro Brás.