Estivemos pela primeira vez em Viseu para conhecermos melhor esta localidade. Com cerca de 100 mil habitantes, Viseu foi três vezes considerada a "Melhor Cidade para Viver" pela DECO, nos anos 2007, 2012 e 2021, em termos de qualidade de vida.
"Viseu está no coração de Portugal", disse-nos Pedro Ferreira, o técnico que nos acompanhou nesta viagem. Também conhecida como "a cidade das rotundas" (passámos por pelo menos 20), é inclusiva e tem notado um aumento de turistas desde 2017 (excluindo a altura da pandemia).
Há um passo obrigatório a cumprir antes de visitar Viseu: descarregar a aplicação Walk Viseu. É gratuita e premiada e, no fundo, serve para conhecer a cidade sem precisar de um guia. Através da geolocalização, vai concedendo informações sobre os principais monumentos.
A app tem quatro idiomas disponíveis (português, inglês, espanhol e francês) e até uma versão para crianças. Durante o nosso tempo nesta cidade, não nos cruzámos com um único habitante antipático. Todas as pessoas com quem falámos foram acolhedoras e hospitaleiras, algo que, nos dias que correm, sobressai bastante.
Ficámos hospedados no Montebelo Aguieira Lake Resort & Spa, um hotel de cinco estrelas em Mortágua, a 40 minutos de carro do centro da cidade. Fica mesmo junto à Barragem da Aguieira e tem 152 apartamentos. Saiba como foi a nossa experiência aqui.
Visitar o coração de Viseu
A Praça da República é a praça principal de Viseu. Entre locais, chama-se Rossio. "Antes, o centro da cidade não era aqui. Era no centro histórico. Até a Câmara Municipal de Viseu estava lá", explicou-nos Pedro. Com fontes e árvores centenárias, esta praça é também a casa do Mercado 2 de Maio, que, atualmente em reabilitação, terá áreas de lazer e restaurantes.
É também aqui que está o famoso painel de azulejos, construído "para embelezar a zona" e para "representar o passado das gentes de Viseu". É possível vermos pessoas a trabalharem no campo, mercados, vendas de animais, cerâmica, pastorício e também as vestes típicas.
A capuchinha era muito usada no pastorício. Feita em borel, tecido de lã, era impermeável e ajudava principalmente as senhoras a protegerem-se do frio. Viseu é uma cidade rodeada por florestas e bosques. Fica num vale e está próxima de serras como a Serra da Estrela.
Junto ao painel de azulejos está o Jardim das Mães, que vem também tentar embelezar a cidade. Nos anos 30, Francisco D’Almeida Moreira criou o slogan "Viseu, Cidade Jardim". "Foi o primeiro marketeer da nossa cidade", brinca Pedro. Está em causa uma das personalidades mais importantes para esta região. Foi militar, professor e "era um apaixonado por arte".
Quando Francisco D’Almeida Moreira viajava (algo frequente), levava consigo um vídeo de Viseu, de modo a promover a terra em todas as ocasiões que arranjava. Ficou órfão aos 8 anos e viveu algum tempo fora, mas "quis sempre regressar a Viseu", porque "era a cidade do seu coração".
O artista prometeu que doaria o seu espólio à cidade quando morresse se fosse criado um museu, e assim foi. O Museu Almeida Moreira existe hoje naquela que era a residência do viseense, onde recebia famosos pintores da época como José Malhoa e Silva Porto. Contém obras a partir do século XVI e ainda mantém os tetos originais.
As invasões castelhanas destruíram a cidade no século XIV. Muita gente foi morta e Viseu "ficou deserta", já que "quem sobreviveu fugiu". D. João I tentou reconstruí-la ao ordenar, por exemplo, a construção de uma muralha para proteger de uma eventual nova invasão. Ainda é possível conhecer o que sobra das muralhas medievais.
A construção apenas terminou no reinado do neto de D. João I, o rei D. Afonso V. Em 1392, D. João I criou a Feira de São Mateus. 631 anos depois, permanece "o evento mais importante da cidade". A próxima edição acontece de 10 de agosto a 21 de setembro.
"Nos últimos anos, tem ultrapassado um milhão de visitantes", contou Pedro à MAGG. Esta feira, que dura um mês e uma semana, conta com concertos, gastronomia, diversões e muito comércio. É a iniciativa que mais atrai gente à cidade de Viseu. A entrada é gratuita.
Grande parte do comércio acontece na Rua Direita. Curiosamente, é no centro histórico que existe a maior vida noturna e os bares mais procurados. O Parque Aquilino Ribeiro também merece uma visita. É um polo importante de eventos e interessante para um piquenique. É lá que fica a Igreja da Ordem Terceira de S. Francisco, que contém um órgão de tubos no interior.
Conhecer a história da cidade
Viseu tem oito museus municipais (e gratuitos) e três privados. Todos eles contam, à sua maneira, o percurso desta região. Principalmente o Museu de História da Cidade de Viseu, que condensa 2500 anos em dois pisos e que ainda é "um embrião para criar um museu maior".
Este museu fala de algumas das personagens icónicas associadas a Viseu, como Viriato, que apresentam como "o herói lusitano". Do tempo dos romanos à altura em que se chamava Vissaium, passando pelo século XX e terminando no futuro, trata-se de um museu bastante moderno onde todas as salas têm objetos expostos.
É possível testemunhar um altar romano e até uma réplica da Cava de Viriato, o maior monumento edificado da Península Ibérica. "Ainda não sabemos bem para que é que foi construída", explicou-nos Glória, quem fez a visita. Trata-se de um octógono rodeado por um fosso.
No início da visita, recebemos um aviso: "começa a ficar escuro porque vamos mergulhar no passado". Quando nos aproximamos dos dias de hoje, encaramos um jardim vertical e também uma maior luminosidade. Termina na sala do futuro, onde está uma cápsula do tempo inaugurada em 2018, que apenas será aberta em 2038.
Dentro dela estão elementos como vinhos, notícias e receitas. É possível fazer uma visita virtual a este museu, que recomendamos bastante. Para conhecer melhor esta localidade, também pode visitar, por exemplo, o Museu de Arte Sacra da Sé de Viseu, o Museu Nacional Grão Vasco ou o Museu da Misericórdia de Viseu.
Outro dos museus imperdíveis é o Museu do Linho de Várzea de Calde, construído em 2009 numa casa tradicional de um lavrador abastado. Aqui, é recriado o quotidiano agrícola da região, com currais, um lagar, uma adega, uma cozinha tradicional e até um tear.
Durante a nossa visita a este museu, pudemos conhecer parte do grupo etnográfico da região. As cinco senhoras surgiram vestidas a rigor, com a tal capuchinha. "As capuchas fazem parte do nosso traje", disseram-nos. Estavam prestes a mostrar-nos a arte que faziam com o linho.
De lenços na cabeça (que antes eram obrigatórios), umas sentadas e outras de pé, iam lambendo os dedos e cantando versos como "namorei a tecedeira pelo buraco da chave" e "mariquinhas tecedeira tem o tear na barriga". Mesmo acordando de madrugada para a lavoura, chegavam até à uma da manhã a fiar.
"Cansadas de trabalhar, íamos fiar toda a noite. Juntávamo-nos numa casa e cantávamos. Era sempre uma alegria inacabável. Quem me dera estar nesse tempo", confidenciou-nos uma das tecedeiras, que depois acrescentou que "agora é televisão e Facebook".
Têm teares em casa, onde produzem as peças que depois vendem para fora. Vão tecendo por encomenda, quer no lar, quer mesmo na cooperativa, que funciona também como um posto de venda. "Já não semeamos como antes. Aproveitava-se todo o tempo", explicam à MAGG, por não terem à sua disposição tanto linho.
Linho esse que hoje "não tem tanta resistência", talvez devido à poluição. Das toalhas aos centros de mesa, passando pelas cortinas e pelos tapetes, o resultado final do artesanato é tanto apreciado por portugueses como por estrangeiros. "É ela por ela", garantem-nos.
Embora seja considerada uma "arte de mulheres", os homens também participam em algumas das fases. Quanto aos jovens, acaba por não ser viável a nível económico fazerem vida do linho. No entanto, até as crianças podem tecer — pelo menos neste museu.
Várzea de Calde, na zona norte do concelho de Viseu, tem cerca de 240 habitantes. "A nossa aldeia foi sempre uma aldeia de tecedeiras. Era rara a casa que não tivesse um tear", afirmava uma das tecedeiras à MAGG. "Competíamos para ver quem tecia mais", recordam, ainda.
Este museu de entrada gratuita (1€ caso deseje uma visita guiada com marcação) dá a conhecer a aldeia, assim como as suas gentes. O acervo foi todo doado pelos habitantes. "O linho foi o mote para o museu, que é a vivência, a história, os nossos antepassados, a nossa identidade", concluem.
Matar a fome
As principais recomendações são os restaurantes O Cortiço e Muralha da Sé. Almoçámos neste último, cuja fachada é, efetivamente, parte da muralha. Abriu portas há mais de três décadas no centro histórico e tem capacidade para 85 pessoas no interior e 45 na esplanada. Há oito anos, Hélder Almeida e o pai assumiram o negócio.
"Com a pandemia, não tem havido tanto turismo", reconhece Hélder, que admite que a procura "ainda não voltou ao que era". Desde então, "passou a ser mais o público nacional" a procurar o Muralha da Sé, que fecha à terça-feira e que aos domingos apenas serve almoços. Funciona das 12 horas às 14h30 e das 19 horas às 22h30.
A vitela, o polvo e o cabrito são os pratos mais procurados. Provámos várias das iguarias deste espaço, como o couvert, com pão, broa de milho, azeitonas e manteiga (1,95€) e a tábua de enchidos regionais (14,50€), com morcela, alheira e o melhor chouriço que já comemos.
No Muralha da Sé, usam produtos biológicos e locais. Embora a sangria seja boa, "é obrigatório" provar um vinho do Dão. Quanto aos pratos principais, a vitela à moda de lafões "é o ex-libris". E que ex-libris. Éramos capazes de voltar a Viseu só para repetir este prato saboroso e tenro (15,50€ meia dose e 26,90€ uma dose).
Também adorámos o cabrito assado no forno à pastor (18,50€ meia dose e 29,50€ uma dose), uma das comidas mais típicas de Viseu, assim como o polvo assado à lagareiro (24,90€ meia dose e 36,90€ uma dose), polvilhado com azeite da região e muito bom, tendo em conta que estamos tão longe do litoral.
Também experimentámos o leite creme queimado (3,95€) como deve ser, o pudim de pão (3,95€), bastante típico, e um divinal queijo de ovelha amanteigado com doce de abóbora (7,40€). "Estamos aqui para mostrar que em Viseu ainda se consegue comer muito bem e barato", disse-nos um dos funcionários, cheio de razão.
Mas uma ida a Viseu só fica completa se provar a doçaria regional. Foi na Confeitaria Amaral, que já existe há quase 60 anos, que comemos pela primeira vez um viriato. Este pastel em forma de "V" herdou o nome do herói mítico de Viseu e "tem um bocadinho mais de ovo".
"Este doce tem um contra — que é ser viciante", disse-nos uma das funcionárias da Confeitaria Amaral. Também comemos cavacas e pastéis de feijão, que eram bem diferentes daqueles a que estamos habituados. Uma overdose de açúcar e, portanto, de felicidade.
*A MAGG esteve em Viseu a convite do projeto Portugal Guia-te