Quem teve a oportunidade de fazer colónias de férias sabe bem como é chegar a um sítio onde não se conhece ninguém e, 15 dias depois, dar-se uma choradeira quando tudo acaba, com promessas de amizade eterna e cartas enviadas todas as semanas. Sim, cartas — sou orgulhosamente uma filha dos anos 80.

Agora que os 22 dias de férias já não permitem saídas tão prolongadas, e a ideia de cantar "O Pai Buda" vezes infinitas não é assim tão interessante como quando o fazíamos num autocarro a caminho da praia, há que jogar com o que temos. Não temos 12 anos? Temos 32. Não temos três meses de férias? Temos um fim de semana. Mas um fim de semana daqueles à séria, dos que nos fazem chegar na segunda-feira e ter os colegas a perguntar mas que raio se passou naqueles dois dias que o nosso ar está tão diferente do de sexta-feira.

Além do bronze que o Alentejo nos deu, o "ar diferente" talvez possa ser traduzido por relaxado. É que durante dois dias não fizemos mais nada a não ser cuidar de nós.

O Empower Yoursef Retreat foi criado por um grupo de pessoas tão diferentes como aquelas que se juntaram para dele usufruir. Filipa Jardim da Silva é psicóloga, Vanessa Andrade cozinheira, Melanie Pereira maquilhadora. Está feita assim a tríade que contou ainda com Filipa Soares, diretora da empresa da área da beleza e bem-estar Vannytime e gestora destes dois dias de onde sairia com "uma melhor versão de mim". Pelo menos era isso que prometiam. A ver vamos.

O corpo não se alimenta só de comida

O cenário, já por si, massaja-nos os olhar. O Monte da Oliveirinha fica ali entre Évora e Arraiolos, numa herdade tão longe do mundo que o céu à noite ganha outras cores. Há uma piscina, muita relva, gatos para fazer festas, sofás confortáveis e almofadas que nos fazem sentar no chão a imaginar que aquela lareira acesa no inverno também não era má ideia.

Mindfulness. Há benefícios mas também efeitos secundários que ainda não foram estudados
Mindfulness. Há benefícios mas também efeitos secundários que ainda não foram estudados
Ver artigo

O check-in era às 18 horas e até ao jantar o tempo estava reservado para nos ambientarmos ao espaço e às pessoas. Trocam-se as primeiras impressões, explora-se a herdade e, já sentados pela sala comum à luz de velas e candeeiros com luz fraca, há logo quem não consiga segurar um longo bocejo, que contagia metade do grupo. "Os níveis de cortisol já estão a baixar, não é? O corpo deve estar a perguntar-se: 'Mas onde raio estou eu e que calma é esta?", diz Filipa Jardim da Silva.

De facto, ou isso, ou o chá que dizia "relax" na caixa já está a fazer efeito. E quando vemos que o dia seguinte começa com uma meditação às oito da manhã, decidimos deixar que a camomila e a valeriana nos embalem. A mente tem que estar descansada para estar alerta.

Logo no início, Filipa Jardim da Silva promete pôr-nos a pensar. Ou melhor, promete ensinar-nos a pensar. "Ainda ontem uma das participantes me dizia que gostava de fazer meditação mas que não faz porque não consegue esvaziar a mente. Mas a ideia nunca é esvaziar a mente, isso é toda uma grande confusão que se criou", explica à MAGG.

Ainda que tenha começado, como todos os seus colegas, pelo curso de psicologia, Filipa rapidamente percebeu que queria ver a pessoa como um todo e não se admire se numa consulta ela lhe pergunte exatamente o que come durante um dia. "Todos somos sistema, não vale a pena tratar uma parte se tratar o todo", garante.

As organizadoras: Vanessa Andrade, Filipa Soares, Filipa Jardim da Silva e Melanie Pereira

Também por isso quis trazer para o retiro a alimentação cuidada e de inspiração macrobiótica de Vanessa. "O que nos alimenta não vem só pela boca, mas às vezes pequenas trocas alimentares evitam até a toma de ansiolíticos e antidepressivos", garante.

É por isso que todas as refeições ficam a cargo de alguém que tem no seu próprio corpo a resposta à pergunta: "Mas vale assim tão a pena mudar?". Vanessa Andrade vem da área da comunicação e deixou recentemente um cargo de chefia numa das mais conhecidas agências do País para se dedicar àquilo que a deixa mais feliz: alimentar os outros. E a si também, na verdade. É que foi na alimentação cuidada que descobriu a resposta para um corpo cansado, a viver constantemente em stresse e com uma tiróide a dar de si.

"Eliminei todos os processados, os açúcares, glúten e lactose durante uns tempos e as análises voltaram ao normal. Isto depois de me dizerem que teria que tomar medicação para o resto da vida". Aos 31 anos, preferiu trocar os comprimidos por sopa miso, os dias desgastantes de trabalho por viagens à volta do mundo e dedica-se agora inteiramente à Greensmiles que, para já, é apenas um site onde partilha receitas e conhecimento, mas que em breve quer transformar numa marca que ensina mais sobre alimentação, tanto em retiros como em workshops.

Uma dos almoços saudáveis e com inspiração macrobiótica: arroz integral, legumes escaldados, tempeh frito, sementes e chucrute

Fomos portanto as cobaias de Vanessa neste tipo de eventos e estamos cá para contar a história. Ao pequeno-almoço havia bolo feito com feijão, pão de farinha de aveia, manteigas de amêndoa e se sésamo e sumos de fruta. Palavras estranhas à maioria como tempeh, tofu, chucrute, alga kombu e agar agar, ajudaram a montar as refeições principais. As reações variavam sempre entre a surpresa de um sabor novo e o arrumar para o lado e pensar que "isto é bom, mas falta um bife". Quando alguém pergunta: "Mas os vegans não comem sopa?", quase que cuspimos o último pedaço de grão que ainda temos no prato. Vanessa prefere responder com duas sopas na refeição seguinte, que, tanto quanto sabemos, a cenoura, a abóbora e a beterraba não têm origem animal.

Mas sabem para que serem também estas interações sociais? Para perceber que não sabemos tudo. É que se o tofu, o chucrute e a kombu fazem parte do nosso dia a dia, no workshop que Melanie deu sobre maquilhagem, parecíamos alguém a aprender a tabuada do nove.

Entrevista. “O que vai para a panela não é só a cenoura e a batata. Vai tudo aquilo que és”
Entrevista. “O que vai para a panela não é só a cenoura e a batata. Vai tudo aquilo que és”
Ver artigo

Bloco, caneta e olhos atentos. Primeiro o creme hidratante, depois o primer. "Toda a gente sabe o que é um primer, certo?". Levantamos a mão sem vergonha de dizer que para nós aquilo é o equivalente ao tempeh para quem gosta é de naco na pedra.

Melanie, cheia de paciência, lá explica que o primer prepara a pele para receber a maquilhagem. E nós, de cara lavada, percebemos o porquê da ignorância. "Há que deixar de pensar nestes cuidados como uma coisa fútil", salienta a maquilhadora, que parece adivinhar os nossos pensamentos. E nós engolimos o orgulho de quem dizia que "maquilhagem não é a nossa cena" e apontamos tudo. É que depois do primer ainda vem a sombra, o rímel, a base — que pode ser líquida ou em pó — o corretor e o pó. Isto se não formos para o baton e o blush. E os pincéis, as esponjas e os desmaquilhantes? Fiquei com a sensação de que todo este amor próprio me vai tirar horas à cama.

A importância de escrever à mão

Para quem acha que meditar é estar dez minutos de olhos fechados a pensar em nada, desengane-se. Filipa pôs-nos a imaginar cenários, a analisar cada parte do corpo e explica que o importante é conseguir manter uma espécie de ténis mental. "Quando a mente foge para a lista de compras, nós trazemo-la para o momento presente", refere.

E quando a mente não colabora, a caneta dá uma ajuda. Todas as noites, há que escrever quais foram os momentos mais importantes do dia, os medos, as críticas e os auto elogios. De manhã traçam-se — e escrevem-se — objetivos e, ao longo do dia, há tempo até para escrever cartas, numa espécie de Revenge of the 90's.

As manhãs começam com meditação e ao longo do dia seguem-se sessões de coaching

Neste caso, a carta não vai para o colega que nos calhou ao lado na roda do grupo, nem para um daquelas com quem já combinou jantares e copos. Esta carta vai ser escrita de mim para mim. "Imaginem-se daqui a seis meses e escrevam uma carta para o vosso eu atual", pede Filipa. Entre conselhos, elogios e alguns "espero bem que faças mesmo isso que estás a pensar fazer", o lápis flui e as palavras são guardadas num envelope que Filipa promete fazer chegar ao correio de cada um. Assim, mesmo em dezembro, cada um pode voltar ao aqui e ao agora.

Esta vontade de parar, por quem no dia a dia só sabe fazer, justifica o sucesso de um retiro que esgotou logo na primeira edição. O próximo mantém-se no Monte da Oliveirinha nos dias 27, 28 e 29 de setembro (preços desde 290€), mas fica a promessa de levarem, já no próximo ano, o conceito ao Norte, à zona Oeste e também aos Açores.