Se fechar os olhos, tentar acalmar-se por uns minutos e focar toda a sua atenção na respiração consegue concentrar-se no presente, sossegar a mente e diminuir a ansiedade e o stress. Se fizer deste um método frequente pode aumentar a sua concentração, criatividade, tranquilidade, bem-estar e melhorar as relações com os outros. A esta técnica chama-se mindfulness (que engloba mais do que este tipo de meditação) e tem ganho destaque ao longo dos últimos anos, embora ainda se saiba pouco sobre os seus efeitos secundários.
Apesar disso é sugerida como forma de tratamento da depressão, pelo serviço nacional de saúde britânico, e cada vez mais usada em salas de aula de forma a deixar as crianças mais tranquilas. A MAGG falou com a psicóloga e coach de mindfulness Florbela Silva e com o médico psiquiatra, psicoterapeuta e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, Diogo Telles Correia, para perceber tudo o que se sabe sobre os seus riscos e benefícios.
Prestar atenção ao "aqui" e "agora"
Florbela Silva explica que o "mindfulness é uma qualidade da consciência que resulta de prestar atenção, de forma intencional", no momento do "aqui" e do "agora". Quando o faz, dá-se conta do que está realmente a sentir, a pensar e a fazer nesse preciso momento, "sem o catalogar de certo ou errado, apenas aceitando como sendo a realidade do momento presente". Segundo a psióloga, a prática de mindfulness não altera aquilo que acontece na vida, como "os imprevistos, os atrasos, os contratempos, as alegrias, as tristezas" mas, torna mais fácil entender que tem o poder de escolher a forma como se relaciona com todos esses acontecimentos e sentimentos.
No fundo, tal como cuidamos do nosso físico, e vamos ao ginásio, vamos caminhar ou correr, também a nossa mente pode ter o seu momento de ginásio diário. O momento em que treina, para que possamos mais tarde, durante o dia poder usar as suas potencialidades com maior eficácia".
O psiquiatra Diogo Telles Correia explica que o "mindfulness é considerado como uma técnica 'alternativa' aos tratamentos tradicionais na área da saúde mental". Os tratamentos ditos normais são a psicoterapia e a psicofarmacologia (o tratamento com medicamentos). "Estes são os tratamentos que estão mais testados e para os quais se conhecem os efeitos positivos, mas também a segurança (os seus efeitos secundários)", esclarece o médico. Nas suas palavras o mindfulness consiste "numa técnica que pretende treinar a concentração das pessoas de forma a conseguirem ter domínio sobre os seus pensamentos".
Florbela olha para o mindfulness como o ginásio da mente: "No fundo, tal como cuidamos do nosso físico, e vamos ao ginásio, vamos caminhar ou correr, também a nossa mente pode ter o seu momento de ginásio diário. O momento em que treina, para que possamos mais tarde, durante o dia poder usar as suas potencialidades com maior eficácia". A técnica engloba práticas formais e informais: as formais, são também chamadas da práticas de meditação e as informais são as que engloba no dia-a-dia, "e são chamadas de atenção ao que está a fazer". Exemplo disso é o momento "STOP": "Praticando-o várias vezes por dia, damo-nos conta desse momento, após Parar (Stop), Tomar consciência de como estamos, Observar os nossos pensamentos e Prosseguir. Um momento breve que nos permite trazer ao momento presente a mente e o corpo".
Meditar não se trata de ficar no vazio
As técnicas de mindfulness são praticadas por pessoas "que pretendem estar mais presentes na sua vida, mais conscientes das suas escolhas", por quem se quer conhecer melhor e "fazer uso das suas potencialidades intrínsecas para viver a sua vida". Ele vai permitir melhorar o conhecimento que tem do seu próprio corpo. A psicóloga explica que para habitar o seu corpo deve percebê-lo: a mente passa cerca de 50% do tempo em que estamos acordados fora do momento presente. Sabendo que certas doenças são fruto de hábitos e de traços de personalidade, dos quais, muitas vezes, não se tem consciência, com o mindfulness pode perceber e mudar tudo o que está mal.
A meditação é uma das técnicas mais praticadas de mindfulness e a psicóloga garante que há vários estudos publicados no meio médico-científico que provam que esta é uma forma de terapia, e, mais ainda, "que é uma forma de promover a saúde". Explica ainda que, "ao contrário do que muitas vezes se imagina, meditar não se trata de ficar no vazio ou não pensar em nada: trata-se de treinar a nossa mente a dar-se conta de quando é que se distrai do exercício que estamos a praticar".
No entanto, Florbela Silva alerta para que, quando praticada com regularidade e intensidade, a meditação permite "trazer para o nível consciente informações que não estavam disponíveis". Por isso, ao entrar em contacto com estas informações, dependendo do estado emocional do praticante, este pode não se sentir preparado para lidar com todas as novas informações.
Os efeitos secundários ainda não estão estudados
Já o psiquiatra acredita que a meditação, e o mindfulness no geral, têm uma função sobretudo preventiva: "É usado para prevenir as perturbações de ansiedade que são uma epidemia no nosso século, com a aceleração do mundo e com a hiperestimulação da mente". Esta técnica pode ser um convite a parar e a dominar o seu tempo e pensamento. No entanto, o médico acredita que, "quando as perturbações de ansiedade ou a depressão já estão instaladas, esta técnica deixa de ser tão eficaz".
Diogo Telles Correia aconselha a procurar um médico especializado em casos de depressão ou ansiedade, "para que sejam prescritas intervenções que comprovadamente são eficazes e que sejam seguras, de forma a que o problema do paciente seja aliviado e não agravado (como muitas vezes acontece quando pessoas sem formação profunda na área sugerem tratamentos que não têm a sua segurança comprovada, como é o caso do mindfulness)".
Para o médico existem ainda "problemas fundamentais relacionados com estas técnicas": "Elas são alternativas e, como tal, não há estudos suficientes que permitam saber se são seguras. Temos de ter muito cuidado com tudo o que interfere na mente, que é tão complexa. Os tratamentos tradicionais como a psicoterapia e a psicofarmacologia estão muito estudados e apenas são propostos pelos técnicos mais seguros". Outro dos grandes problemas é o facto de as novas técnicas alternativas serem propostas e mesmo orientadas por leigos na área de saúde mental: "É fundamental que qualquer intervenção neste domínio seja precedida por uma avaliação da pessoa feita por um técnico especializado em saúde mental, nomeadamente um médico psiquiatra". Isto porque este vai perceber se é um problema médico, explicando que "muitos problemas como as alterações hormonais podem-se manifestar como ansiedade e depressão", ou se é um problema psiquiátrico.
"Se for um problema psiquiátrico tem de se perceber quais as vantagens e riscos de qualquer intervenção. É muito mais fácil fazer mal nestes pacientes do que fazer bem. Aplicar uma técnica cujos riscos não estão bem estudados, e se ainda por cima for ministrada por uma pessoa sem formação profunda em saúde mental, é um risco muito grande", acrescenta o psiquiatra. Tal como Florbela Silva, o médico acredita que, para uma pessoa que não esteja bem emocionalmente, estar a aprender exercícios que pretendam aumentar a concentração em determinadas partes do corpo, pode aumentar a sua ansiedade em vez de a diminuir.