Há máquinas assustadoras no ginásio, porque o desconhecido intimida sempre. Há aquelas plataformas que tremem, há elípticas para os braços, há máquinas de musculação que parecem mutantes prestes a ganhar vida. E algures pela sala de treino, deve ter-se deparado já com uma passadeira curva. Sabe para que serve?

Exato. Serve para correr. Mas o seu modo de funcionamento é diferente, assim como os objetivos por que deve ser utilizada. Comecemos pelos elementos diferenciadores: além de ser curva nas suas extremidades, este equipamento "não tem motor", explica à MAGG Paulo Quin, personal trainer do Holmes Place.

A partir daqui, vamos por partes.

Se não tem motor, como é que funciona?

Ao não ter motor, não permite escolher uma velocidade pré-definida, um programa específico ou uma determinada inclinação, como acontece com a convencional. Isto faz com que o utilizador "dependa mais do seu próprio movimento" ao impor o seu ritmo, "que aqui não depende da aceleração da própria máquina."

Ou seja: quanto mais rápido correr, mais rápido ela se rola. E vice-versa. É quase como se estivesse a correr na rua, uma vez que não tem o chão a mover-se por baixo dos seus pés a uma velocidade fixa, dependendo mais do seu próprio peso.

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É boa para emagrecer?

Tal como na rua, também aqui o esforço físico é superior face à passadeira normal. Segundo Paulo Quin, trabalhos de curta duração e de maior intensidade serão aqueles que devem ser realizados neste equipamento, o que poderá ser bastante benéfico para atletas, para quem aposta em treinos de alta intensidade e para quem com sprints se quer preparar para corridas. "A passadeira curva simula terreno acidentado. Pode ser sem dúvida interessante para preparar provas nomeadamente a pensar nas subidas ou colinas", acrescenta a PT Bárbara Alemão.

O treino na passadeira intimidante também é bom para emagrecer, uma vez que "estudos têm comprovado que treinos HIT são mais vantajosos para a perda de peso do que os de longa duração", sublinha Paulo Quin.

Mas não é uma regra estanque: nisto de diminuir a massa gorda, é preciso considerar as especificidades de cada pessoa. "Quando se fala de gasto calórico temos de pensar na massa corporal da pessoa em causa, no metabolismo, eficiência a correr e duração do exercício", diz a PT. "Do ponto de vista do esforço podemos é dizer que, para a mesma velocidade de corrida, a pessoa sente mais dificuldade na passadeira curva. Mas só isso não chega para fazer uma afirmação sólida."

É ideal para toda a gente?

É discutível. É que nem sempre a máxima "no pain, no gain" se adequa — se há pain em excesso, desistimos e não há gain para ninguém.

Bárbara Alemão chama a atenção para o facto de a passadeira curva "criar maior sensação de fadiga, algo que numa pessoa com pouca aptidão cardio respiratória pode configurar uma dificuldade". Explica que nas passadeiras convencionais "a perceção de fadiga é menor para a mesma velocidade", acrescentando que nas que são planas não se inclui "a habituação que a curva exige ao início."

Sigamos as diretrizes de quem sabe do que fala. "Diria que faz sentido usar a curva em pessoas com maior aptidão cardio respiratória ou em pessoas que a pretendam desenvolver esta componente, mas que já saibam utilizar bem a passadeira convencional."

Cá estão elas. Não lhes fuja mais.

São todas iguais?

Não, são dois e têm apenas um fator diferenciador: a resistência, isto é, a possibilidade de a tornar mais pesada, fazendo-a mover-se mais lentamente quando a utiliza. Esta segunda hipótese é vantajosa por dois motivos. Primeiro, além de servir para correr, passa a servir também para empurrar, outro dos exercícios possíveis.

Apesar de cansar, ela diminui o impacto nas articulações

Pela sua curvatura, também os pés e a postura sentem as vantagens na utilização desta passadeira. "Sofrem mais com uma passada na passadeira convencional",  diz o PT. "[A passadeira curva] propicia contacto no terço anterior do pé, diminuindo o impacto. É como se estivéssemos a subir na rua. Numa passadeira convencional apoiamos mais o calcanhar no início da passada, o que faz com que o impacto nas articulações do tornozelo, joelho e zona lombar seja maior."

Com a curvatura, também as costas se mantêm sempre mais direitas, garantindo uma boa posição corporal de corrida. E ativam-se músculos diferentes: "Obriga a fletir mais a coxa. Os fletores da coxa ficam mais ativos nesta passadeira do que na convencional."

Cuidados a ter no início

Para os caloiros, o melhor é começar com uma resistência mais pesada (caso a máquina tenha essa possibilidade), de modo a que haja um controlo melhor da velocidade. Esta é, aliás, uma dica que o PT deixa para quem se vai aventurar em treinos neste equipamento. "Deve começar-se com uma resistência mais forte para andar mais devagar e de forma mais controlada. Muito solta, um pequeno avanço do corpo acelera logo a passadeira."

Além disto, o Paulo Quin aconselha a que a primeira utilização, sobretudo quando quem treina está a começar, seja acompanhada por alguém. Até porque é bom treinar a entrada e saída da passadeira, uma vez que ela não tem nenhum botão de "stop". Ou seja: ou vai diminuindo a velocidade, até começar a andar e ela parar de vez (o que, por vezes, dado o nível de cansaço é uma tortura), ou salta para as extremidades laterais do equipamento onde já nada rola — não é assim tão difícil, até quem vos escreve consegue fazer isto.

(artigo publicado em janeiro de 2020)