O abate de 540 animais na Quinta da Torre Bela, na Azambuja, que aconteceu a 17 e 18 de dezembro, tem chocado os portugueses. Agora, são tornados públicos pormenores sobre os caçadores e a quinta onde tudo aconteceu. A empresa espanhola que organizou a matança na propriedade no Ribatejo chama-se Monteros de la Cabra, tem sede em Badajoz, Espanha, e foi fundada há 25 anos por um casal de universitários com a caça como paixão em comum, segundo a TVI24.
Mariano Morales e Virginia Rodriguez, que se veem numa das fotografias virais que chocaram Portugal, são os proprietários da empresa. Mariano é advogado, e o responsável por toda a gestão das caçadas. "É o nosso capitão de montaria (o nosso diretor de orquestra)", revela o site Travel Agencies Finder, um agregador de agências de viagens. Já Virginia Rodriguez, engenheira agrícola, "encarrega-se de toda a gestão e de lidar com os clientes, escolhas de hotéis, receção no aeroporto, documentação", pode ler-se no mesmo site, que também elogia o trabalho da engenheira para os "caçadores se sentirem em casa".
A Monteros de la Cabra, que opera em Espanha e em Portugal, é descrita ainda como uma empresa organizadora de eventos de caçada que preza o espírito de equipa. "Recebem os caçadores como clientes e o seu principal objetivo é que voltem a casa como amigos", afirma o Travel Agencies Finder.
Para participar numa caçada como a que aconteceu na Azambuja, que causou a morte a centenas de animais e reuniu 16 caçadores, cada um dos participantes teve de pagar entre sete a oito mil euros, avança o "Jornal de Notícias", que cita uma fonte do setor da caça.
Abate está a ser investigado
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que classificou a matança dos 540 animais — entre os quais javalis, gamos e veados — como um "ato vil", afirmando tratar-se de um crime ambiental, deu ordem de revogação imediata da licença de caça turística da Quinta da Torre Bela, no concelho de Azambuja, e anunciou ainda que irá avançar com uma queixa no Ministério Público por indícios de crime contra a preservação da fauna.
Contudo, João Pedro Matos Fernandes lembrou que "a caça repovoa um conjunto de ecossistemas, existe, e é autorizada, para gerir recursos energéticos", acrescentando ainda que "não é para matanças generalizadas". "O ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas] está neste momento a recolher as provas daquilo que pode muito bem ser um crime", acrescentou o ministro.
Militares da GNR e técnicos do ICNF estiveram esta terça-feira, 22, na propriedade a apurar responsabilidades e, de acordo com os dados recolhidos, suspeitam que os espanhóis desrespeitaram o contrato que haviam celebrado com o proprietário português. O executivo já ordenou também que o ICNF avance com a inspeção das cerca de 1500 propriedades de caça em Portugal, para evitar a repetição de episódios semelhantes.
Depois de o caso vir a público, o ICNF, as autoridades locais e a Câmara Municipal da Azambuja desmarcaram-se de responsabilidades, afirmando que não tiveram conhecimento prévio da intenção de abate pela empresa espanhola. O ministro do Ambiente revelou que, de acordo com a lei, "não têm de ser comunicadas ao ICNF as caçadas e as montarias". O que está em causa, segundo Matos Fernandes, "é de facto um erro que, para ser corrigido, obriga a uma mudança da lei".
A matança que ocorreu na Quinta da Torre Bela também já foi repudiada pela própria Federação Portuguesa de Caça (Fencaça), que considerou o que aconteceu “uma barbaridade”. “Do ponto de vista ético, aquilo não é caça", disse Jacinto Amaro, presidente da Fencaça, em entrevista à TVI24.
Para o caçador, em causa estão interesses económicos do proprietário da quinta que, para além de se “querer livrar dos animais em excesso”, lucrou com o valor da carne e três mil euros por cada um dos 16 caçadores, que levaram grande parte das peças para o seu país.
"Aquilo que, para mim, está por detrás disto tudo, é um produtor agropecuário que tinha mil ou mil e tal animais da espécie de veado, gambo e javali, que pelo facto de reduzir a sua exploração em 200 hectares, onde vai instalar este parque de painéis fotovoltaicos, ficava com animais a mais. Portanto, foi matar uma parte", diz. Ainda assim, Jacinto Amaro, reconhece que "infelizmente, a situação que se passou não pode ser considerada ilegal".
O parque em causa diz respeito a um projeto que envolverá a colocação de mais de 638 de mil painéis fotovoltaicos no terreno onde foram abatidos mais de 500 animais. O Partido Pessoas Animais Natureza (PAN) também tinha apontado como possível causa do abate a instalação da central, "cujo Estudo de Impacte Ambiental (EIA) encontra-se ainda em fase de consulta pública até 20 de janeiro de 2021", disse no Facebook.
A mesma tese é defendida pelo PSD, que exigiu esta terça-feira, 22 de dezembro, o "apuramento total das responsabilidades quer quanto à atuação lesiva dos eleitos socialistas na Câmara de Azambuja, quer dos proprietários da Quinta da Torre Bela, quer ainda dos promotores da mega-central solar fotovoltaica", pode ler-se num comunicado citado pelo "Diário de Notícias".
Os sociais-democratas apontam ainda o dedo às entidades "que nada fizeram para defender o território municipal, em particular o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a Associação Portuguesa do Ambiente (APA)".
O Partido da Terra (MPT) também reagiu, repudiando a "chacina de animais na Quinta da Torre Bela" e exigiu que "o Ministério do Ambiente e Acção Climática não se limite a revogar a licença de caça".