"Se os violadores não estão a ser perseguidos, se as mulheres violadas não têm voz, se temos penas suspensas atrás de penas suspensas, é porque este crime está silenciado também por quem não quer fazer as alterações". As palavras foram ditas esta quinta-feira de manhã, na Assembleia da República, pela ativista Francisca de Magalhães Barros, porta-voz das mais de 106 mil pessoas, de todas as cores políticas, atores, cantores, humoristas, advogados, homens, mulheres, que assinaram a petição que exige que a violação passe a ser um crime público e não dependa da queixa da violada num prazo de seis meses. Entre as muitas figuras públicas que assinaram a "Petição para a conversão do crime de violação em crime público" estão nomes como os de Nuno Markl, Carolina Deslandes, Catarina Furtado, Marisa Liz, Melânia Gomes, Manuela Ramalho Eanes, Paula Teixeira da Cruz ou Teresa Leal Coelho.
No texto que leu no Parlamento, Francisca de Magalhães Barros, 32 anos, uma ativista que já deu a cara como vítima de violência doméstica, falou da "quantidade de violadores que existem e de violações que ocorrem, onde a prejudicada é a sobrevivente e o beneficiário é o violador". Isto porque, passado o prazo de apresentação de queixa, deixa de haver crime. "Num dos crimes mais horrendos que pode existir contra a mulher, passados seis meses, elas são tratadas como lixo", disse. "Houve violadores que ficaram à solta porque um grupo de mulheres só apresentou queixa 6 meses depois", lembrou Francisca. "Elas simplesmente deixam de existir no código penal". Um dos problemas do prazo tem que ver com o período traumático que se segue a uma violação, que pode levar meses, anos a ser reparado. E isso não pode ser um argumento para que o crime deixe de existir, legalmente. "Uma mulher violada, que ainda não se refez do trauma, não pode apresentar queixa (após os 6 meses), simplesmente porque não existem técnicas e meios suficientes para garantir a sua segurança e a segurança de todas as outras mulheres".
Esta situação, de acordo com Francisca de Magalhães Barros, leva a que prolifere a sensação de impunidade em quem viola. "E assim, violador atrás de violador vão enchendo as nossas ruas, até termos uma mulher violada por dia".
Outro dos pontos da argumentação dos que pedem uma alteração na lei tem que ver com a ineficiência dos apoios às mulheres violadas. "Não existem gabinetes de atendimento suficientes de apoio às vítimas de violação. Há apenas dois, um em Lisboa e outro no Porto. As mulheres violadas de outras regiões têm a obrigação de ter dinheiro para pagar, durante anos, terapia", disse a porta-voz dos peticionistas.
A petição é assinada por mais de 106 mil pessoas, "personalidades das mais diversas esferas, ligadas à política, da esquerda à direita, sem tomar partidos num assunto que diz respeito aos direitos humanos de todas as mulheres", reforçou Francisca.
Ao não se mexer na lei, "os violadores não estão a ser perseguidos" e as mulheres violadas que não apresentem queixa "não têm voz". Assim, o que a petição pede são coisas como "o aumento do prazo de queixa", "a recolha do esperma e o seu congelamento para que se a sobrevivente mudar de ideias possa apresentar queixa ", ou a criação de "mais gabinetes de apoio para que as suas necessidades mentais e físicas sejam atendidas".