O homem foi detido em flagrante delito e mesmo na presença das autoridades continuou a ameaçar a mulher de morte. A vítima contou que foi agredida durante 50 anos, mas o Tribunal da Relação do Porto defende que a falta de relações sexuais retira gravidade ao caso e recusa-se a aplicar uma medida de coacção de proibição de permanência na residência do casal ao agressor. Isto por não ter a certeza de que este tem outro local para viver.
O caso chegou ao Tribunal da Relação do Porto através de um recurso apresentado pelo Ministério Público, que não se conformou com a decisão previamente aplicada pelo juiz de instrução, que havia decidido que apresentações periódicas às autoridades – três vezes por semana – seriam suficientes para controlar a situação e evitar novos episódios de violência.
Falta de relações sexuais entre o casal terá influenciado a decisão dos juízes
O juiz José Carreto e a colega Paula Barreto, os dois juízes do Tribunal da Relação do Porto alocados ao caso, consideraram que, entre outras coisas, a falta de relações sexuais retirou gravidade ao caso de violência doméstica. "Se o crime é grave em termos legais, a ponderação dos factos retira-lhe muita dessa gravidade legal", disseram.
Segundo a SIC Notícias, a frase foi proferida pelos próprios, que explicam que tiveram em conta o facto do arguido ser alcoólico, quase surdo e doente oncológico e, ainda, a alegada falta de relações sexuais entre o casal. Do ponto de vista dos juízes, este "fenómeno", assim se referiram à falta de relações sexuais, leva a conflitos entre marido e mulher e a eventuais acusações de infidelidade.
Segundo dizem, o facto de a mulher não querer manter relações sexuais com o marido releva da "diferente natureza do homem e da mulher em função da idade e da apetência para o ato, que em face duma ausência de conhecimento ou deficiente compreensão de tal fenómeno, leva a conflitos entre os casais e a eventuais acusações de infidelidade, como parece ser o caso, face ao nível cultural dos intervenientes".
Agressor ameaçou a vítima de morte à frente das autoridades
O caso remonta a novembro de 2021. Data em que a vítima, uma mulher de 70 anos, de Gondomar, terá ligado para o 112, depois de o marido a ter insultado e agredido, enquanto lhe apertava o pescoço e dizia: "sua puta, sua vaca, andas a trair-me", avança o jornal "Público".
As autoridades deslocaram-se até ao local, onde, mesmo na presença de militares da GNR, o suposto agressor terá dito "és uma cabra, vou-te matar" – intenção que reforçou no percurso até ao posto da GNR. Já em tribunal, a mulher terá contado que há 50 anos que é vítima de violência doméstica por parte do marido, que a insulta, agride, ameaça e força a ter relações sexuais.
Apesar de o Ministério Público ter proposto duas medidas de coação: a proibição de o homem permanecer na residência de família e a proibição de contacto com a ofendida; a decisão, escrita pelo juiz José Carreto e também assinada pela colega Paula Barreto, revelada esta quinta-feira, 7 de abril, pelo jornal "Público", avança que o arguido não pode ser afastado de casa, porque não tinha para onde ir.
"Ao contrário do que ocorre com as vítimas de violência doméstica, a quem o Estado concede abrigo em casas para o efeito destinadas em situações de saída de casa, pelo ilícito em causa, o arguido não beneficia de nenhum apoio, o que pode por em causa uma medida de afastamento, quando não tem local para se afastar ou condições para o obter, sendo certo que nessas condições podem ser colocados em causa os direitos humanos fundamentais, que a todos são atribuídos", começaram por explicar.
"Nenhum dado nos é dado que permita concluir que o arguido pode ser afastado da sua habitação porque tem condições (pessoais, económicas, patrimoniais) para cumprir essa medida, sendo que sabemos que o filho mora longe e desconhece-se inclusive se permitiria ali a sua presença ou se tem condições para o efeito ou autoriza a instalação de meios de controle eletrónico", acrescentaram.
Neste sentido, concluíram que faria mais sentido encaminhar o alegado agressor para tratamento psicológico especializado. Até à data, não se sabe quais as implicações práticas da decisão.
Contactos úteis
- Linha de Apoio à Vítima (chamada gratuita) - 116 006
- Linha de informação ás vítimas de violência doméstica - 800 202 148
- Infovitimas.pt
- Linha de Saúde 24: 808 24 24 24
- Número Nacional de Socorro: 112
- Linha Nacional de Emergência Social: 144