Antes do arranque da guerra, era um jornalista, cineasta e produtor norte-americano, com dois trabalhos já presentes na HBO Max (disponíveis em Portugal) e uma mão cheia de prémios em carteira. Agora, é mais uma vítima mortal do conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia e o motivo pelo qual os Estados Unidos prometem "consequências" à nação de Putin.

Ucrânia. Jornalista norte-americano morto a tiro por tropas russas
Ucrânia. Jornalista norte-americano morto a tiro por tropas russas
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Brent Renaud, de 51 anos, terá sido morto a tiro pelas tropas russas, este domingo, 13 de março, quando estas abriram fogo contra um carro na zona de Irpin, a 25 quilómetros de Kiev, a capital da Ucrânia. Inicialmente, foi identificado como correspondente do "The New York Times", com base num cartão de imprensa que carregava consigo, mas o jornal norte-americano já veio esclarecer a situação e garantiu que o repórter, que em tempos colaborou efetivamente com a publicação, já não estava ao serviço do jornal desde 2015.

Segundo o ministério do interior ucraniano, o norte-americano estava na Ucrânia a trabalhar num documentário sobre refugiados, que andava a fazer em vários locais do mundo para a TIME Studios​. A informação foi ainda confirmada pela revista norte-americana em comunicado.

"Estamos devastados pela perda de Brent Renaud. Como premiado cineasta e jornalista, Brent abordou as histórias mais difíceis do mundo, muitas vezes ao lado do seu irmão, Craig Renaud. Nas últimas semanas, [Brent] estava na região a trabalhar num projeto da TIME Studios, focado na crise global de refugiados. Os nossos corações estão com todos os seus entes queridos", avança a publicação. "É essencial que os jornalistas possam cobrir com segurança esta invasão em curso e a crise humanitária na Ucrânia", lê-se no mesmo texto.

Com Renaud, estava também um fotojornalista de origem colombiana, Juan Arredondo, que foi ferido e transportado para o hospital Okhmatdyt, na Ucrânia, à hora do ataque russo. Num vídeo partilhado nas redes sociais pela jornalista italiana Annalisa Camilli, é possível ouvir a versão da tragédia, contada na primeira pessoa pelo colombiano ferido, que para além de professor adjunto da Universidade de Columbia, é também um fotojornalista já premiado no Word Press Photo, em 2018. 

"Estávamos a filmar os refugiados em fuga, íamos conduzir um carro que alguém nos ofereceu para nos levar para a outra ponte. Atravessámos o posto de controlo e eles começaram a atirar sobre nós", conta. "O meu amigo Brent Reanud foi baleado no pescoço e deixado para trás, e separámo-nos", acrescentou ainda o fotógrafo neste vídeo, com cerca de um minuto, publicado pelas 12 horas (horário de Lisboa) deste domingo, 13.

Casa Branca promete que vão ser tomadas "medidas apropriadas"

A morte do jornalista foi confirmada horas depois pela polícia local, avança o "Daily Mail". No que à postura dos Estados Unidos face à tragédia diz respeito, a Casa Branca já reagiu através do conselheiro para a segurança nacional, que garante que serão tomadas as "medidas apropriadas", depois da morte do jornalista.

No mesmo sentido, também já o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), sediado em Nova Iorque, pediu às tropas russas para pararem imediatamente com toda a violência contra jornalistas e civis. "Quem matou Renaud deve ser responsabilizado", escreveu a organização na rede social Twitter.

Das guerras no Afeganistão ao currículo como cineasta, Brent Renaud tinha uma carreira de sucesso

Se é que alguma vez se está, poder-se-ia dizer que Brent estava habituado à guerra. Aos 51 anos de idade, este não era o primeiro conflito armado que acompanhava de perto, sob risco iminente de um ataque à sua integridade física. Sabia para o que ia e partiu imediatamente para o terreno, sem pensar duas vezes.

Pelo menos, foi o que disse um dos amigos mais próximos de Renaud, Christof Putzel, em declarações à CNN norte-americana, citadas pelo jornal "Público". Segundo conta, Brent Renaud entrou num avião para a Ucrânia no dia seguinte à invasão do país pela Rússia, a 24 de fevereiro, data em que, ainda que sem confirmação oficial, arrancava também uma crise humanitária, que já ultrapassou a marca dos 4,8 milhões de refugiados. 

O jornalista fez reportagens no Afeganistão e no Iraque, tendo mesmo chegado a acompanhar o exército norte-americano no terreno, sempre em prol do jornalismo. Arriscou a vida no Haiti, após o tsunami, e foi autor de uma denúncia de violência dos cartéis de drogas no México, sob forma de documentário. Segundo conta o "The Independent", passou a última década a fazer reportagens em várias zonas de conflito e, agora, procurava relatar apenas mais uma história.

Simon Ostrovsky, correspondente especial do PBS News Hour, escreveu no Twitter que o seu colega era "um cineasta sem paralelo". E Putzel não só confirma, como vai mais longe: para si, a morte do amigo e colega foi mesmo "uma perda devastadora para o jornalismo", tal como afirmou no programa de Brian Steltern, na CNN.

"A única coisa que tinha maior do que 'os seus tomates' era o seu coração"

O jornalista norte-americano, que saiu da faculdade para o Camboja, sem qualquer ajuda monetária, e com apenas uma pequena câmara de vídeo digital na mão, que mal sabia usar, tornou-se num profissional de sucesso, cujo olhar para os acontecimentos marcou a vida de quem com ele se cruzou.

Tinha "a habilidade de ir para qualquer lado, de chegar lá e conseguir histórias, tinha uma capacidade de ouvir e de comunicar às pessoas o que se estava a passar", contou Putzel, citado pelo jornal "Público", que trabalhou com ele, há dez anos, num filme premiado sobre contrabando de armas na fronteira com o México.

"Quando recebemos o prémio, disse-lhe que a única coisa que ele tinha maior do que ‘os seus tomates’ era o seu coração. E continuo a dizê-lo", rematou.

Pelas razões óbvias, falamos de Brent, mas importa referir que muitos dos trabalhos que marcaram o currículo do norte-americano enquanto jornalista, produtor, videorepórter e cineasta premiado foram realizados lado a lado com o irmão, Craig, através da produtora Renaud Brothers, criada pelos próprios. Os irmãos passaram a última década a fazer reportagens em várias zonas de conflito. Até hoje, além de terem vencido um dos mais prestigiados prémios de jornalismo, um Peabody Awards, produziram ainda vários documentários para plataformas como a HBO.

Pode ver dois dos documentários de Brent na HBO Max, em Portugal

  • "Dope Sick Love"

"Para um toxicodependente, o dinheiro vem e vai e a pedrada também. Relações terão hipóteses entre viciados? Conheçam Matt e Tracy, e Sebastian e Michelle, dois casais de Nova Iorque que procuram o amor e pedradas, em todos os locais errados". É assim que a plataforma de streaming HBO Max convida os utilizadores a espreitar o trabalho produzido pelos irmãos Renaud, já em 2005.

"Dope Sick Love" é mais uma porta aberta para a realidade de vítimas da droga em Nova Iorque, enquanto tentam desesperadamente ganhar dinheiro para pagar a próxima dose. O resultado é um exame duro, mas real da necessidade humana de dar a vida em prol de um consolo temporário. Ainda que de forma incontrolável e, muitas vezes, quase inconsciente.

É de 2005, mas continua a espelhar histórias atuais. O trailer não está disponível online, mas o documentário com 89 minutos faz parte do catálogo da HBO Max, em Portugal.

créditos: HBO Max
  • "Meth Storm"

Sob o ponto de vista de agentes da polícia de Arkansas e da DEA, que lutam para parar os cartéis, esta produção dos irmãos Renaud é uma chamada de atenção, sob forma de documentário, que pretende espelhar, sem atenuantes, os riscos da guerra contra as drogas.

A inspiração por detrás de "Meth Storm", segundo os próprios criadores, foi o cenário trágico a que assistiram numa unidade de queimados em Memphis, no Tennessee, onde a maioria dos pacientes eram crianças com queimaduras nas mãos e rostos. Todos vítimas de explosões em laboratórios de metanfetaminas caseiros, muitas vezes improvisados nos próprios quintais.

"Na última década, as forças policiais praticamente encerraram a produção americana de metanfetaminas... Por isso, os cartéis mexicanos inundaram os EUA com uma super metanfetamina mais barata chamada 'ICE'", avançaram os criadores em declarações à "Rolling Stone", com a ressalva de que é precisamente esta metanfetamina que protagoniza o documentário de 96 minutos, já disponível na HBO Max, em Portugal. 

De momento, avança a CNN Portugal, o reconhecido jornalista, que chegou a ser um dos bolsistas da Nieman Foundation for Journalism da Universidade de Harvard em 2019, teria em fase de pós-produção do documentário "Haiti Hospital", com base numa reportagem que terá feito com o irmão para o "The New York Times", enquanto ainda trabalhava para o jornal norte-americano.

A última publicação de Brent data de 8 de março de 2022, quando já se encontrava em solo ucraniano.