Marina Ovsyannikova. É este o nome da jornalista e produtora que entrou no estúdio do canal estatal Channel One, esta segunda-feira, 15 de março, com um único objetivo: tentar transmitir a ideia de que a Rússia manipula os meios de comunicação e de que, por isso, os telespectadores não têm acesso à verdade sobre o que se passa na Ucrânia.

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Por volta das 21h35 (horário de Moscovo), quando a pivô Yekaterina Andreyeva lançou uma notícia sobre a relação política da Rússia com a Bielorrússia, Ovsyannikova apareceu com um cartaz na mão, com um mensagem direcionada à comunidade russa. "Parem a guerra. Não acreditem na propaganda. Aqui, estão-vos a mentir", lia-se. 

O incidente constituiu uma violação de segurança altamente improvável na emissora estatal, durante aquele que é o principal noticiário russo, já exibido desde os tempos da União Soviética (que terminou em dezembro de 1991), avança o "Diário de Notícias". O momento tornou-se viral nas redes sociais e foi precisamente através do Twitter que os utilizadores foram acompanhando os avanços no caso. 

No vídeo, percebe-se que a manifestante conseguiu dizer algumas frases em russo, incluindo "parem a guerra", enquanto a pivô tentava elevar o tom de voz e tornar imperceptível o que Marina Ovsyannikova estava a tentar comunicar. No entanto, o canal estatal não tardou a tomar uma atitude e a imagem da pivô e da jornalista (agora, dissidente) foi rapidamente substituída por uma peça jornalística com imagens de um hospital.

De acordo com a OVD-Info, citada pelo "The New York Times", Marina Ovsyannikova terá sido entretanto detida pela polícia. Mas, talvez por saber as consequências legais da ação que estava prestes a desempenhar, antes de interromper a transmissão em direto, gravou uma mensagem onde diz que "nos último anos" trabalhou no Channel One, admite ter "ajudado" na propaganda do Kremlin e confessa ter "vergonha" do que fez no passado.  

O vídeo foi partilhado pelo "The Insider", um site de notícias independente especializado em jornalismo de investigação, conhecido por expor notícias falsas divulgadas pela comunicação russa.

"Infelizmente, nos últimos anos trabalhei no canal federal e ajudei o Kremlin na propaganda e tenho vergonha do que fiz. A minha mãe é russa, o meu pai é ucraniano e o colar no meu pescoço é o símbolo de esperança de que, um dia, os dois povos possam fazer as pazes", diz, acrescentando que o que está a acontecer na Ucrânia é "um crime" e que a Rússia é "o agressor".

"Não tenham medo de nada, eles não nos podem prender todos", rematou. Até à data, sabe-se que Marina está detida, mas os meios de comunicação russos ainda não avançaram quaisquer informações face a eventuais consequências legais.

Na Rússia, levantar um cartaz em branco pode resultar em 15 anos de prisão

Marina Ovsyannikova agiu em protesto em pleno canal estatal, mas, desde o arranque da guerra, milhares de pessoas já foram detidas na Rússia por protestarem contra à atitude de Putin. Pouco ou nada se sabe sobre o desfecho das detenções, mas o jornal "Público" avança que algumas continuam presas.

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E o que é facto é que, na Rússia, esta detenção não vai contra a lei, antes pelo contrário: segundo a mesma publicação, a a 4 de março, o governo russo aprovou a criminalização da partilha de informação independente sobre o que se passa na Ucrânia, assim como os protestos contra a guerra, com penas até 15 anos de prisão.

Sendo que não é sequer necessário que os cartazes ou frases proferidas em causa sejam necessariamente ofensivas ou direcionadas ao governo. De acordo com a AFP, citada pelo mesmo orgão, uma rapariga foi detida pelas autoridade russas por gritar "paz no mundo".

E Kevin Rothrock, editor do Meduza, um site de notícias independente na Rússia, confirma, avançando que há mesmo quem seja preso por segurar uma folha ou cartaz em branco. 

Zelensky agradece aos russos que não têm medo de protestar

Na sequência do que aconteceu com Marina Ovsyannikova, Volodymyr Zelensky deixa um apelo generalizado aos russos "que continuam a espalhar a verdade".

"Estou agradecido àqueles russos que não deixam de espalhar a verdade, que estão a lutar contra a desinformação e dizem os factos reais aos seus amigos e famílias", disse, rematando que "desde que a Rússia não esteja completamente fechada do resto do mundo, a transformar-se numa Coreia do Norte", ainda é possível marcar uma posição face às decisões do governo, avança o jornal "Observador".