Várias cidades em França estão a ser palco de manifestações, este domingo, 7 de fevereiro, que exigem "Justiça para Julie" ("Justice pour Julie"). Em causa está a história de uma mulher que diz ter sido violada por 22 bombeiros sediados em Paris, quando tinha entre 13 e 15 anos. Mais de uma década depois, o caso continua em tribunal. Até agora, apenas três dos bombeiros foram investigados e acusados, tendo um juiz considerado que se tratou de "sexo penetrativo consensual com uma menor de 15 anos."

Mas vamos por partes. A história chocante remonta a 2008, altura em que Julie (nome fictício), hoje com 25 anos, terá começado a ser seduzida e aliciada por Pierre,  um bombeiro do quartel Bourg-la-Reine. Conheceram-se depois de este a assistir, na sequência de um ataque de pânico severo.

O homem, que na altura tinha 20 anos, terá tido acesso ao número de telefone da menor, através da sua ficha médica e começou, assim, a enviar-lhe "mensagens afetuosas".

Fez a menina crer de que se tratava de uma relação exclusivamente de amizade, mas não: o homem acabou a pedir à jovem que despisse a roupa através da webcam, acabando eventualmente por violá-la na sua própria casa, aproveitando que Corinne Leriche, mãe da menor — que acreditava nas boas intenções do bombeiro — estava ausente, conta o "Le Parisien".

Depois desta, seguiram-se muitas outras. Pierre permaneceu na sua vida e passou o seu contacto a outros bombeiros. Num estado de depressão profunda, apelidada de "ninfomaníaca", e submetida a um cocktail grande medicamentos, desde ansiolíticos a antidepressivos, a jovem (que escreveu num diário que estava em estado "vegetal") foi abusada em parques de estacionamento ou capôs de carros. O seu número circulava por entre vários bombeiros de Paris, todos maiores de idade.

De acordo com a investigação, a saúde física e mental da menor começou a deteriorar-se muito conforme as violações se foram acumulando, o que levou a mais ataques de pânico, que resultaram em 130 visitas de bombeiros a sua casa.

Julie tentou, inclusivamente, suicidar-se, tendo sido internada num hospital psiquiátrico infantil, onde, numa casa de banho acabou por ser violada por outro bombeiro. Chegada do internamento, em novembro de 2009, relata que Pierre foi a sua casa, informando a mãe de que iria levá-la a dar um passeio. Levou-a para sua casa, onde a menor foi violada por mais dois colegas.

Juiz considerou que três bombeiros tiveram "sexo penetrativo consensual com menor de 15 anos".

A julho de 2010, Julie deixa de tomar medicação, como parte do processo de revisão do tratamento a que estava a ser submetida. De mente mais clara, revelou toda a história de abuso à sua mãe. A 31 de agosto, apresentou uma oficial à polícia.

De acordo com o depoimento de Leriche, esta pensava que Pierre apenas queria saber da saúde da sua filha. "Eu até fiz bolo para o bombeiro", conta. "Estávamos gratos por terem olhado pela Julie quando ela estava doente."

Seis meses depois de ter sido apresentada a queixa, três bombeiros começam a ser alvo de investigação — mas nada foi feito em relação aos outros 17. Durante o interrogatório, dois dos acusados admitiram ter feito sexo em grupo com Julie, durante a hora de serviço e de uniformes vestidos.

Outro admitiu ter tido relações com a menor numa casa de banho do hospital em que a adolescente estava internada — afirmando, no entanto, não ter notado que a criança apresentava quaisquer sinais de vulnerabilidade. Os três alegaram que os atos haviam sido consensuais.

Em março de 2011, foi nomeado um juiz para investigar a violação coletiva levada a cabo pelos três homens. O processo demorou oito anos e, em 2019, o magistrado decide retirar as acusações de violação, substituindo-as por "sexo penetrativo consensual com menor de 15 anos".

Protestos exigem introdução de idade de consentimento sexual na lei

Após ouvir o resultado, Julie tentou suicidar-se, tendo a tentativa resultado em graves ferimentos. A família rejeitou a decisão do tribunal e recorreu, levando o caso ao Tribunal do Apelo de Versalhes. Em novembro, o recurso foi rejeitado, tendo o tribunal considerado que Julie havia consentido os atos sexuais.

A decisão gerou pela altura uma grande onda de protesto, que se repete agora, a dois dias de o caso chegar a uma conclusão no Tribunal de Cessação, o supremo tribunal de apelo neste país. Os advogados pedem que os 20 homens, dos diversos quartéis de bombeiros, sejam acusados de violação.

As manifestações "por Julie" exigem também a alteração da lei francesa, que distingue "abuso sexual" e "violação", sendo a segunda apenas considerada como tal se existir penetração, violência, coação, ameaça ou surpresa. A pena máxima para o abuso sexual é de sete anos e para violação é de 20.

Outra das exigência passa pela consagração na lei de uma idade de consentimento sexual, como acontece no resto da União Europeia.

Já em 2018, na sequência de casos mediáticos referentes a sexo de adultos com menores, geraram-se ondas de  protestos que culminaram com uma proposta para a alteração da lei que introduziria, então, uma idade de consentimento aos 15 anos — o que passaria a significar que ter relações sexuais com alguém mais novo seria considerado violação.

Mas a lei não foi aprovada, tendo relatório do governo francês concluído que tal resultaria "numa suposição de culpa." Em Portugal, a idade a partir do qual jovens podem iniciar vida sexual consentida é aos 14 anos.

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