Com apenas 14 anos, Ashlee Thomas chegou a pesar 38 quilos. Já hospitalizada, o coração parou por duas vezes e as equipas médicas responsáveis por acompanhar a evolução do seu quadro clínico temiam o pior. Mas Thomas, agora com 20, sobreviveu e desde então que se tem dedicado a ajudar outras pessoas que batalhem diariamente com casos de anorexia.
Mas quando os casos dizem respeito a crianças ou jovens, o processo tem de envolver também os pais. E é a eles que Ashlee Thomas faz questão de alertar para os perigos do Instagram, a plataforma social que a própria diz ter servido como catalisador para o que lhe aconteceu.
Na altura, recorda a jovem, foi no Instagram que começou a acompanhar influenciadores digitais que se especializavam na publicação de conteúdo sobre alimentação saudável. Ashlee Thomas, que na altura praticava desporto, tinha apenas um objetivo: ter um corpo semelhante àqueles que via diariamente de cada vez que abria a aplicação.
"Só queria ser gostada e amada como eles [referindo-se aos influenciadores digitais que acompanhava] eram. Queria sentir um bocadinho daquilo que eles sentiam", explica à CNN.
Mas o que aconteceu foi o oposto e começou quando, em resposta a uma das fotografias que publicou no seu perfil pessoal, uma pessoa disse-lhe que tinha uma barriga flácida e com gordura a mais. Foi aí, diz, que deixou de comer.
"A situação chegou a um ponto em que o meu pai teve de me abrir a boca enquanto a minha mãe me tentava alimentar com uma seringa com comida. Recusava-me a comer", diz.
Mas o caso de Thomas não é único. Anastasia Vlasova, 18, sobrevivente de anorexia, passou pelo mesmo. "Estava viciada no Instagram", diz à CNN, e depressa começou acompanhar apenas influenciadores digitais com corpos definidos. Sempre que via corpos perfeitos, odiava o seu e, por conseguinte, passava a odiar-se a si própria.
"Sentia-me bombardeada com todas as mensagens [subliminares] daquelas publicações: tens de treinar todos os dias, fazer vários tipos de exercícios, fazer uma dieta específica e evitar certo tipo de comidas", refere.
O relato das duas jovens surge no rescaldo do testemunho de Frances Haugen, a mais recente delatora do Facebook que testemunhou esta terça-feira, 5 de outubro, no congresso americano alegando que o grupo Facebook — que detém as aplicações Facebook, Instagram e WhatsApp — está ciente dos efeitos nocivos que tem nos seus utilizadores, inclusive nos mais novos.
O Facebook sabe que é nocivo, mas recusa-se a mudar
"Acredito que os produtos e os serviços do Facebook são nocivos para as crianças, promovem a divisão e tornam frágil a nossa democracia", diz Haugen, que durante o tempo em que trabalhou na empresa de Mark Zuckerberg, assumiu as funções de gestora de produto.
O testemunho de Haugen teve como base um estudo interno do próprio Facebook que concluiu que "13.5% de raparigas adolescentes, utilizadoras do Instagram, disseram acreditar que a plataforma as fez pensar mais vezes em suicídio e mutilação" e que "17% sentiu que a rede social agravou casos de distúrbios alimentares, como anorexia".
Mais: o mesmo estudo concluiu ainda que uma em cada três raparigas adolescentes é suscetível a sentir complexos com o seu físico depois de usar as plataformas detidas pelo Facebook.
Frances Haugen decidiu testemunhar por acreditar que, embora o Facebook esteja ciente destes dados, decidiu não mudar absolutamente nada nas suas plataformas para evitar quebras de lucro. "A liderança da empresa sabe como tornar o Facebook e o Instagram mais seguros, mas recusa-se a fazer as alterações necessárias porque puseram o lucro em primeiro lugar e não as pessoas", referiu Frances Hugh ao congresso.
Ainda que o Facebook, pela voz do seu CEO, Mark Zuckerberg, tenha desvalorizado as acusações, Pamela Keel, responsável pelo centro de investigações de distúrbios alimentares da Universidade da Flórida, nos EUA, diz que a publicação de fotografias no Instagram pode aumentar os complexos dos utilizadores com os seus corpos e com as suas aparências físicas.
"Esse é um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento de distúrbios alimentares", explica a especialista. Ashlee Thomas, que ao longo de todo este processo contou com o apoio dos pais, também é crítica da falta de agência das redes sociais e pede regulação.
"Não devíamos ter de acabar numa cama de hospital ou ter de ser alimentados à força porque estas redes sociais nos encorajam a passar fome ou a 'comer de forma saudável'", conclui.