João Amorim já era famoso no Instagram e ficou viral quando perdeu a conta naquela rede social em setembro. Se procurar por @followthesuntraveler vai encontrar a página, mas sem o mesmo número de publicações, as imagens que nos levavam para outras partes do mundo — como a Arábia Saudita por onde viajou João —, e o número de seguidores de outrora. São agora 78 mil, quando antes de perder a conta João Amorim contava com quase 103 mil seguidores. É uma diferença de 25 mil, número que conta pouco sobre o que realmente significa perder uma conta que é, mais do que um local que faz sonhar quem a segue, a ferramenta de trabalho e o rendimento de João.
"Não é a cena mais horrível do mundo, há coisas piores, mas é o meu trabalho. É como se tu, de um momento para o outro, fosses despedido e tivesses de começar de novo num outro país. Mas o que mais me custou não foi perder as memórias, não foi propriamente perder os seguidores, foi perceber que se não conseguisse fazer nada em relação a isto, provavelmente não iria conseguir concretizar todos os meus planos daí para a frente", diz João Amorim, de 30 anos, à MAGG.
Perder a conta de Instagram colocou em causa viagens planeadas e parcerias com marcas que lhe dão a oportunidade de fazer algumas das viagens que alimentam a conta. Um desses exemplos foi a viagem à Arábia Saudita, que o viajante, fotógrafo e guia fez com o amigo António Pedro Moreira.
Investiram uma quantia avultada, incluindo num profissional que captou imagens para a produção do documentário "Insha’Allah – Perdidos no Berço do Islão", cujo objetivo seria recuperar uma parte do investimento feito através de um custo simbólico (3€). Problema: com o desaparecimento da conta de Instagram de João Amorim, um dos principais meios para levar as pessoas ao filme, o retorno será mais difícil de alcançar — outra das consequências da conta perdida sem mais nem menos.
"Inicialmente, achei que tinha sido desativada. Cheguei ao Instagram e já não tinha acesso à conta. Quando entrei, estava a pedir para fazer ativação de dois fatores [de autenticação]. Achei estranho, fui ao computador e pedia a mesma coisa e eu pensei que tinha acontecido qualquer coisa. Fiquei com um mau pressentimento, mas não achava que tivesse ficado sem a conta", lembra João. A verdade é que foi isso mesmo que aconteceu e demorou algum tempo até que o também conhecido como Follow The Sun Traveler caísse na realidade.
João Amorim chegou a receber posteriormente um e-mail, supostamente do Facebook, a dizer que não tinha respeitado as normas da comunidade. Contudo, conseguiu detetar que o e-mail era falso, embora suscitasse algumas dúvidas ao início, pelo facto de até ter o domínio do Facebook. "O hack já é um nível muito elevado", sublinha. O passo seguinte foi tentar responder a vários inquéritos da plataforma, sem sucesso porque não os conseguia submeter, e tentou ainda contactar o Facebook, mas nem assim conseguiu uma resposta para resolver a situação. Sem esperanças, João Amorim decidiu criar outra conta passada uma semana, deixando para trás aquela que tinha há cerca de sete anos, criada quando foi para a sua primeira grande viagem, pela América Latina.
A história de João Amorim não é única, o mesmo aconteceu com as irmãs Inês Taveira e Irina Taveira, da página SkincareGirls, cuja conta anterior de Instagram foi desativada devido a uma denúncia de uma marca de beleza que, por curiosidade, era das que mais falavam na página original. As irmãs deram a volta por cima e criaram uma nova conta, com conteúdos diferentes, parte do número de seguidores que transitaram da conta anterior graças a partilhas de fãs, e a mesma dedicação que tinham, embora não a tempo inteiro no caso de Inês.
Duas contas, duas formas diferentes de desaparecerem e vários casos diários que levam ao desespero de quem depende do Instagram financeiramente. Como prevenir mais casos e o que fazer quando isto acontece para que o empregador, o Instagram, não leve a melhor? Fomos saber.
O que fazer se de perder uma conta de Instagram
Quem não usa o Instagram como conta profissional, pouco ou nada se preocupa com o facto de a conta poder desaparecer. Ainda assim, são sempre memórias e alguns seguidores que se perdem. É possível evitar isso, basta seguir as dicas de Paulo Rossas, Chief Innovation Officer na Lisbon Digital School.
"Para já, não utilizar as mesmas passwords em todo o lado. É a pior coisa que se pode fazer", aconselha. "Arranjar os two step evaluation, que é telemóvel e password, e ir mudando de passwords e não ter sempre as mesmas em tudo", continua. Além disso, Paulo alerta para as mensagens duvidosas do Instagram. A regra é não carregar em nenhum link enviado, uma vez que esses "têm bots e esses bots têm programação por trás e depois permitem enganar". Há ainda que referir que "o Instagram não envia e-mails a ninguém", dica que João Amorim descobriu por si só quando verificou que o e-mail supostamente do Facebook vinha sem assunto e com dois "Hi".
Contudo, o risco está sempre à espreita e se o ataque acontecer é preciso saber como proceder. Contactar o Instagram é a solução que nos ocorre no imediato, mas talvez não seja a mais eficaz porque o "Instagram é sempre lento". O melhor é pedir aos máximo número de amigos que reporte a situação.
"A primeira coisa a fazer é falar com o máximo de amigos, pedir para irem à conta e dizer que 'esta conta foi roubada'. Repetir dez a vinte vezes. Porquê? Não existe propriamente uma pessoa à frente do computador a ver quantas contas é que foram roubadas. Como devem calcular, são roubadas por dia milhares de contas", começa por explicar Paulo Rossas. "Como é que isto acontece? Há um senhor indiano, e não estou a brincar, existem muitos senhores indianos que estão sentados, por turnos, ao computador e vão recebendo tickets do mundo inteiro. O que é que ele lê no ticket? 'Esta conta que foi perdida investe dinheiro? Sim ou não? Sim. Então vou tratar rápido. Não, então passa para segundo plano'. É mesmo assim, esta é a ordem. Depois: 'Esta conta tem muitos fãs e está verificada? Sim ou não?. Sim. Boa. Investe dinheiro? Sim. Boa'. E é a primeira a ser tratada", explica Paulo Rossas. Uma conta que não corresponder a nenhum dos requisitos, poderá ser salva com a ajuda dos amigos.
"Quantos mais amigos fizerem report, mais tickets ele vai começar a receber ao mesmo tempo da mesma conta. Vai disparar qualquer coisa e ele vai olhar", continua Paulo sobre o primeiro passo a dar quando a conta é perdida.
Os restantes, passam por mudar a password do e-mail e, por fim, "não entrar em pânico" por uma simples razão: "Há um backup de tudo e o Instagram consegue repor exatamente tudo igual ao que estava. O hacker pode fazer o que quiser. O pior é a reputação", remata o Chief Innovation Officer na Lisbon Digital School.
Contudo, neste impasse, enquanto não se sabe se há solução, a perda de uma conta de trabalho que é também a única fonte de rendimento em alguns casos, gera no imediato um pico de ansiedade, que dá lugar a desespero e, logo de seguida, a frustração. "A frustração vem trazer um sentimento que é muito comum e do qual não se fala muito, que é a desesperança. É pessoa perder a âncora", refere a psicóloga Dina Guerreiro da Clínica da AutoEstima.
Em alguns casos, a esperança pode até manter-se, mas é preciso perceber que a recuperação da conta pode nunca acontecer. É, por isso, essencial começando pensar no futuro. "Uma das estratégias a adotar é um pensamento resiliente, focado no futuro e numa forma positiva de arranjar recuperar o trabalho que foi feito até então", continua a psicóloga.
Uma conta perdida por uma denúncia. Como acontece?
No Instagram são mais conhecidas como SkincareGirls, mas por detrás da conta (a segunda atualmente), está Irina, de 31 anos e formada em Direito, e Inês, de 26 anos, militar. Ambas têm uma paixão por cuidados com de pele e produtos de cosmética e decidiram criar uma conta no final de 2020. Chegaram a alcançar mais de 4 mil seguidores na conta anterior e atualmente têm pouco mais de 2 mil.
Foi Irina quem se apercebeu de que algo não estava bem, ainda que ao inicio tivesse desvalorizado. "Tinha estado no Instagram a fazer umas coisas, eram umas 21h. Sai para fazer qualquer coisa, entrei dez minutos depois e a nossa conta tinha desaparecido. Aparecia uma mensagem de erro a pedir para fazermos recurso, mas nem dizia que a página tinha sido desativada. Nem entrei logo em pânico porque pensei 'isto deve ser um erro'", conta Irina à MAGG.
Chegou até a desinstalar e a voltar a instalar a aplicação, mas uma hora depois percebeu que tinham perdido a conta, sem conseguir entender o porquê. "Não tínhamos feito nada de mal, publicado nada contra as regras do Instagram, nunca tínhamos recebido um aviso", que, segundo o regulamento do Instagram, é enviado quando as regras são infringidas.
As irmãs, formadas em estética facial e dermocosmética, tentaram contactar o Facebook através do apoio ao utilizador, que indicou que teriam de preencher os formulários a pedir um recurso. Irina chegou a preencher 38 (que a plataforma diz nunca ter recebido) e ambas enviaram inúmeros e-mails para o Facebook. Duas semanas depois, perceberam a razão da desativação da conta.
Apesar de acharem que não tinha violado as normas do Instagram, para uma marca de cosméticos a SkincareGirls tinha infringido uma regra: os direitos. "Foi uma marca que denunciou a nossa página porque reclamou propriedade intelectual sobre uma das nossas fotografias, que nós tirámos, na zona onde vivemos. O cenário é quase sempre o mesmo, somos amadoras e tiramos com o telefone", conta Irina. Na entrevista à MAGG Irina e Inês optaram por não revelar a marca, no entanto, a história é pública na atual página de Instagram, onde revelam que foi a The Ordinary a denunciar a SkincareGirls.
O mais inédito é que foram os produtos desta marca de skincare que inspiram as irmãs a criar a página com o objetivo de partilhar com mais pessoas os efeitos positivos que sentiram. "Todos os dias fazíamos publicidade gratuita àquela marca, usávamos produtos deles. Foi muito injusto", diz Irina revoltada.
Para recuperarem a página, a marca tinha de dizer ao Instagram que permitia que a SkincareGirls continuasse a fazer conteúdos. A The Ordinary prometeu fazê-lo, mas tal nunca chegou a acontecer e a conta ficou perdida, acabando por dar lugar a uma nova a 23 de julho.
Apesar de a fotografia ter sido tirada pelas irmãs, pode estar em causa uma violação de direitos, de acordo com Paulo Rossas, que dá um exemplo de uma marca portuguesa à qual pode acontecer o mesmo. "A página do Dr. Bayard tem elementos do Star Wars, da Rua Sésamo, elementos de tudo, e eles não estão a pagar direitos de nada disso. Se a Rua Sésamo quiser bloquear e apagar a conta do Dr. Bayard, apaga, não há problema nenhum. Porque de quem é que são os direitos? Não são deles. Essa é que a questão", explica.
Muitas vezes o uso de elementos com direitos passa despercebido, mas no caso SkincareGirls, ainda que fosse uma conta pequena quando comparada com outras no mundo da skincare, não escapou à The Ordinary.
Segundo Paulo Rossas, há "falta literacia digital em Portugal para perceber o que é um direito e o que não é um direito".
Depois da tempestade, uma nova conta e os medos
Inês e Irina criariam uma nova conta passadas duas semanas da perda, que foi difícil de ultrapassar. "Nós não vivemos a 100% desta página, mas o objetivo é esse. Temos um projeto e uma ideia na nossa cabeça, que passa um bocadinho por esta página. Portanto, quando perdemos o nosso trabalho todo, porque publicamos todos os dias, somos super consistentes, vimos o nosso sonho a desmoronar-se. Porque as nossas formações académicas não têm nada que ver com isto. Descobrimos aqui um sonho em comum e pensámos em desistir", conta Irina.
Contudo, isso não chegou a acontecer e, apesar de terem demorado algum tempo, lá criaram a nova SkincareGirls. O número de seguidores não é o mesmo, mas muitos mostraram-se solidários. "De facto, os seguidores foram incríveis, apoiaram-nos muito mesmo e foi isso que nos fez continuar", continua a irmã formada em Direito.
O mesmo aconteceu com João Amorim. "Esta comunidade, que eu sei que criei e que de facto se viu com esta página nova, dava-me aquele quentinho de que 'ok, perdi muita coisa, vai ser muito difícil recuperar, mas acho que muita gente vai-se lembrar de mim e vai à minha procura mais tarde ou mais cedo'", diz o influenciador de viagens. E foi isso mesmo que aconteceu, não só com a ajuda de alguns amigos com milhares de seguidores que partilharam a nova conta, como através de uma onda de solidariedade.
Não existem estratégias milagrosas para ultrapassar a frustração de perder inúmeros seguidores, tudo vai depender da personalidade de cada um. "É importante as pessoas terem uma coisa muito presente: para ultrapassar esta perda — que é como um luto quase como se estivéssemos a falar da perda de um emprego, neste caso porque é uma ferramenta profissional —, é preciso passar por um processo. A pessoa entra na angústia, no desespero, depois vai entrar no patamar de aceitação", diz a psicóloga Dina Guerreiro.
Foi na fase de aceitação que João decidiu virar a página e pensar no futuro. "Com esta conta nova mudei o chip. Agora quase que nem tento recuperar a outra, porque se recuperar não sei o que hei de fazer", remata o também guia de viagens, apesar de assumir algum medo de perder novamente a conta.
O mesmo medo é partilhado pelas SkincareGirls, que ficaram apreensivas quanto à criação da nova conta. "Era um bocado assustador criar outra página, porque existia sempre aquele medo de perdê-la outra vez", diz Inês. Só é possível fazer frente ao medo, se tivermos noção de que não é possível controlar as redes sociais.
"Aquilo que aconteceu, ainda para mais numa Era digital, não depende de nós. Há situações da nossa vida em que simplesmente temos de ceder o controlo, fazer o que está ao nosso alcance e confiar. É um bocadinho o refazer um plano", refere Dina Guerreiro. Para a psicóloga, a resiliência é a chave para ultrapassar este tipo de situações. "Não há como evitar, porque vai doer".
A dor pode ser menor se o trabalho de não depender apenas de uma conta de Instagram. Sobre este assunto, Paulo Rossas considera que o foco não pode estar apenas numa plataforma, opinião que vai ao encontro da psicóloga Dina Guerreiro. "A nossa vida não pode depender de uma plataforma que não controlamos. A melhor maneira é ter o nosso website. Agora, é óbvio que é muito difícil encaminhar as pessoas para o nosso site", reconhecer. Aquilo que os influenciadores têm de fazer neste caso, sugere, é cativar as pessoas que já acompanham o Instagram para o site. Só assim é possível garantir que o Instagram não é a única fonte de rendimento.
"Estamos a alimentar um monstro e esse monstro não nos está a dizer assim: 'Olha, muito obrigada pelas 40 mil pessoas que vocês juntaram aí. Toma aqui 100 mil euros'", diz Paulo, que compara a rede social com plataformas como o Tik Tok e o SnapChat, que já estão a dar retorno financeiro a quem tem sucesso na plataforma lá fora. Por isso mesmo, ter apenas o Instagram como rede social profissional é um risco. O mesmo aplica-se ao Facebook, tal como nos apercebemos esta segunda-feira, 4 de outubro, quando pessoas e empresas sofreram com o apagão das três redes sociais que pertencem à empresa Facebook.