Pelas 16h30 desta segunda-feira, 4 de outubro, em Portugal, começámos a questionar-nos: o que se passa com as redes sociais? Aos poucos fomo-nos apercebendo de que o Instagram não atualizava, o WhatsApp já nem abria, e o Facebook não só não funcionava, como o chat não enviava mensagens. Mas algo continuava a funcionar: as mensagens e as chamadas do telemóvel.

Cerca de meia hora antes da retoma das redes sociais da empresa Facebook, pelas 23h, recebemos uma mensagem que dizia: "Uma boa noite sem redes sociais para todos". Aquilo que sentimos como uma mensagem de conforto, fez-nos questionar o porquê de o apagão — que levou o responsável pela área da tecnologia do Facebook (CTO), Mike Schroepfer, a pedir "sinceras desculpas" — ser visto como algo bom para umas pessoas e ter causado o pânico a outras.

Será que o fim das redes sociais, em particular das três que pertencem a Mark Zuckerberg, fundador do império Facebook, seria algo bom? Ou seria o colapso da sociedade como a conhecemos, que depende das redes sociais para o próprio bem-estar, para conversar, para os negócios?

Fomos esclarecer estas questões junto de quem trabalha com e para as redes sociais no dia a dia, Paulo Rossas e Muhamad Seedat, e também com a psicóloga clínica Margarida Alegria. Antes disso, quisemos perceber o que é que, afinal, aconteceu ontem.

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"A internet é uma ligação de muitas redes. A minha rede, a tua rede, a rede do mundo, de Portugal. Mas, para isto funcionar tudo em conjunto, tem de haver um protocolo que ligue isto tudo. Imagine um mapa de GPS. Se não atualizar o GPS, as estradas vão ser construídas e chega a um ponto em que não há estradas. E vai querer muitas estradas, mais sites, mais plataformas. E existe um protocolo que diz que para ir até ao Facebook agora tem de ir por aqui. E o que é que aconteceu? O Facebook estava a fazer um update [atualização, em português] a esses protocolos, começou a criar erros e depois caiu tudo", explica Paulo Rossas, Chief Innovation Officer na Lisbon Digital School, à MAGG.

O resultado é o que sabemos. Sete horas sem poder aceder às redes sociais, situação que terá criado mais ansiedade do que alívio, de acordo com a psicóloga clínica Margarida Alegria. Isto deve-se ao facto de "o uso excessivo de redes sociais criar ansiedade e depressão". "[As redes sociais] levam-nos por caminhos menos próprios", refere Margarida Alegria, acrescentando que é difícil arranjar mecanismos para gerir as emoções nestes caso. No entanto, a especialista sugere algumas estratégias: desviar o foco para "outra situação que nós distraia do acesso às redes sociais", como ler, ver um filme, escrever ou mesmo focar na respiração de modo a controlar a ansiedade.

Em Portugal, passamos cerca de 96 minutos por dia em plataformas como o Facebook, o Instagram, o Twitter, o TikTok e o WhatsApp, sendo que, desse tempo, 40% é usado para criar conteúdos ou partilhar ligações com amigos e seguidores, de acordo com um estudo português feito pela Marktest, entre os dias 1 e 14 de julho de 2020, quando Portugal estava em desconfinamento. O estudo incidiu sobre pessoas entre os 15 e os 64 anos, que já cresceram com redes sociais ou têm vindo a aderir ao longo dos anos.

Mas o que aconteceria se as crianças nascessem já num mundo sem redes sociais? "Se alguém não conhece as redes sociais, arranja sempre alternativas", refere a psicóloga, embora afirme que não é preciso ser "oito nem oitenta", porque o único problema das redes está no uso excessivo.

O que está a acontecer atualmente nas redes sociais

"A internet está a evoluir muito rápido e vai evoluir para uma coisa que as grandes cabeças pensantes chamam a metaverse", refere Paulo Rossas. Trata-se de uma nova internet em que existe um mundo virtual que nos junta a todos lá dentro, sendo que o melhor exemplo próximo do que será a metaverse é o Facebook Horizon. O utilizador de jogos de realidade virtual é o mesmo da conta base de Facebook. No futuro, o objetivo é que a funcionalidade vá mais além.

"Se comprar um casaco virtual de 300€, com dinheiro real, da Louis Vuitton, pode usar o casaco para matar os mauzões tanto no Fortnite, como no mundo virtual do Facebook Horizon. É o que está a ser feito neste momento", embora a concretização final ainda demore cerca de 5 a 10 anos, continua.

Isto não diz respeito apenas a jogos, mas também à vida profissional, em que a realidade aumentada e virtual vai permitir novas formas de comunicação através de uma única conta de Facebook. Contudo, neste caso, se caísse uma, as restantes não cairiam. "Cada um vai ter de viver sozinho, mas em conjunto. E esta é a grande dificuldade dos próximos 10 anos: como é que unimos um Fortnite que não pertence ao Facebook e um Facebook que não pertence ao Twitter, mas mundos virtuais nós somos um só", remata Paulo Rossas.

Nada disto seria possível se o apagão desta segunda-feira fosse para sempre, uma vez que o Facebook deixaria de alimentar a nova internet que está a ser criada. É esse mesmo cenário que vamos traçar.

E se... as redes sociais do Facebook desaparecessem?

Foram cerca de sete horas de apagão, mas muita coisa deu para perceber em tão pouco tempo. A primeira, é que alternativas às redes sociais da empresa Facebook não faltam. É o caso do Telegram e do Twitter que, na noite passada, mostraram algum entusiasmo pelo tráfego que ganharam e até escreveram piadas através da rede social Twitter. A própria escreveu "olá, literalmente a toda a gente", tweet que gerou 579,9 mil retweets e 185,8 mil comentários, entre eles do Instagram, do WhatsApp, do McDonald's e da cantora Adele — mais aleatório, impossível.

"Já não é a primeira vez que acontece [um apagão], porque os sistemas de empresa continuam vulneráveis a ataques. A que é que isto leva? As pessoas vão para outras alternativas. Houve um pico no Telegram e as redes sociais que estavam consideradas um bocadinho mais mortas, como o Clubhouse, também foram ganhando vida com o desaparecimento momentâneo das outras redes", diz Muhamad Seedat, digital marketing strategy na Primetag, à MAGG. No fundo, era também esta distribuição por outros canais que aconteceria se as três redes sociais caíssem eternamente.

Paulo Rossas destaca a emergência de outras redes sociais, como é o caso do TikTok, que tem sido um fenómeno a nível mundial, ainda que esteja em sétimo lugar das redes sociais mais usadas em todo o mundo em 2021 (732 milhões de utilizadores ativos) — em primeiro está o Facebook, com mais de 2 mil milhões de utilizadores ativos —, de acordo com os dados da empresa alemã especializada em dados de mercado e consumidores, Statista.

Ranking das redes sociais mais usadas em 2021 e respetivos utilizadores ativos

  1. Facebook: 2.853 milhões
  2. YouTube: 2.291 milhões
  3. Whatsapp: 2.000 milhões
  4. Instagram: 1.386 milhões
  5. Facebook Messenger: 1.300 milhões
  6. WeChat: 1.242 milhões
  7. Tik Tok: 732 milhões
  8. QQ: 606 milhões
  9. Douyin (Tik Tok na China): 600 milhões
  10. Telegram: 550 milhões
  11. Sina Weibo: 530 milhões
  12. Snapchat: 514 milhões
  13. Kuaishou: 481 milhões
  14. Pinterest: 478 milhões
  15. Reddit: 430 milhões
  16. Twitter: 397 milhões
  17. Quora: 300 milhões

"Se as três grandes redes caírem, para já, o TikTok vai ser maior, o LinkedIn vai continuar a ser maior e o Twitter vai passar a ser enorme. Depois, vamos ter muito Snapchat e outras redes que estão a crescer muito", enumera Paulo Rossas. As redes em crescimento atualmente são o Reddit e ainda a Discord que na última noite, segundo Paulo, terá crescido bastante. A rede social permite fazer chamadas e ainda fazer alguns jogos através do Stage Discovery, salas de áudio sociais que permitem interagir com outras pessoas e até fazer competições de microfone aberto com ganhos financeiros.

O Facebook, Instagram e WhatsApp não chegaram a desaparecer e o impacto terá sido reduzido na forma como as pessoas repensaram as redes sociais, mas Paulo Rossas admite que se o apagão tivesse durado uma semana seria bastante diferente. "Se caíssem uma semana, tendo em conta que estamos em outubro, não há verão e à noite ficamos muito mais em casa, íamos ver muito mais registos na Netflix, na Disney +, que já disparou, ia disparar muito mais. Íamos ter muito mais gente no TikTok. No Twitter, toda a gente ia para lá, não para criar, mas para consumir".

Arriscamos a ir mais longe na suposição, e passar de umas horas ou uma semana para o fim eterno de todas as redes sociais (e não só das que pertencem à empresa Facebook). Imagina o que aconteceria? Provavelmente, o mesmo que em poucas horas no apagão desta sexta-feira. "As pessoas tinham de aprender a viver sem redes sociais. Muito mais Netflix, rua, estar sentado com os amigos, muito mais mensagens, ligar aos amigos", refere Paulo Rossas, a quem um amigo ligou quando se deu o apagão como alternativa às mensagens que habitualmente trocavam por Whatsapp.

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Já de um ponto de vista empresarial, a estratégia teria de ser reajustada. "Parte das marcas, como a Nike e o Ikea, já têm as suas próprias aplicações e sabem realmente quem são os seus clientes. O que ia emergir muito rápido eram novas aplicações em que se pudessem juntar pessoas naquele sítio. Tinham de lhes dar conteúdo, influenciadores e coisas novas todos os dias para chamar e captar mais", continua o Chief Innovation Officer na Lisbon Digital School,

Quanto à empresa Facebook, se as três redes sociais deixassem de existir por completo, duas coisas poderiam acontecer: o CEO fechava a empresa e avançava com outro negócio rapidamente, ou compraria outra empresa, seguindo o modelo americano. "Se ainda houvesse dinheiro, e suponho que há muito porque o Mark Zuckerberg é multimilionário, ia comprar algo que estivesse a emergir", remata Muhamad Seedat.

Não depender de uma só plataforma

O apagão das três redes sociais de Mark Zuckerberg pode ter gerado algum pânico inicialmente, mas deixou dois ensinamentos: o ser humano readapta-se rapidamente e que não podemos depender de uma só plataforma, empresa neste caso. "Um negócio, ao estar 90% dependente do Facebook, deixaria de existir. 90% de um negócio é muito dinheiro, então muitos poderiam acabar por fechar por não ter uma alternativa. O digital tem de preparar o ecossistema todo", refere Muhamad Seedat.

Foi isso que aconteceu com algumas empresas, que em poucas horas perderam dinheiro, o que fez com que a economia mundial fosse lesada em mais de 950 milhões de dólares (cerca de 819 milhões de euros).

A mesma ideia é defendida por Paulo Rossas, que considera que se o Facebook, Instagram e WhatsApp deixassem de existir neste momento, as empresas teriam de ter uma alternativa para continuar os seus negócios. "Não podemos estar dependentes só dessas plataformas. Temos de estar dependentes de como chegar às pessoas". Um dos exemplos dados por Paulo é a banda The Gift, que além das redes sociais associadas ao Facebook, tem a sua própria aplicação, REV by The Gift, que exige uma mensalidade para que os fãs possam aceder a conteúdos exclusivos.

Redes sociais: ora um anjo, ora um diabo

Voltamos à mensagem com que abrimos: "Uma boa noite sem redes sociais para todos". Nestes caracteres, está expressa uma satisfação pelo "detox" involuntário de algumas horas do Facebook, Instagram e Whatsapp, que nos ligam 24 horas, sete dias por semana. As redes sociais são talvez das melhores invenções que, como em tudo, têm o lado positivo e negativo — como o vício que nos Estados Unidos já afeta 10% da população, segundo o Addiction Center, centro de tratamento de dependências. É preciso saber distinguir e usar o bem a nosso favor.

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"A saudade neste momento é uma palavra que é estranha, porque parece que não temos saudade das pessoas. Estamos sempre com essas pessoas. Se as redes sociais acabassem, o conceito de saudade era uma das coisas que voltava imediatamente", supõe Paulo Rossas. Com isto, o Paulo Rossas não quer dar a entender que as redes sociais são as más da fita. Aliás, o mesmo diz que "vieram mudar o mundo" e que o uso das mesmas deve basear-se no equilíbrio. "Se olharmos pelo lado positivo, as redes sociais trouxeram-nos uma proximidade que mais nada conseguiu trazer. Temos amigos lá fora e parece que não estão lá fora, nunca perdemos contacto com eles", diz.

As redes sociais têm o poder não só de aproximar as pessoas, como sensibilizá-las para causas e é neste ponto que pode estar um dos problemas das plataformas: a canalização errada da atenção que é gerada. "Há um problema com uma criança, fazemos um post e as pessoas ajudam. Os influenciadores, se fossem mais inteligentes, em vez de ser o umbigo e o ego a trabalhar e fizessem as coisas bem feitas, podiam mudar o mundo", continua o Chief Innovation Officer na Lisbon Digital School.

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Por outro lado, o fim da rede social Facebook poderia trazer um benefício. "Haveria menos insultos. A forma como o algoritmo do Facebook funciona, puxa para as pessoas verem a informação de um lado só", refere Muhamad Seedat. O mesmo não aconteceria de forma tão frequente noutras redes sociais, uma vez que o algoritmo seria diferente. Além disso, o fim do Facebook poderia reforçar a segurança dos utilizadores ao transitarem para outras redes sociais semelhantes.

"Toda a gente já sentiu isto: falamos de algo pela voz ou texto e aparece um anúncio daquele produto ou marca. Isso leva muitas pessoas a duvidar da confiança da rede. E muitas vezes as pessoas acabam por estar na rede por 'obrigação' porque outras pessoas também estão lá", remata Muhamad. A alternativa seria, por exemplo, o Telegram, que tem estado em crescimento e ocupa atualmente o décimo lugar no ranking das redes sociais mais usadas em 2021.