No seu primeiro dia de trabalho, JoAnn Morgan foi apresentada à equipa com a qual ia trabalhar. "Podemos pelo menos pedir-lhe que nos faça café?”, perguntou um dos muitos colegas homens com os quais teve que lidar dali para a frente. O chefe de equipa teve a prontidão de esclarecer que JoAnn era uma engenheira como todos os outros "e ninguém vai pedir a um engenheiro para fazer café". Mas logo ali Joann soube que o difícil não seria pôr o homem na lua, mas sim conviver com aqueles que ficariam em terra.
Trabalhar na NASA significava ser uma mulher num mundo de homens e, por isso, durante anos teve que ouvir bocas nos elevadores, atender telefonemas obscenos, perceber que não havia sequer uma casa de banho para mulheres e, principalmente, que nunca teria um salário igual ao dos seus colegas. Mas JoAnn fincou pé, fingiu não ouvir muita coisa, ignorou outro tanto e ficou. Ficou até ao dia em que o homem pisou a lua e ela se viu como a única mulher na sala de controlo que levou o Apollo 11 a descolar.
"O meu sangue é feito do combustível dos foguetes", disse um dia, explicando assim a força para se manter fiel àquilo que queria para si.
Crescer e ver foguetões
Nunca gostou muito de brincar com bonecas e é a própria a usar a palavra "precoce" para descrever a sua personalidade ainda em criança. Adorava matemática, ciência química, mas, principalmente, música. Tanto que estava convencida de que seria professora de piano quando crescesse.
Os planos mudaram quando o pai decidiu mudar toda a família, que vivia numa pequena comunidade no Alabama, para a Florida. Escola nova, amigos novos, mas principalmente um novo cenário. É que a casa de família era agora vizinha de um centro de lançamento de foguetes. Era frequente ver Morgan e os amigos saírem da escola, atravessarem o rio e ficarem simplesmente a assistir aos lançamentos. "Era como assistir a um fogo de artifício na praia", descreve, num perfil publicado no site da NASA.
Mas não foi aí que a jovem decidiu que aquela seria a paisagem que queria ver para sempre. Aliás, era algo tão comum que os foguetes passaram a ser só ruído de fundo e luzes no céu.
O clique deu-se só em 1958, quando o primeiro satélite artificial terrestre norte-americano foi lançado. Foi com ele que se deu a descoberta do Cinturão de Van Allen, uma zona radioativa em redor da Terra e, de repente, para Morgan, os foguetões deixaram de ser só aquele ruído de fundo no quintal. "Pensei imediatamente que, tendo em conta a importância da descoberta, queria fazer parte daquela equipa", conta.
A oportunidade surgiu quando viu um anúncio a procurar duas pessoas para integrar a Agência de Mísseis balísticos do exército durante um verão. "Felizmente, no anúncio escreveram que precisavam de 'estudantes' e não de 'rapazes', caso contrário nem teria enviado a minha candidatura", admitiu.
A partir dali, e com o seu profundo conhecimento em matemática e ciências, a escalada foi rápida. "Acabei o liceu no fim de semana, na segunda-feira comecei a trabalhar no exército e na sexta-feira participei num primeiro lançamento".
Com 17 anos, Morgan começou a trabalhar num programa do exército que, pouco depois, deu origem a uma nova agência de exploração espacial, pequena na altura, a que deram o nome de National Aeronautics and Space Administration. Sim, a NASA.
Quem tinha trabalhado consigo apercebeu-se de que era capaz de escrever artigos técnicos, trabalhar com sistemas de dados e construir componentes de computadores, e acabou por ter a certificação de engenheira necessária para integrar a equipa principal.
Enfrentar o preconceito
Além de todos os dias ter que provar que merecia fazer parte daquele mundo ainda (e já) maioritariamente masculino, JoAnn recorda, em declarações à NASA, que aqueles foram anos de alguma solidão. "Têm que perceber que onde quer que eu fosse na minha rotina diária de trabalho, eu era sempre a única mulher na sala", refere, mas salienta: "Ao mesmo tempo, isso fazia com que eu quisesse sempre dar o melhor de mim".
A engenheira recorda um dos momentos mais importantes dos mais de 40 anos a trabalhar na NASA. Um dia, estava prestes a ligar o seu auricular para ouvir o resultado de um teste de satélite, quando o supervisor da sala lhe bateu nas costas e avisou, com ar agressivo: "Não temos mulheres aqui". Decidiu confrontar quem a tinha contratado, que deu de imediato carta branca para fazer aquilo que tinha que ser feito. Morgan ligou o seu auricular, ouviu as informações prestadas e ainda teve direito a uma palavra de incentivo. Rocco Petrone, que esteve à frente do desenvolvimento da operação do lançamento do Saturno 5, tocou-lhe no ombro e disse "JoAnn, és bem-vinda aqui".
É certo que será para sempre reconhecida como a única mulher presente no momento de lançamento do Apollo 11 que levou o homem à lua, mas JoAnn Morgan não se deixou ficar pelo que aconteceu a 20 de julho de 1959. Habituada a quebrar estereótipos, foi a primeira mulher a ganhar um Sloan Fellowship, dado para apoio em investigações científicas, e saiu da Universidade de Stanford com um mestrado em ciência.
Com todo este conhecimento adquirido, voltou à NASA para dirigir a divisão de serviços informáticos, numa época em que se fazia uma importante transição entre tecnologias obsoletas para aparelhos mais avançados. Mais uma vez, foi a primeira mulher a ocupar este cargo. "As pessoas tinham que se adaptar a duas coisas: a novos computadores e a mim. Para muitos foi um duplo golpe", salienta.
Tornou-se na primeira executivo sénior do Centro Espacial Kennedy e foi mentora de muitos dos trabalhadores que passaram pela NASA ao longo dos seus mais de 40 anos ao serviço do espaço.
Quando, a propósito dos 50 anos da ida do homem à lua, a NASA lhe mostrou a fotografia tirada na sala de controlo do Apollo 11, na qual se destaca nas fileiras compostas unicamente por homens, a reação não foi de admiração. Consciente do progresso que ainda é necessário, comentou: "Espero que fotos como esta não voltem a existir".