Mulheres a aspirarem a casa enquanto o marido vê televisão no cadeirão da sala. Homens aflitos a tentar perceber como é que se põe uma máquina a lavar. São duas imagens estereotipadas e que não mais apareceram na publicidade britânica, desde que em dezembro se estabeleceu que estes clichés femininos e masculinos iriam desaparecer dos anúncios. O período de transição dado às marcas para se ajustarem às novas regras foi de seis meses e terminou nesta sexta-feira, 14 de junho.
Mas não são só estes os limites. A agência reguladora Autoridade de Padrões Publicitários (ASA), em comunicado de imprensa, citado pelo "The New York Times", adiantou que os anúncios que associam características físicas ao sucesso nas esferas românticas ou social também vão ser banidos, assim como a atribuição de traços de personalidade estereotipados a meninos e meninas — coragem para os meninos e ternura para as meninas, por exemplo. Também não se vão aceitar anúncios em que mulheres que acabaram de ser mães dão prioridade à casa e aspeto físico, face à saúde mental, ou ainda aqueles em que homens aparecem a desempenhar mal tarefas consideradas femininas, tais como aspirar, lavar roupa ou cuidar dos pais.
As novas regras foram desenvolvidas depois de um relatório ter concluído que imagens e retórica estereotipada de género “podem levar a resultados desiguais de género em aspetos públicos e privados da vida das pessoas”, prevendo-se também que possam "restringir as escolhas, aspirações e oportunidades de crianças, jovens e adultos".
Este documento foi criado no seguimento de alguns anúncios britânicos onde se perpetuavam ideias negativas e estereotipadas de mulheres. Foi o caso do anúncio do Protein World, uma bebida para manter a boa forma, em que se via uma modelo de biquíni e a seguinte pergunta: “Está pronto para ir para a praia?”. O anúncio gerou indignação, tanto que foi criada uma petição na Change.org que reuniu mais de 70 mil assinaturas, em que se exigia a remoção dos anúncios.
"Estereótipos de género prejudiciais em anúncios podem contribuir para a desigualdade na sociedade, com consequências para todos nós", disse o presidente executivo da ASA, Guy Parker, em comunicado. "Falando de forma mais simples: descobrimos que algumas representações em publicidade podem, com o tempo, ter um papel na limitação do potencial das pessoas."
Acrescentou: ”É do interesse de mulheres e homens, da nossa economia e da sociedade que os publicitários se afastem de representações antiquadas, e estamos satisfeitos com a forma como a indústria já começou a reagir.”
Não é a primeira vez que a Autoridade dos Standards de Publicidade põe limites a imagens consideradas ofensivas. Em 2016, foi retirado um anúncio da Gucci, marca acusada de usar uma modelo numa campanha com uma imagem “pouco saudável”. Em 2017, proibiu o anúncio de máscara para os olhos com Cara Delevigne, por considerarem que a modelo apresentava umas pestanas exageradamente grandes, o que podia induzir o consumidor em engano. Mais recentemente, foi a vez da Porsche: a marca de carros foi criticada por objetificar a mulher: as pernas e tronco de uma mulher surgiam, com o slogan “serviço atraente.”
O Reino Unido não é o primeiro país a tomar medidas para limitar a objetificação e proliferação de estereótipos na publicidade. A Noruega proíbe o sexismo nos anúncios desde 1978; Espanha tem desde 2004 uma lei que proíbe anúncios que mostrem imagens degradantes do corpo da mulher; na Áustria imagens que reduzam uma pessoa à sua sexualidade são consideradas discriminatórias. Além destes, França, Bélgica, Finlândia, Índia ou África do Sul têm também códigos — com graus diferentes — que impedem a discriminação de género nos anúncios.
E agora, também algumas empresas estão a impor regras internas de forma a manter o sexismo longe dos anúncios. A Unilever, por exemplo, uniu-se à ONU Mulher para organizar um encontro entre grandes empresas — incluindo Google, Johnson&Johnson ou Mars — para criar a Unstereotype Allience, uma campanha mundial que procura educar a população relativamente aos preconceitos da publicidade.
"A indústria global de publicidade molda as escolhas do público de bens e serviços através de uma sofisticada capacidade de influência, criatividade e grande poder económico. Uma consequência deste processo tem sido o criar e reforçar de estereótipos negativos sobre mulheres e homens, imagens persistentes que alimentam as nossas normas culturais e são uma barreira importante no caminho para a igualdade de género. Peço aos líderes da indústria que reflitam a sério sobre o papel que desempenham nesse processo, examinem os seus trabalhos com esta noção em mente, coletivamente estabeleçam regras e, juntos, operem a mudança", apelou, na altura do lançamento da Unstereotype Allience, em junho de 2017, Phumzile Mlambo-Ngcuka, sub-secretária geral das Nações Unidas e diretora executiva da ONU Mulher.