"Eu, mãe de dois filhos pequenos, trabalhadora, decidi desistir hoje do ensino à distância". Foi assim, nesta espécie de anúncio-desabafo que Ana Rita decidiu escrever na sua página de Facebook que o dia 20 de abril seria o último em que se desdobraria em mil para dar resposta ao seu trabalho, às refeições que precisam de ser feitas, à casa que precisa de estar organizada e aos filhos que precisam de estar a acompanhar o currículo escolar, ainda que à distância.

"Cheguei a um ponto de exaustão extremo, sentia mesmo que estava perto de um burnout", conta à MAGG. E Ana Rita sabe do que fala, afinal é psicóloga e há mais de dez anos que, além de consultas presenciais, se dedica às consultas online. Ou seja, trabalhar a partir de casa não era uma novidade.

Novidade foi perceber que, de repente e por questões de segurança, deixou de ter os seus pais como apoio para os seus filhos e que, além de psicóloga, teria que ser também uma espécie de auxiliar de educação dos seus filhos. Tudo isto depois de, há um ano, ter tomado a decisão de deixar a azáfama de Lisboa para ir viver para Viana do Castelo, onde está a família e para onde foi também o pai dos seus filhos, com o qual mantém o sistema de guarda partilhada.

Em vez de trabalhar horas infinitas no consultório, o que a obrigava a ter os filhos em colégios privados ou a cargo de babysitters, decidiu dedicar-se às consultas apenas em regime de part-time e as crianças frequentam agora uma escola pública numa aldeia. "Somos todos mais felizes".

Mas ainda se estavam a habituar ao isolamento e a uma família toda em casa e já Tomás, de 6 anos, recebia tarefas para fazer em casa. Joana, como tem quatro anos, não tem trabalhos de casa, "mas não facilita a vida a ninguém", conta a mãe, uma vez que está na idade em que só quer brincadeira e atenção.

Ana Rita começou a receber e a imprimir as fichas de português, os vídeos de educação física, as pautas musicais. "Tentei conciliar e inicialmente achava mesmo que ia conseguir. Mas no dia em que começou a Telescola, explodi". Tentou ter o Tomás sentado em frente à televisão durante a hora de meia de histórias para a sua idade e, no final, percebeu que aquilo não chegava. "Avisaram que devia ir a um site e imprimir fichas e material referentes à matéria dada". Deparou-se com um site completamente entupido de pais na mesma situação e só uma hora depois conseguiu ver as folhas a sair da impressora. "Peguei nelas e rasguei-as". Este ato simbólico pôs fim a esta tentativa de ser mil pessoas numa só. "Decidi que a partir daquele momento, o meu filho não ia continuar com o ensino à distância".

Não conhece pessoalmente mais pessoas que tenham feito o mesmo, mas tendo em conta a onda de apoio que teve no Facebook, não duvida de que haja mais pais na mesma situação limite.

"Estamos a fingir que somos muito modernos, muito tecnológicos e, como é hábito em Portugal, a querer muito mostrar trabalho feito", refere. Este não é um ataque aos professores, garante, a quem louva o trabalho e o esforço que sabe que também é hercúleo. "Temos pais e professores completamente assoberbados".

A decisão foi anunciada primeiro à professora de Tomás que, segundo conta, percebeu de imediato, até porque sempre foi apologista de que cada pai fizesse apenas aquilo que lhe era possível.

Não teme que Tomás fique para trás na matéria. "Vou continuar a incentivá-lo a desenhar, a escrever e até me posso apoiar nos manuais ou nas sugestões da escola. Mas acabaram-se as tabelas, as fichas e as plasticinas para o dia da mãe. "De que me vale pedir-lhe para fazer um desenho do 25 de abril, assim do nada, se nas outras disciplinas nem sequer lhe falam sobre o tema?"

Tomás tem pela frente doze anos de escola e, por isso, "dois meses de pausa são igual a zero", acredita. "Agora, dois meses de inferno para tentar cumprir metas vão deixar marcas às famílias", explica a psicóloga, "até porque esta exigência "não tem em conta se a família é monoparental, se os pais vivem juntos, se existem outros filhos em casa, se os pais são profissionais de saúde", refere. "No final, cada família sabe o que é melhor para si".

"Acompanhar não é estar sempre com eles. É orientar"

Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), começa por admitir à MAGG que esta é uma realidade nova para todos e para a qual "ninguém estava minimamente preparado".

No entanto, o responsável admite que esta situação só veio reforçar uma suspeita que, para si, era já uma certeza. "Os pais não acompanham os filhos na escola", garante. E por acompanhar, Jorge não se refere ao ir levar e buscar à escola e perguntar como correu. "Os pais devem estar sempre em contacto com os professores, devem conhecer a escola, conhecer as matérias e acompanhar o estudo em casa", refere. Acredita que se esse trabalho fosse sempre feito, esta adaptação à nova realidade seria mais fácil. "No fundo, quando deixamos os filhos na escola, o professor assume um pouco o papel de pai. Agora, pede-se o contrário"

Ainda assim, e tal como diz à MAGG, lembra que os pais têm de aprender a assumir um novo lugar. "Ninguém quer que eles, de repente, sejam professores dos filhos a tempo inteiro. Acompanhar não é estar sempre com eles. É orientar". E dá o exemplo da Telescola. "É um momento em que eles estão em frente a um ecrã a aprender durante um tempo que os pais podem aproveitar para o seu trabalho, também ele feito à distância".

E, por isso, acredita que situações como a que Ana Rita relata sejam raras, mas admite que cada família faz o que consegue. "Quando há outras crianças em casa, admito que seja difícil conciliar", adianta.

Mas, no geral, e sem pôr uma pressão excessiva em cima dos pais, diz que seria importante que a ligação entre escola e aluno não fosse quebrada. "Tudo bem que os deixem desenhar o que quiserem ou ler um livro à sua escolha, mas educar também é disciplina e obediência".

O ensino à distância não é método ideal de ensino, mas o presidente da Confap acredita que dele se podem tirar coisas positivas. "Quando tudo voltar ao normal, penso que os pais serão mais capazes de conciliar as suas vidas profissionais com a vida escola dos filhos".