Em outubro de 2024, foi revelado que a grande polémica que envolvia cassetes de teor sexual protagonizadas pelo arquiteto português Tomás Taveira ia ser retratada em série. Escrita por Patrícia Muller, realizada por João Maia e produzida pela TVI e pela Prime Video, a produção vai abordar os famosos vídeos feitos no final da década de 80 por Taveira, atualmente com 89 anos, sem o consentimentos das mulheres com quem praticava actos sexuais. É, até hoje, o maior escândalo sexual em Portugal.

A série, intitulada "O Arquiteto", irá ser protagonizada por Rui Melo, e atores como Lucas Dutra, Mikaela Lupu, Filipe Amorim, Guilherme Amaro, Diogo Branco e Paula Lobo Antunes irão integrar o elenco. Ainda não há data de estreia mas a série já está gravada: na altura, a maioria dos jornais em Lisboa não se cansou de falar sobre o assunto. Algumas publicações chegaram mesmo a ser apreendidas e censuradas pelo seu conteúdo sexual. 

Tudo começou quando um jovem, até hoje desconhecido, apareceu em agosto de 1989 na redação do antigo jornal “Tal & Qual”, dizendo a José Rocha Vieira, diretor na altura, que tinha na sua posse uma cassete onde se via Tomás Taveira a ter relações sexuais com mulheres, gravada pelo próprio arquiteto. “Um jovem, que não quis identificar-se, foi à sede do jornal, na Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, pediu para falar comigo sobre ‘uma notícia bombástica’, mostrou-me uma cassete VHS e pediu que a visionássemos ali mesmo. Claro que reconheci logo nas imagens o arquiteto Taveira, mediática figura no auge da fama”, começou por dizer José Rocha Vieira à MAGG.

“Confesso que fiquei chocado com o teor das imagens. Uma coisa é ver um filme porno com protagonistas desconhecidos, outra é vermos em ação no ecrã o vizinho do lado. Percebi também, até pelo comportamento das mulheres, que tinham sido filmadas à sua revelia, porventura através de câmara oculta”, acrescentou o diretor. Como veio explicado no “Tal & Qual” de 22 de setembro, José Rocha Vieira contou que o jovem tinha conseguido a cassete através de uma amiga que queria denunciar Tomás Taveira, e foi-lhe oferecido o vídeo em troca de 20 mil contos (cerca de 100 mil euros). Para o antigo diretor, o jornal jamais poderia mostrar aquele tipo de conteúdo, mas não se inibiu de falar sobre ele.

E assim começou o alvoroço nos jornais portugueses. Entre o “Tal & Qual”, o “Semanário”, o “Expresso”, o “O Diabo”, o “O Jornal” e a revista “Semana Ilustrada”, o assunto não morreu por ali. “Decretei ‘alerta vermelho’ na redação, destaquei repórteres para o terreno e rapidamente soubemos que o jovem vendedor tinha ido negociar com o editor André Neves”, disse José Rocha Vieira. André Neves era, na altura, o nome a saber quando se tratava de gerir revistas com teor mais escandaloso e sexual em Portugal, entre elas “O Caso”, e aproveitou a oportunidade para exibir o conteúdo que estava na cassete. 

No entanto, ainda antes de André Neves conseguir expor o conteúdo, o jornal “O Diabo”, a 26 de setembro, publicou uma entrevista exclusiva com Tomás Taveira, onde pergunta ao arquiteto se efetivamente é ele que está na cassete. Apesar de o “Tal & Qual” não ter divulgado o nome do “famoso personagem de alta-roda lisboeta”, como apelidaram, a cassete já tinha começado a circular, e ficava difícil não perceber que o homem que se encontrava no vídeo era Tomás Taveira. Ao jornal, o arquiteto confirmou que era ele na gravação, explicando que “aceitava que falassem mal” da sua arquitetura, “mas que ninguém tinha que ver” com a sua vida pessoal. 

Além disso, Tomás Taveira disse ainda ao “O Diabo” que acreditava que André Neves tinha dito que a “Semana Ilustrada” de 2 de outubro iria divulgar as imagens apenas para conseguir ter publicidade, uma vez que era uma publicação nova - isto tudo com o arquiteto a pensar que estava envolvido numa conversa informal, como explicou “O Jornal” a 29 de setembro, acabando por processar o jornalista que publicou a conversa. Depois disso, todos os jornais mencionados escreveram que Tomás Taveira e André Neves tiveram vários encontros antes do dia 2 de outubro, uns alegando que o arquiteto tinha tentado comprar as edições impressas do destacável e outros alegando que André Neves tinha chantageado Tomás Taveira.

Contudo, entre desavenças e faltas de comunicação, André Neves acabou mesmo por lançar o destacável com o nome “As Loucuras Sexuais de Tomás Taveira - Todas as imagens” no dia 2 de outubro, e a confusão instalou-se. Neste apareciam fotografias que o diretor obteve através da cassete, dizendo a todos os jornais a que deu entrevistas que nunca a tinha comprado, e que apenas tinha adquirido as tais fotografias que publicou. André Neves chega a escrever que “até dinheiro foi oferecido” para que não publicasse o destacável, e descreveu aquilo que tinha visto nos escritórios no Amoreiras: mulheres a gritar de dor sem se conseguirem mexer, por Tomás Taveira estar a tentar ter sexo anal com elas. 

Esta publicação acabou por ser alvo de um processo por parte do arquiteto, assim como outros cinco jornais, sendo que Tomás Taveira pediu também uma indemnização de 600 mil contos por danos morais. “Sabe-se que Tomás Taveira pôs vários processos em tribunal, designadamente um contra a ‘Semana Ilustrada’, que o arquitecto ganhou, e outro contra o ‘Tal & Qual’, que o arquitecto perdeu”, explicou José Rocha Vieira à MAGG. Tendo ganhado em tribunal, pedindo que mais nenhuma publicação falasse sobre o assunto ou sobre outro qualquer aspeto da sua vida, a “Semana Ilustrada” viu as fotografias que ia divulgar no segundo destacável, a 9 de outubro, apreendidas.

Mas ainda antes disso, a 5 de outubro, o “Tal & Qual” revelou que às 11 horas da manhã do dia 2 já não existia nenhum exemplar à venda, tamanha foi a procura por parte dos portugueses. “Pode dizer-se que foi uma alegria para o povo, que se divertiu à brava e ainda hoje se diverte com a ‘taveirada’. Foi também uma alegria para os jornais, mesmo os tais "de referência", que malharam forte e feio no editor André Neves,  mas que se fartaram de vender à custa do atrevimento do homem”, disse José Rocha Vieira. No jornal, lê-se ainda que houve quem comprasse um exemplar por 10 contos.

Além disso, o “Tal & Qual” fez um parágrafo dedicado à maneira como se podem esconder câmaras em casa, como em vidros espelhados ou em cantos de móveis, explicando nas entrelinhas como é que o arquiteto escondia as suas. Opiniões sobre o assunto de nomes como Herman José, Ribeiro Teles, Lídia Jorge e Natália Correia também foram publicadas nesta edição. Já “O Jornal”, a 13 de outubro, escreveu que alguns meios de comunicação estrangeiros já andavam à procura da cassete, enquanto que em Portugal as autoridades também tentavam descobrir quem a tinha na sua posse. Esta foi a única publicação que abordou o facto de Tomás Taveira ter tomado posse naquela altura como professor na Faculdade de Arquitetura de Lisboa, desviando as atenções do caso polémico. 

No dia seguinte, a 14 de outubro, enquanto que o “Semanário” revelava que André Neves não iria divulgar o nome das mulheres visadas nem publicar mais nada sobre o assunto até tudo estar resolvido em tribunal, o “Expresso” lança uma reportagem onde escreve que o “freestyle de Tomás Taveira não se limitava à arquitetura”, explicando tudo o que tinha acontecido até ao momento - aqui fica claro que o caso estava longe de deixar de ser tema nos jornais portugueses. O jornal trata o assunto como uma “revelação involuntária de um enredo de costumes da sociedade portuguesa dos anos 80”, explicando que outros nomes poderosos também tinham traído as mulheres anteriormente, como por exemplo John Kennedy, mas que isso na altura “não despertava o interesse da imprensa”. 

Além disso, um facto curioso que o “Expresso” deixou nesta reportagem tem que ver com Marcelo Rebelo de Sousa, o atual presidente da República. Na altura, o agora chefe de Estado estava a concorrer à câmara de Lisboa, e o jornal escreveu que Marcelo Rebelo de Sousa, quando soube do conteúdo da cassete, preferiu passar mais tempo a descrever “deliciosamente” o que tinha visto do que a ter outros temas de conversas nas suas reuniões.

Com as providências cautelares em cena, o tema só voltou a ser assunto a 27 de outubro, no jornal “Tal & Qual”, quando a publicação revela uma vez mais que Tomás Taveira teria oferecido dinheiro a André Neves para ficar com todos os primeiros destacáveis da “Semana Ilustrada”. Isto mostra que o assunto acabou por não se desenvolver muito mais nesta altura, com os jornais a escreverem um pouco mais do mesmo. No dia seguinte, a 28, o “Semanário” publicou uma conversa com o arquiteto, onde este explicou que tinha “ficado com a vida ao contrário” e que “cada publicação foi uma ofensa à privacidade da sua imagem”. 

Tomás Taveira assumiu ainda que tinha a cassete bem guardada, e que esta tinha saído da sua posse sem autorização, não autorizando nunca a divulgação do vídeo. Soube-se, pelo jovem que mostrou pela primeira vez a cassete, que o arquiteto guardava mais cassetes, mas estas nunca foram encontradas, assim como nenhuma das mulheres visadas denunciou ou falou publicamente sobre o assunto. 

Além disso, nesta mesma publicação de 28 de outubro, Helena Sacadura Cabral, de agora 90 anos, publicou a sua opinião sobre o assunto, falando sobre a “confusão entre liberdade e liberalidade”. “Se as mulheres querem um estatuto igualitário ao dos homens têm de se deixar de comportar como seres menores”, escreveu a economista, assumindo ainda a sua convicção de que se as mulheres “só merecerão o respeito que lhes é devido quando forem capazes de suportar a responsabilidade dos atos que praticam”. Uma coisa que Helena Sacadura Cabral também aponta é a falta de compaixão para com Tomás Taveira por parte dos meios de comunicação, que decidiram (quase) todos atacar o arquiteto. 

O final possível desta história dá-se a 7 de dezembro no “Tal & Qual”, pelos jornais que a MAGG consultou, onde este enumerou todas as razões que faziam da providência cautelar de Tomás Taveira algo ilegal. O assunto acabou por morrer assim nos jornais portugueses, não existindo mais matéria sobre o caso até junho de 1990, quando André Neves foi condenado a pagar ao arquitecto uma indemnização de 20.000 contos. 

Mais de 30 anos depois, em 2021, “Le Brutaliste”, do escritor francês Matthieu Garrigou-Lagrange, chegou às livrarias, baseando-se na vida de Tomás Taveira. Aqui, o autor descreve o conteúdo da cassete como uma “violação” às mulheres que nela aparecem, concluindo isso através dos sinais de sofrimento que captou quando viu o vídeo. Agora, três anos depois, um dos casos mais polémicos em Portugal vai também dar origem a uma série, que, como José Rocha Vieira disse, “promete ter grandes audiências”.