André Patrício, ator atualmente em cena no São Luiz com "Tudo Sobre a Minha Mãe", foi substituído num dos papéis que desempenhava na peça, uma adaptação do filme homónimo do realizador espanhol Pedro Almodóvar, após um protesto que interrompeu a sessão da última quinta-feira, 19 de janeiro.

"Veneno". A série sobre uma mulher transexual espanhola que se tornou ícone LGBTQ+
"Veneno". A série sobre uma mulher transexual espanhola que se tornou ícone LGBTQ+
Ver artigo

Num vídeo amplamente difundido nas redes sociais, pode ver-se o protesto da ativista transexual brasileira, Keyla Brasil, que invadiu o palco em protesto contra a escolha do ator cisgénero André Patrício para a personagem transexual Lola.

A ativista questionou o porquê de não ter sido contratada para o papel uma atriz trans, algo que já acontecia na peça com outra personagem: Agrado foi, desde início, desempenhada pela atriz transexual brasileira Gaya de Medeiros. De acordo com o "Diário de Notícias", o diretor artístico da peça, Daniel Gorjão, sempre teve a intenção de contratar outra atriz trans, mas tal não foi para a frente, alegadamente, por constrangimentos orçamentais.

Agora, e depois do protesto de Keyla Brasil, André Patrício foi mesmo substituído no papel de Lola, tal como referiu o ator português num comunicado publicado nas suas redes na noite deste sábado, 21, sendo que a mesma troca de papéis — a atriz trans Maria João Vaz foi agora contratada para a personagem Lola — já tinha sido comunicada pelo teatro São Luiz numa publicação de Facebook.

""No seguimento de vários atos de contestação pela representação de uma personagem trans por um ator cis e pela criação de condições de acesso e representatividade para pessoas trans, o Teatro do Vão decidiu alterar o elenco do espetáculo Tudo Sobre A Minha Mãe", pode ler-se no mesmo comunicado.

"Senti-me violentado e castrado na minha arte, no meu trabalho"

Já André Patrício, que veio de imediato esclarecer que a sua substituição no papel de Lola não significou o fim do seu envolvimento na peça de teatro, dado que representa outras três personagens, mostrou-se a favor da igualdade de oportunidades, mas teceu duras críticas à forma como Keyla Brasil levou a cabo o protesto.

"Concordo que uma minoria, agredida e maltratada, assassinada até, deve ser ajudada e apoiada pela sociedade. Sou totalmente a favor da igualdade de oportunidades, de direitos e da inclusão. Seja no trabalho em geral, não só nas artes, seja na sociedade. Não sou a favor da violência nem da invasão de palco", escreveu nas suas redes sociais.

Tudo Sobre a Minha Mãe
créditos: Instagram

"Senti-me violentado e castrado na minha arte, no meu trabalho. Também nós, trabalhadores da cultura (Cis ou Trans), somos uma minoria. Não temos as devidas e equalitárias condições de trabalho na nossa área. E lutamos para sobreviver", referiu o artista, salientando que a forma escolhida de protesto não foi, na sua opinião, a mais adequada.

"Porque me desrespeita e ao meu empenho enquanto profissional. Que é exactamente o direito pelo qual lutam. Por mais oportunidades e respeito. Fazer-se ouvir é um direito, rasgar é uma agressão. Não é com desrespeito e injustiça que se consegue respeito e justiça. Não concordo com o boicote a um espectáculo que por si só já era uma plataforma de visibilidade e apoio à inclusão."

Por fim, o ator referiu ainda que nem a sua contratação ou substituição no que diz respeito à personagem Lola são decisões tomadas ou influenciadas por si. "São questões que me ultrapassam", referiu André Patrício, que disse ainda que espera que a comunidade trans use "esta visibilidade e exposição da forma mais inteligente e sensata".