António Costa afastou-se do cargo de primeiro-ministro esta terça-feira, 7 de novembro, após saber que seria alvo de uma investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da "Operação Influencer", onde estão em causa negócios relacionados com lítio e hidrogénio, e implicam vários crimes de prevaricação, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva e recebimento indevido de vantagens, com oito arguidos já divulgados, embora o primeiro-ministro demissionário não conste da lista.
Após aceitar o pedido de demissão do PM, Marcelo Rebelo de Sousa falou ao País esta quinta-feira, 9. Num discurso onde elogiou o trabalho de António Costa ao longo dos últimos oito anos enquanto primeiro-ministro e não só, o presidente da República anunciou que Portugal regressa às urnas a 10 de março do próximo ano, e enumerou as razões que o levaram a decidir marcar eleições legislativas antecipadas.
Da decisão de Marcelo Rebelo de Sousa às reações às eleições, sem esquecer as escutas reveladas no âmbito da "Operação Influencer" que aludem a António Costa, perceba o que se passa no panorama político português.
António Costa fica no cargo até novas eleições
No discurso desta quinta-feira ao País, Marcelo Rebelo de Sousa começou por reconhecer a situação inédita que Portugal atravessa e dirigiu palavras de agradecimento a António Costa.
"Pela primeira vez em democracia, um primeiro-ministro em funções ficou a saber, no âmbito de diligências relativas a investigação em curso, respeitante a terceiros, uns seus colaboradores, outros não, que ia ser objeto de processo autónomo, a correr sob a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça. De imediato, apresentou a sua exoneração, invocando razões de dignidade indispensável à continuidade do mandato em curso", referiu Marcelo Rebelo de Sousa, que sublinhou "a elevação do gesto e da respetiva comunicação aos Portugueses".
"Quero, também, testemunhar o serviço à causa pública, durante décadas, em particular nos longos e exigentíssimos anos de saída do défice excessivo, saneamento da banca, pandemia e guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, na chefia do Governo de Portugal", disse o presidente da República, reconhecendo o trabalho de António Costa, que assumiu funções enquanto primeiro-ministro a 26 de novembro de 2015.
Marcelo Rebelo de Sousa garantiu que conta com António Costa, que continua no poder até às eleições. "Agradeço, ainda, a disponibilidade para assegurar as funções, até à substituição, nos termos constitucionais. Espero que o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido, no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da Justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático", salientou.
As 5 razões de Marcelo para marcar eleições
A 10 de março de 2024, os portugueses são chamados a decidir o futuro do País nas urnas. Marcelo Rebelo de Sousa optou por dissolver a Assembleia da República e marcou eleições antecipadas.
"Fi-lo, depois de ouvir os partidos com assento parlamentar, e o Conselho de Estado, como impunha a constituição. Os primeiros, claramente favoráveis, o segundo com empate, e, portanto, não favorável à dissolução. Situação, aliás, que já ocorrera no passado com outros Chefes de Estado. Fi-lo, portanto, por decisão própria no exercício de um poder conferido pela Constituição da República Portuguesa. E fi-lo, por inúmeras razões", anunciou Marcelo Rebelo de Sousa, que explicou existirem cinco motivos que o levaram a esta decisão.
O PR começou por explicar que a maioria absoluta alcançada pelo PS e por António Costa em janeiro de 2022 foi uma das principais razões. "A natureza do voto nas eleições de 2022, personalizado no primeiro-ministro, com base na sua própria liderança, candidatura, campanha eleitoral, e esmagadora vitória. Assim o disse, logo em 30 de março do ano passado, no discurso de posse do Governo, ao falar em eventual substituição a meio do caminho. Sublinhando o preço das grandes vitórias inevitavelmente pessoais e intencionalmente personalizadas."
"Segunda – a fraqueza da formação de novo Governo com a mesma maioria, mas com qualquer outro Primeiro-Ministro, para tanto não legitimado política e pessoalmente pelo voto popular. Terceira – o risco, já verificado no passado, de essa fraqueza redundar num mero adiamento da dissolução para pior momento, com situação mais crítica e desfecho mais imprevisível. Vivendo o governo até lá como um governo presidencial, isto é, suportado pelo presidente da República e o presidente da República como um inspirador partidário. Tudo enfraquecendo o papel presidencial, num período sensível em que ele deve ser, sobretudo, uma referência interna e externa", continuou o PR.
Para quarto motivo, Marcelo Rebelo de Sousa falou da importância da aprovação do Orçamento de Estado para 2024. "A garantia da indispensável estabilidade económica e social que é dada pela prévia votação do Orçamento do Estado para 2024, antes mesmo de ser formalizada a exoneração do atual Primeiro-Ministro, em inícios de dezembro. A aprovação do Orçamento permitirá ir ao encontro das expetativas de muitos Portugueses, e acompanhar a execução do PRR, que não pára, nem pode parar, com a passagem de Governo a Governo de gestão, ou mais tarde com a dissolução da Assembleia da República."
Por último, o presidente da República salientou que esta decisão permite alcançar "maior clareza e mais vigoroso rumo para superar um vazio inesperado, que surpreendeu e perturbou tantos Portugueses, afeiçoados, que se encontravam, aos oito anos de liderança governativa ininterrupta". "Devolvendo assim a palavra ao Povo. Sem dramatizações nem temores", concluiu.
As reações às eleições
Depois do discurso do PR, e à entrada para a reunião da Comissão Política do PS, António Costa lamentou a marcação de eleições antecipadas. "Acho que o País não merecia ser de novo chamado às eleições. Do que precisávamos era de ter este Orçamento de Estado aprovado, e vai ser aprovado, mas aproveitar a estabilidade que existe e aproveitar esta ocasião de mudança de primeiro-ministro para mudar o governo, renovar. Estou certo de que Mário Centeno tinha todas as condições para o fazer."
Quanto aos partidos, Luís Montenegro, líder do PSD, acredita que a decisão do PR foi inevitável. "Este é o terceiro pântano político que o Partido Socialista causa no País. É preciso virar a página e ter olhos postos no futuro. Esperamos que deste processo possa sair um Governo novo com uma nova política e com mais capacidade para os problemas da sociedade portuguesa", afirmou o social-democrata, tal como escreve o "Correio da Manhã".
André Ventura, do Chega, assumiu ter o objetivo de vencer as próximas eleições legislativas e saudou a decisão do PR. "Era a única hipótese de resolver os problemas que o Governo do PS deixou criar e avolumar em Portugal", referiu.
Pedro Filipe Soares, deputado do Bloco de Esquerda, lamentou a aprovação de um Orçamento de Estado "tão mau e que está agora a ser abraçado pelos partidos de direita", mas acredita que os problemas "resolvem-se com eleições". "Não temos nenhum medo, pelo contrário temos toda a coragem para as próximas eleições", referiu, salientando ainda que preferia que as mesmas tivessem sido marcadas para mais cedo.
Paula Santos, do Partido Comunista Português, também considerou que as eleições deveriam ser realizadas mais cedo. "Entendemos que não há justificação para o seu protelamento em nome de um Orçamento do Estado que não dá resposta aos problemas que afetam os trabalhadores, o povo e o País", referiu.
Rui Tavares, do Livre, acredita que esta crise política não se resolve apenas com eleições antecipadas. "Não há como dourar a pílula: o que temos à nossa frente, quem dera que fosse apenas uma crise política que se resolvesse com eleições. É mais sério do que isso, é uma crise de regime que todos nós temos de contribuir para debelar", afirmou. Já Inês Sousa Real, do PAN, garantiu que o partido vai continuar a apresentar propostas de retificação ao OE e pediu aos portugueses para serem mais ativos nas urnas.
Quem se segue a António Costa?
Até à data de publicação deste artigo, José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, é o primeiro e único candidato à liderança do PS — cujas eleições internas diretas para secretário-geral acontecem a 15 e 16 de dezembro — , e anunciou a decisão após o discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, na noite desta quinta-feira.
"Habilito-me a ser candidato a primeiro-ministro para garantir segurança, estabilidade e o investimento na melhoria e no aprofundamento das políticas que criam mais e melhores oportunidades e que afirmam Portugal como um País que consegue crescer economicamente, mas mantém sempre um grande esforço de justiça social", declarou.
No entanto, José Luís Carneiro poderá ter um opositor de peso em Pedro Nuno Santos, que deverá anunciar publicamente a sua candidatura a líder do PS esta sexta-feira, 10 de novembro, escreve o "Observador". Ana Gomes, ex-deputada europeia e nome de peso do Partido Socialista, expressou publicamente o seu apoio à candidatura de Pedro Nuno Santos esta sexta-feira, 10 de novembro, em entrevista à rádio Observador.
Francisco Assis, Fernando Medina e Ana Catarina Mendes já fizeram saber que não vão avançar com a candidatura.
"Deus" e as escutas
Os arguidos da "Operação Influencer" — Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, da Start Campus, o ministro João Galamba, Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), João Tiago Silveira, sócio da Morais Leitão, Vitor Escária, ex-chefe do gabinete de António Costa e Nuno Mascarenhas, presidente da autarquia de Sines — vão ser chamados a explicar as centenas de conversas em escutas apanhadas pela investigação (a empresa Start Campus também obteve o estatuto de arguido esta quinta-feira, uma condição confirmada pela Lusa, que teve acesso ao despacho, tal como escreve a Renascença).
Numa delas, António Costa é apelidado de "Deus" por Afonso Salema, CEO da Start Campus, em conversa com Rui Neves, advogado da empresa. "Pôr a mão de Deus em cima deles, porque a atitude deles não pode ser assim", disse Salema, referindo-se a Nuno Mascarenhas, autarca de Sines, de acordo com o "Correio da Manhã", que publica na edição em papel desta sexta-feira trechos das escutas.
Na mesma conversa, o CEO da empresa referia ainda que podia subir o tom das ameaças e assegurava que, no limite, teria de ser "António Costa a encontrar uma solução".
Os arguidos já começaram a ser ouvidos em tribunal.