A salsicha fresca é comprada no Mercado do Bolhão, o pão é estaladiço, o queijo vem derretido e o molho, esse, nem vale a pena querer saber o truque. "Só lhe digo que tem um toquezinho de picante", diz à MAGG Américo Pinto, o dono e embaixador daqueles que são os mais famosos cachorros quentes do mundo. Dito assim, sem medos.

Foram um dos cinco nomeados para os The World Restaurant Awards, prémios criados com o objetivo de "celebrar os restaurantes como uma forma de cultura" e Anthony Bourdain, quando veio ao Porto em 2017 gravar um dos episódios da série "Parts Unknown", fez questão de se sentar ao balcão da Gazela para comer o cachorrinho — sempre dito assim, em diminutivo.

"Senhor Américo, dê-me um cachorrinho", pede Rodrigo, já debruçado no balcão para ver a perícia da equipa que fecha um dos dois estabelecimentos que tem a funcionar no centro do Porto para abrir uma banca de comida no festival NOS Primavera Sound. "AÍ vale a pena", admite Américo, "não só porque vendemos muito, mas por ver tanta gente a preferir esta zona da praça da restauração".

É que, numa espécie de três em linha, a Gazela, a Casa Guedes e o restaurante Conga, monopolizam grande parte do negócio de quem vem matar a fome entre concertos.

Adeus kebabs, olá sandes de pernil

O festival abriu portas às 17 horas, o furacão Miguel só nos deu forças para entrar umas três horas depois, mas às nove da noite já estamos de glitter nos olhos, flores na cabeça, tote bag ao ombro e copo (reutilizável!) na mão. Pelo menos era assim que se portaria uma festivaleira profissional, certo? No nosso caso é mais impermeável até aos joelhos, bolsos cheios com moedas, lenços de papel, chaves de casa, telemóvel e as mãos a driblar o jantar e o copo (esse sim, sempre reutilizável).

Salpicão? Lombo? Paio? Fujam vegetarianos

Naquela pausa entre Jarvis Cocker e Tommy Cash, damos início àquela caminhada lenta para ver qual a fila mais pequena e de onde vem o cheiro (e o preço) mais apetecível. Noodles bar, duas pessoas, La Pepita, três pessoas. Kebab, tão vazio que até da vontade de perpetuar numa fotografia a imagem do funcionário sentado em frente a três nacos de carne a rodar no espeto.

É certo que a chuva não é convidativa a grandes banquetes, mas isso não impede de ver um pequeno aglomerado de gente numa das esquinas mais privilegiadas desta praça de restauração.

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No Conga despejam uma bacia de carne ainda crua no balcão da cozinha ao ar livre de onde, com o molho certo, saem as bifanas mais famosas da cidade. Preço? 2,50€.

Ao lado, um vizinho de peso. A Casa Guedes consegue meter carne no meio do pão como poucos, seja ela salpicão, paio, presunto ou — o bestseller — pernil. "Já devemos ter vendido umas 1.500 sandes", garante à MAGG Luís Mendes, que trabalha no restaurante há dois meses. Da cozinha vem a confirmação. "Só nos últimos 40 minutos foram mais de 500", ouve-se de quem não tem mãos a medir numa linha de montagem sem erro. Preço? 4€.

Para quem prefere algo mais leve, sem perder o rumo deste trilho de tradição, também tem opção. "Eiiiii, está ali a Padaria Ribeiro. Desculpa, mas tenho que ir buscar um lanche misto", ouvimos dizer ao nosso lado, com um a levar o outro pelo braço. Os lanches mistos, ou merendas para os lisboetas, são o snack mais vendido desta confeitaria [outro conceito que Lisboa conhece mal e que tem como exemplo mais próximo (mas tão afastado) as Padarias Portuguesas da vida]. Sónia Cardoso, a gerente, diz que, no festival, vendem em média 800 destes híbridos entre o doce e o salgado. Ana Neves, a dona, diz que, na Padaria do centro do Porto, perde-lhes a conta.

"E não estamos em nada do que é guias turísticos", explica, justificando o sucesso com a montra sempre cheia e apelativa. E Sónia reforça: "O facto de sair tudo quentinho também ajuda. É que mesmo aqui no festival, trouxemos um forno e uma fritadeira e estão sempre a sair novas fornadas". Preço? 2€.

E doces, perguntam vocês, já a salivar. Também os há e nem aqui se foge a este roteiro típico. É a primeira vez da Leitaria da Quinta do Paço no NOS Primavera Sound, mas tendo em conta que, àquela hora e logo no primeiro dia, já tinham sido vendidos mais de mil bolos, será caso para encore. Ainda que a palavra éclair não tenha sotaque do norte, foi no Porto que se deu a conhecer ao País. Tudo começou na Leitaria, quando esta vendia, de facto, leite. Depois passou a produzir manteiga, natas e tornou-se famosa pelo, pouco conhecido na altura, chantili. Começaram a rechear os bolos com este creme branco e em 2012 registaram o éclair clássico de chocolate de leite com recheio de chantili como “O Doce do Porto“.

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Hoje vendem-se dois mil por dia só na loja original, na baixa do Porto, e a marca já se expandiu para Lisboa e prepara-se para, em breve, mostrar a Madrid que há vida para além dos churros com chocolate. Preço? 1€ tamanho M, 1,40€ tamanho L.

E sabem aquela máxima que diz que não se deve voltar ao lugar onde fomos felizes? Esqueçam. Estamos outra vez na Gazela. Nós e mais dez pessoas debruçadas ao balcão que, de senha na mão, esperam por aquela pincelada final do molho-segredo que faz destes cachorrinhos um dos cabeças de cartaz do festival.

De todos os clientes, Carlos Oliveira é o mais entusiasta. Estende a mão ao Sr. Américo, diz olá às meninas que preparam os cachorros e chama quem está com ele para que venham todos provar aquilo que já sabe que é bom. "Eu quero lá saber da Solange ou o que é. Eu não vim ao festival ver concertos, eu vim cá é para isto", admite, com as mãos abertas em contentamento ao ver que nelas lhe pousam um cachorrinho. Preço? 4,50€.