Confrontacional, assertivo e apoiado no mesmo discurso que já lhe ouvimos antes. Foi assim que José Sócrates se apresentou esta quarta-feira, 14 de abril, na primeira entrevista televisiva, concedida à TVI e conduzida por José Alberto Carvalho, depois de Ivo Rosa ter deixado cair as acusações de corrupção na decisão instrutória referente à Operação Marquês.
Numa entrevista sobre um caso sobre o qual já se disse quase tudo, interessa menos o conteúdo e mais a forma como foi veiculado.
É que ao longo daquilo que deveriam ter sido 40 minutos de entrevista, mas que passou disso devido ao confronto constante entre entrevistado e entrevistador, José Sócrates reforçou as teses que já conhecemos: que o dinheiro de Carlos Santos Silva pertencia ao amigo e não a ele; e que, em conversa com aquele que sempre foi considerado o principal testa-de-ferro, mas que Ivo Rosa declarou ser o corruptor ativo de Sócrates, nunca se referiu a dinheiro como "fotocópias" ou "[d]aquela coisa de que gosto muito".
Não interessava que, tal como José Alberto Carvalho referiu, na sequência dessas conversas fossem registados levantamentos de quantias de dinheiro — e que, mais tarde, seriam alegadamente entregues em casa de José Sócrates.
Fosse qual fosse o ponto da acusação mencionado na entrevista, o antigo secretário-geral do Partido Socialista (PS) respondia com o corpo, antes de vociferar contra o jornalista, num conjunto de gestos que pareciam quase independentes das perguntas serem mais ou menos acusatórias.
Ao longo de pouco mais de 40 minutos, a cadeira em que José Sócrates se sentou pareceu pequena demais para ele, que se movimentou e gesticulou com maior ou menor intensidade consoante o grau de repulsa que lhe causava aquilo que ia ouvindo.
José Sócrates, qual animal ferido, esteve sempre ao ataque
Em conjunto com essa postura, sempre rígida e que alternava entre o cruzar de braços, numa posição defensiva, e a inclinação para a frente, e sobre mesa, sempre que estava pronto a ripostar e contrariar José Alberto Carvalho, era acompanhado de frases como "isso é ilegítimo", "a acusação é falsa", "isso é mentira" — pessoalizando o ataque e respondendo com uma tentativa de desacreditar, em direto, o jornalista, o seu opositor máximo.
Essa tentativa foi repetida por diversas vezes, primeiro quando acusou José Alberto Carvalho de falta de rigor ("é importante o mínimo de rigor"); depois, quando o acusou de mentir ("não é verdade que o juiz [Ivo Rosa] me considerou corrupto"); e, mais tarde, quando usou a condescendência para intimidação ("José Alberto Carvalho, seja rigoroso, você precisa de perceber uma coisa...").
De cada vez que era obrigado a repetir-se, ou via interrompida uma das suas teses, José Sócrates recorria à gesticulação intensa, ao aumento do tom de voz e à vitimização. "O que o juiz disse é que, ao longo dos meus seis anos de mandato, não foi possível encontrar um ato concreto que fosse em contrário aqueles que eram os deveres do cargo", repetiu uma e outra vez, levando as mãos ao blazer cinza, fechando os olhos e revirando-os quando era contrariado.
À medida que a entrevista foi decorrendo, Sócrates, que no início surgia solene perante as câmaras, foi-se mostrando mais irrequieto. Abanando a cabeça, suspirando em frustração e perdendo a compostura de cada vez que o jornalista o questionava sobre o dinheiro de Carlos Santos Silva.
"Durante sete anos fui acusado de ser o proprietário desse dinheiro e você [referindo-se a José Alberto Carvalho] vai novamente perguntar-me sobre a conta do Carlos Santos Silva? Outra vez? Desculpe, José Alberto Carvalho, mas chega a ser demais. Ó homem, se calhar era boa ideia perguntar-lhe a ele", respondeu num tom que, até então, nunca tinha sido usado na entrevista. De repente, a ferocidade que já lhe era conhecida desde sempre saltou (ainda) mais à vista.
Depois do aumento do tom, José Sócrates voltaria a apostar na tentativa da descredibilização do jornalista. Os exemplos são vários: "não confunda aquilo que é a afirmação da acusação com uma investigação de Ivo Rosa"; "se fizer um esforço, entenderá..."; "acho que anda a ler demasiado o 'Correio da Manhã', desculpe a graçola".
A vitimização e o fecho da conversa, em tom solene
A vitimização, que lhe é conhecida, serviria para fechar a entrevista e cuja tónica assenta nas palavras usadas. José Sócrates, para reforçar a ideia de que foi perseguido politicamente, usa palavras com peso, que não se esquecem e que ressoam na cabeça dos interlocutores. A escolha, engenhosa, não é por acaso.
José Sócrates não se sente desapontado, mas ofendido. "O que mais me ofende, é ouvir algumas afirmações que andam para aí de pessoas que, pá, acham que andei a inventar que a minha família tinha posses", explicou.
"Você acompanhou este processo ao longo de sete anos e não teve um minuto para dizer aos seus espectadores que, durante vários meses, estive preso sem acusação", continuou. No final, vira o jogo e aponta novamente o dedo ao jornalista que, naquele momento, representa o jornalismo de investigação.
"Não acha que o jornalismo não tem nada para refletir? Será que as milhares de horas que vocês passaram, às vezes apresentadas como factos, não devem ser refletidas?".
José Sócrates termina a entrevista solene, mas para trás ficaram dedos em riste, acusações veladas e uma agressividade típica que, não sabendo se é ensaiada, passa a ideia de que crê piamente estar inocentado, qual animal ferido — mesmo que Ivo Rosa diga o contrário, e lhe tenha imputado crimes graves como o de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos.