Querem fazer currículo, falar com pessoas diferentes, conviver, fazer amigos. Querem conhecer startups, assistir a conferências importantes, procurar oportunidades de trabalho e circular livremente dentro do recinto composto por enormes pavilhões. Uns já trabalham e conseguiram uns dias para vir para a FIL, em Lisboa, outros estão a estudar informática, marketing, publicidade, hotelaria ou medicina e estão a faltar às aulas, embora muitos consigam que estas sejam justificadas, porque os professores entendem que há vantagens em estar ali.
São maioritariamente jovens no início dos 20 e estão a trabalhar, por livre e espontânea vontade, sem renumeração, na Web Summit, o maior evento de tecnologia, empreendorismo e inovação da Europa, que arrancou esta segunda-feira, 5 de novembro, e termina esta quinta-feira, 8. São fáceis de identificar. As T-shirts são azuis e dizem em letras bem grandes “volunteer”. Também é simples encontrá-los. São muitos e estão por todo o lado: na sala de imprensa, em todos os pavilhões, à entrada do recinto e a circular por entre as pessoas para orientar quem precisa.
Na edição de 2018 estão a trabalhar quase 2800 voluntários, segundo aquilo que a organização da Web Summit adiantou à MAGG. Apesar de não serem pagos pelo seu trabalho, não estão ali contrariados. Concorreram com meses de antecedência para aquela função e recebem com satisfação o email de confirmação. A vontade é tanta, que muitos chegam a ter despesas de centenas de euros para estarem ali. Vêm de todos os cantos de Portugal e, por isso, é preciso pagar bilhetes de comboio. Outros vêm do estrangeiro e precisam de apanhar um voo. Todos necessitam de sítio para dormir, portanto ainda há a despesa do alojamento.
O trabalho não é renumerado, mas temos acesso livre ao evento. Nós trabalhamos dois dias e temos os outros dois dias para estarmos aqui à vontade”
Rafael Barone, 22 anos, brasileiro a viver em Paris e a estudar na École Politequenique, onde está a fazer um mestrado em estratégia de empresas e finanças, é um dos que controla as entradas e saídas na zona da imprensa da Web Summit. “Estou aqui desde as 9h30 e vou ficar até às 17h, com hora de almoço pelo meio”, diz à MAGG. Está a faltar às aulas e visita Portugal pela primeira vez. Chegou no dia em que o evento arrancou e está a dormir num Airbnb com amigos. Ao todo, em alojamento e bilhete de avião, pagou 200€, mas considera que o evento vale cada tostão gasto.
Não é a caridade que os move, até porque estamos a falar do mais espampanante evento dentro deste setor na Europa. “O trabalho não é renumerado, mas temos acesso livre ao evento. Nós trabalhamos dois dias e temos os outros dois dias para estarmos aqui à vontade”, diz Rafael. “Amanhã vou pesquisar as empresas que me interessam, até porque preciso de arranjar um estágio. Vou chegar o mais cedo possível e quero ficar até à noite.”
À entrada da zona de refeições para os media está Mariana Morais, 20 anos, estudante de Medicina no Hospital de Santa Maria. No momento em que começamos a falar com ela, passa um supervisor que pergunta. "Já comeste?". Respondeu afirmativamente, já estava de estômago cheio. Chegou às 7h30 à Web Summit, está alocada à Media Village desde as 8h30 e tem hora de saída marcada para as 15h30. Também está a faltar às aulas, mas sem remorsos.
“Os turnos são longos, mas podemos fazer pausas e não temos nenhum limite estipulado”, conta. Interessada sobretudo nos assuntos relacionados com a sustentabilidade e de género, candidatou-se, como tantos outros, para trabalhar como voluntária e poder desfrutar de tudo o que está a acontecer no evento.
Não se sente explorada. “Claro que a organização ganha com o facto de estarmos a trabalhar como voluntários, mas eu também sinto que ganho, portanto não me custa muito e estou a tirar partido disto.”
“Adoro inovação e quero envolver-me no ambiente das startups”, diz Riccardo Ferrario, 22 anos, natural de Milão, em Itália. O seu posto fica no centro da acção. Está no pavilhão 1, a controlar as entradas de uma área privada da IBM, Microsoft e World Wide Web Foundation, onde se realizam conferências e se estabelecem parcerias importantes, de porta fechada. Gastou 70€ no voo e está a pagar 20€ por noite num Airbnb no Bairro Alto, mas está satisfeito, apesar de estar de pé desde as 8h e já serem 14h30. Conta que só tem dois cafés no estômago, porque não têm direito a pequeno almoço e ainda ninguém lhe deu o OK para ir até ao hub dos voluntários, onde são servidos os almoços e há snacks e sofás para descansarem as pernas.
Paguei para trabalhar, mas tenho dias livres para desfrutar o evento. O bilhete mais barato era 859€ e, para aqui estar, paguei um total de 500€, sendo que ainda vou ficar mais uns dias para desfrutar de Lisboa.”
Rafael Baron considera que a organização pode ser melhorada, assim como Luliana Cergedean, 32, natural da Roménia, mas a viver em Málaga, em Espanha. É a mais velha de todos os voluntários com quem falámos e trabalha na Oracle, no departamento de IT. Voluntariar-se para eventos é uma forma de conseguir ter acesso aos mesmos, sem ter de pagar as entradas. Costuma fazê-lo nos festivais de verão e é nessa condição que se encontra na Web Summit.
“Queria mesmo muito vi. É uma grande oportunidade de networking. Paguei para trabalhar, mas tenho dias livres para desfrutar o evento. O bilhete mais barato [para a Web Summit] era 859€ e, para aqui estar, paguei um total de 500€ [em viagem e alojamento], sendo que ainda vou ficar mais uns dias para desfrutar de Lisboa.”
Mas faz alguns reparos à organização, ainda que saiba que a otimização de todos os aspetos “vem com a experiência.” Também está a fazer o controlo e registo de quem entra e sai da zona de imprensa (através de um scan no QRcode que vem na identificação que toda a gente no evento tem) e admira-se por esse ser um trabalho necessário. “Fazer este controlo manualmente em 2018 é definitivamente algo que pode ser melhorado, com barreiras eletrónicas, por exemplo. Vá lá, estamos na Web Summit.”
Ainda assim, João Lourenço, 21 anos, voluntário na Web Summit desde a primeira edição, em 2016, nota uma grande evolução na logistica do evento. “A comida melhorou bastante. No primeiro ano deram-nos só sandes. No ano passado já foi melhor e este ano já temos comida caseira, bacalhau com natas e lasanha”, conta. “Mas evoluiu em tudo, no geral. Estamos mais bem distribuídos e os grupos mais bem organizados. Já sabemos a que postos devemos ir ter. No ano passado pegavam em nós e deixavam-nos ao abandonado. Este ano acompanham-nos o turno todo.”
Nota que há cada vez mais voluntários estrangeiros e não sente que faz sacrifício nenhum em estar ali. Pelo contrário, só vê ganhos. “Compensa porque por 18 horas de trabalho conseguimos um bilhete de quase mil euros”, diz. “Por um pequeno esforço temos acesso ao evento inteiro, até a lugares onde pouca gente consegue ir. Ontem falei com o Ben Silbermann [CEO e co-fundador do Pinterest], com António Costa [Primeiro Ministro], com Medina [Fernando Medina, Presidente da Câmara de Lisboa].”
Encontrámos Diogo Silva a andar no pavilhão 1, por entre as centenas de pessoas que por lá andavam. É voluntário, vive em Aveiro, onde estuda engenharia informática, e a sua função é circular para dar informações a quem precisa. É o mais novo com quem a MAGG falou e salienta o peso daquele trabalho de voluntariado no seu currículo. Mas há ainda tudo o resto: “Compensa porque é uma experiência diferente, uma coisa nova. É uma forma de vir descobrir Lisboa também. Se não fosse voluntário para a Web Summit provavelmente não estaria aqui.”
De acordo com o dicionário Priberam, entende-se por voluntário "aquele que [se] faz de boa vontade e sem constrangimento". Mas quem se oferece para cumprir funções de graça na Web Summit não o faz por mero ato de solidariedade. Trabalham, mas sentem-se compensados, porque vivem aquilo a que muitos só acedem em troca de muito dinheiro. Mariana Morais, remata a conversa com uma antítese: "Estar aqui é uma espécie de ato de altruismo egocêntrico."