Ao longo dos quatro dias do Web Summit a MAGG irá procurar pessoas com histórias inspiradoras que vieram ao evento para mostrar algum do seu trabalho ou simplesmente para absorver informação, ouvirem histórias, para crescerem como pessoas e profissionais. Começamos com Miguel Moreira Rato, 44 anos, o novo CEO da agência de comunicação Adagietto, um homem que já soube que ia perder o emprego pela televisão, quando estava a dormitar no sofá, que deixou uma agência que criou para ir mostrar o mundo aos filhos e que acredita em organizações sem estruturas hierárquicas rígidas, em que toda a gente é responsável pelas suas ações.
Miguel é uma espécie de millennial zero, ou pré-millennial. A sua história ligada à comunicação começou ainda em adolescente. “A minha professora de português do secundário dizia-me: ‘Miguel, escreves muito bem. Tens de ser jornalista”, recorda à MAGG, no segundo dia da Web Summit, 6 de novembro. No primeiro texto que se lembra de ter escrito, quando devia ter 11 anos, já era à frente do seu tempo. Era uma espécie de adaptação moderna da história da cigarra e da formiga, onde havia carros e outros elementos contemporâneos. A moral era: “Se trabalhares afincadamente naquilo que gostas, serás mais bem sucedido.”
As duas coisas aconteceram. Inscreveu-se na Universidade Católica Portuguesa, no ano de estreia do curso de Comunicação Social, foi jornalista e mais de 20 anos depois é um dos portugueses com mais sucesso na área da comunicação. Como na história da cigarra e da formiga, trabalhou afincadamente naquilo que gosta. E foi bem sucedido.
Estagiei na SIC, numa altura em que pela primeira vez, em 95, ela tinha ultrapassado a RTP. Comecei no programa "Praça Pública". Ao fim de dois ou três meses a insistir, lá me deixaram fazer um direto. Tinha 20 anos e foi ali no bairro do Zambujal.”
“Na altura isto de não querer assentar não era uma coisa muito bem vista. O mindset era: entras na faculdade, sais da faculdade, entras no emprego e sais para te reformar”, lembra. “Logo no curso percebi que, antes de assentar, queria experimentar.”
Como quase todos, entrou para comunicação social a olhar para a carreira de jornalista, mas, em simultâneo, percebeu que comunicar é algo bastante mais abrangente. Ainda assim, experimentou. “Queria pôr as mãos na massa e perceber se gostava ou não gostava.”
Gostou. Tanto que não se limitou a um formato. Fez jornalismo televisivo, de rádio e imprensa escrita. Passou pela SIC, pela TVI, pela Renascença, acabando a carreira jornalística como subdiretor do "Diário Económico".
“Estagiei na SIC, numa altura em que pela primeira vez, em 95, ela tinha ultrapassado a RTP. Comecei no programa "Praça Pública". Ao fim de dois ou três meses a insistir, lá me deixaram fazer um direto. Tinha 20 anos e foi ali no bairro do Zambujal.”
Depois de uma breve passagem pela área da publicidade, aceitou ser assessor do ministro da Economia, Braga Cruz, na altura do governo de António Guterres. A forma como encerrou este capítulo é peculiar. “Houve eleições autárquicas em dezembro. Estava a ver na televisão e adormeci ferrado. Quando acordei está escrito [em oráculo]: ‘Última Hora: Guterres demite-se’. Eu fecho os olhos e volto a abrir e penso ‘Olha fui ao ar’, porque quando o ministro sai, o gabinete também sai. Três meses depois, saí.”
E foi aqui que se deu o plot-twist. Foi convidado para lançar a Ogilvy Public Relations, quando no universo das agências, se entendeu que era importante prestar um serviço a 360º. “Antes havia agência de comunicação, agência de eventos, tudo separado. O que a Ogilvy fez foi trazer para dentro de casa todas essas disciplinas, que acrescentou à de publicidade e de marketing direto, que já tinha”, conta. “Foi um movimento dos grandes grupos de comunicação, por necessidade, porque os clientes estavam fartos de ter de fazer um cartaz com uma empresa e recorrer a outra para o comunicar.”
Três anos e meio depois, em 2008, deu por si a partilhar o escritório — incluindo a secretária — com o pai, num prédio da Avenida 24 de Julho. Ainda que na fachada, ainda hoje, se leia “António Moreira Rato & Filhos", eles não estavam a trabalhar nos mesmos projetos. A empresa do pai era de mármores, e já era antiga. A de Miguel estava a ser fundada por si e chamava-se M Public Relations.
“Fomos crescendo, conquistámos muito clientes [Land Rover, Millenium BCP, British Airways], ganhámos prémios e eu decidi que estava na hora de experimentar a comunicação noutra vertente: queria ter um emprego a trabalhar numa organização internacional, preferencialmente não governamental.”
Depois de lançar a Ogilvy PR e fundar a M Public Relatons, encontra trabalho via LinkedIn
Três grandes motivações levaram Miguel Moreira Rato a sair da agência de sucesso que tinha criado: queria mostrar o mundo aos filhos, na altura entre a pré-adolescência e a adolescência. Queria compreender como é que se comunica noutra língua e queria estar num sítio onde com menos dinheiro fosse capaz de fazer tanto ou melhor.
Até então, tinha ouvido sempre: ‘Sempre que há dinheiro o resultado é mais impactante para um cliente.’ E eu percebi que quando não tens, tens de ser muito mais criativo para o resultado ser igual ou superior. E, de facto, é assim que temos de ser: temos de estar constantemente a pensar em novas funções de comunicação.”
Foi na Teach For All, uma Organização Não Governamental (ONG) que leva ensino de qualidade a várias as partes do mundo, que aprendeu isto. Esteve, ao longo de quatro anos, sediado em Londres, para onde foi viver com toda a família. “Eu fui antes e, no dia em que chegaram, tinha uma caixa de chocolates que dizia ‘heroes’, porque era o que, de facto, eram, ao deixar tudo para trás, numa idade tão sensível [os filhos].”
As experiências que nestes anos acumulou foram muitas. Concluiu que nas empresas as hierarquias não são assim tão fundamentais para que o trabalho seja bom. Conviveu de perto com realidades muito diferentes da sua. Compreendeu que a comunicação tem como base o mesmo, em qualquer parte do mundo: aquilo que cada um de nós é, desde que as competências sejam assumidas e trabalhadas, sem vergonha, mas “com alguma humildade".
Para o novo CEO da Adagietto, as soft skills são fundamentais. “Hoje em dia são tudo. E é com imensa tristeza que vejo que no nosso ensino, por exemplo, não se valorizam, de todo, as soft skills, portanto as pessoas são académicas e ponto. Acho que a parte académica é essencial, mas é fundamental estimular a curiosidade, a empatia, a liderança.”
Como é que Miguel teve acesso à porta que o levou à ONG? Através de uma ferramenta que tantos outros (dos 20 aos 50 anos) utilizam. Já tinha andado a viajar por diferentes países — Berlim, São Paulo — em contacto com head hunters (recrutadores de executivos) —, mas foi pela manhã, ainda de pijama e a tomar o pequeno-almoço, que se deparou com uma vaga para Senior Director of Communications, nas ofertas que o LinkedIn mostrava.
Depois de três meses de entrevistas semanais, voou para Londres e começou aqui a jornada que envolveu a visita a mais de 25 países. Daqui resultaram várias histórias. Miguel adianta-nos duas.
“A primeira vez que viu a Priyanka Patil [em Bombaim, na Índia], ela era uma miúda muito tímida, que tinha como grande objetivo de vida andar na escola, para ter educação e depois, então, sustentar a família”, conta. “Através de uma professora do Teach for India, conseguiu entrar num curso da United World Colleges, em Milão, onde esteve dois anos. Agora foi aceite numa universidade de topo e tenho a certeza que vai ser alguém muito importante.”
Em Joanesburgo, na África do Sul, foi diferente. Na sala de aulas, umas crianças berravam, outras estavam em cima da mesa, o reboliço era descomunal. “Até fiquei assustado”, conta, ao recordar. A professora não se reconhecia, mas mais tarde veio a perceber que era uma pessoa que estava a tirar notas e a responder calmamente aos miúdos. Aquele cenário não retratava a realidade daquela turma. Tratava-se de um exercício sobre liderança. “Às vezes vamos com ideias pré-concebidas para os sítios e percebemos que estávamos errados.”
A Teach For All, enquanto lá esteve, foi-se afirmando como uma organização teal (conceito criado pelo belga Frederic Laloux, em 2014, no livro “Reinventing Organizations”, que se refere um novo modelo organizacional, que visa dar autonomia a cada colaborador e aumentar a eficiência das organizações), tanto que o nome do seu cargo mudou: “Entrei como diretor sénior de comunicação e acabei como global marketing and positioning specialist.” Esta alteração traduz a ideia do conceito: caem cargos e dilui-se a hierarquia. Aproximam-se as pessoas, cada uma responsável pelas suas acções, independentemente do cargo. Evitam-se formalidades e as pessoas podem, e devem, tomar decisões sobre aquilo que estão a fazer, sem estarem “constantemente a ter de reportar e questionar.”
De volta a Portugal, como CEO da Adagietto, uma agência com mais de dez anos e com clientes como a FNAC, Unilever, Easy Jet, espera que esta forma de trabalhar se venha a desenvolver, ainda que tenha “aterrado numa agência muito informal.” Mas acredita, convictamente, que este é o caminho natural para se seguir. “Daqui a dois anos, estamos aqui [na Web Summit] a ouvir falar sobre isto.”