Imagine o que seria correr 436 quilómetros, caminho modesto que separa, em linha reta, Viana do Castelo, no Minho, de Grândola, no Alentejo. Parece coisa para super-herói, mas há quem o faça. Podemos, aliás, ir mais longe.
Jasmin Paris, 35 anos, é mãe e completou a Montane Spine Race, uma prova conhecida por ser uma das mais difíceis da Europa: é de montanha, tem 431 quilómetros, abrangendo todo o Pennine Way, que vai de Derbyshire, no Reino Unido, até á fronteira com a Escócia. Acontece em pleno inverno, logo há neve, frio, ventos fortes, chuvas e privação de sono. Deve ser feita no máximo de uma semana e com bagagem às costas, o que inclui um saco cama para os que dormem — sempre pouco.
Completou-a em 83 horas, 12 minutos e 23 segundos, batendo, por 12 horas, o recorde anterior — tendo também sido a primeira mulher a vencer a prova. A história podia ficar por aqui, porque já é incrível. Mas, como se isto não bastasse, há mais para contar. No decorrer das centenas de quilómetros, esta mulher teve de parar diversas vezes para extrair leite da mamas, seguindo depois caminho. É veterinária, vive na reserva de Gladhouse e foi mãe há 14 meses. A mulher, que descreve à "BBC" a prova como tendo sido “brutal”, explica que tinha em casa leite materno congelado, mas que teve de extrair mais durante a prova para evitar as mastites.
“Pensava que ia deixar de amamentar quando a Rowen fizesse um ano, mas no Natal ela teve duas viroses e eu tive de voltar a amamentar várias vezes durante a noite para acalmá-la”, contou. “Apesar da minha produção de leite ter diminuído ao longo da corrida, tive de extrair em quatro dos cinco postos de controle.”
De acordo com a veterinária, que iniciou a prova no domingo e terminou na quarta-feira, 16 de janeiro, estar longe da filha não foi fácil: “A primeira noite foi a mais difícil mentalmente, porque eu estava longe da minha filha, mas conforme a corrida ia avançando, tornou-se mais fácil porque me habituei à distância.”
Além das saudades da filha, um dos aspetos que mais preocupavam Jasmin eram os pés. Todos os outros participantes tinham-nos protegido e ela não. Mas as consequências não foram graves. No final só estava a perder pele entre os dedos. “Acho que foi por todos os treinos de corrida, que endureceram os meus pés. Eu estava a correr 160 quilómetros por semana nos treinos para esta prova.”
Contra todas as probabilidades, a mulher ganhou a corrida, ainda que assuma que pensou não estar à altura: “Nunca pensei conseguir fazer esta corrida, até porque ouvi que era tortura absoluta. Mas é bom impormos os desafios a nós mesmos porque é emocionante.”
As alucinações e a privação de sono
O vencedor de 2013, Eugenie Rosello Sole, acabou por desistir da corrida, tendo carregado no botão de emergência a seis quilómetros do fim, fruto da privação de sono. Jasmin conta à “BBC” que só dormiu três horas ao longo da prova e que, por isso, chegou a alucinar. “Vi um porco numa urze, árvores a esticar e a fazerem um treino matinal na floresta, operários a fazerem alongamentos e uma casa apareceu, quando eu estava com muito frio”, relata ao canal.
Foi a corrida mais difícil que já fez, muito por causa do tempo que exige. Mas correu bem. “Estou muito feliz porque dei o meu melhor. Corri muito e fiz o melhor que pude.”
O diretor da Montane Spine Race Scott Gilmour diz que a vitória foi uma “proeza incrível”, mas que não foi absolutamente surpreendente. “Paris é uma máquina, portanto não foi uma surpresa para nós. Mas o que é brilhante é que ela tenha carregado toda aquela expectativa e pressão em seus ombros”, disse. “Foi como um cisne o caminho todo.”