Nasceu José Cardoso, mas em Lisboa todos os conheciam por Xula. Era um dos carteiristas mais certeiros do elétrico 28 quando, em 2017, um dos seus negócios se tornou alvo do interesse mediático. Falamos do restaurante Made in Correeiros, situado na Baixa da cidade, que levava os turistas a pedirem pratos que não estavam detalhados na carta e que faziam a conta final disparar para valores entre os 200 e os 300 euros.
Sabe-se agora que este homem está há vários anos associado a uma rede criminosa responsável por fazer frente a gangues rivais, e cujos restaurantes que foi adquirindo — entre os quais se inclui o Made in Correeiros — serviram para, além de burlar turistas, traficar drogas pesadas como haxixe e cocaína. Este esquema era mantido com a conivência de um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) que, destacado na esquadrada da Baixa, trabalhava de forma cúmplice com José Cardoso, concluiu o Ministério Publico (MP), citado pelo jornal "Público".
O envolvimento do agente foi estudado ao mais ínfimo detalhe. Quando os clientes insatisfeitos com os preços praticados no Made in Correeiros protestavam e chamavam as autoridades, quem aparecia para responder à ocorrência — e para manter a serenidade — era esse agente e outro destacado na esquadra da Quinta do Cabrinha, em Alcântara. Mais: eram estes dois que forneciam ao gangue da família Cardoso fardas da PSP que estes usavam para se disfarçar de polícias e, com isso, poderem roubar a droga a gangues rivais.
O esquema, segundo o MP, funcionava assim: o clã Cardoso contactava os traficantes que queria roubar sob pretexto de fazerem negócio. Uma vez marcado um local e uma hora, apareciam vestidos como agentes da polícia e perseguiam-nos até conseguirem roubar a droga. Mas chegavam também a pagar com dinheiro falso ou a espancar criminosos rivais.
Desta rede mafiosa faziam parte José Cardoso, com cerca de 50 anos, e os seus três filhos de feitio explosivo. Terá sido durante uma discussão entre eles que um dos filhos apontou uma pistola à cabeça do próprio pai devido a um carro roubado, escreve o mesmo jornal. A avó dos três, na casa dos 70 anos, também é acusada de estar envolvida neste esquema depois de se descobrir que guardava, no seu apartamento do bairro do Rego, milhares de euros que o gangue arrecadava do tráfico.
Tiros, socos e extorsão
É André Cardoso, o filho mais novo de José Cardoso, no entanto, aquele que é considerado pelo MP o mais perigoso de todos. Na acusação assinada por um procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, a que o jornal "Público" teve acesso, descreve-se como André tentou dar 50 mil euros a um homem que tinha baleado por cinco vezes consecutivas em agosto de 2019. Cada tiro, para André, valia dez mil euros.
"Faz mal a tanta gente... bate em tanta gente, dá tiros às pessoas", revela um colega de crime de André, citado pela acusação. Mas a onda de violência não se limitava aos negócios consumados na penumbra da noite. No final de 2018, diz a acusação, o filho mais novo de Cardoso terá contratado um cidadão brasileiro para trabalhar no Costa Vicentina, o restaurante que passou a gerir ao fundo da Rua dos Correeiros, em Lisboa.
Depois dos primeiros seis meses de trabalho, deixou de lhe pagar o salário e ficou-lhe com o passaporte. "Quando não comparecia no restaurante, procurava-o na casa onde residia e obrigava-o a voltar a trabalhar, ao mesmo tempo que lhe desferia murros e pontapés em diversas partes do corpo e o ameaçava com uma arma de fogo, dizendo que o matava. Também não deixava que recebesse tratamento médico às lesões que lhe provocava, impedindo-o de se deslocar ao hospital", escreve a mesma publicação, que teve acesso ao documento.
Como se isso não bastasse, o cidadão imigrante foi, por fim, obrigado a morar com outro membro do clã Cardoso para que estivesse sob constante vigilância. André foi detido em novembro e os restantes membros da organização estão acusados de escravidão, extorsão, associação criminosa, tráfico de droga, suborno e branqueamento de capitais. O pai, José Cardoso, permaneceu em liberdade e está acusado apenas de falsificação de moeda.
Um dos agentes da PSP foi posto em prisão preventiva. Não só por fornecer os uniformes ao grupo, mas também por participar na venda de carteiras perdidas ou roubadas. Foi no decorrer desta investigação, que autorizou as escutas nos telefones do agente, que Ljubomir Stanisic foi apanhado numa situação de suborno ao oferecer duas garrafas de vinho, uma de conhaque e outra de rum, ao agente a troco de o deixar atravessar a ponte 25 de abril durante o período de confinamento obrigatório, na Páscoa.